Quarentena. Até que o covid nos separe

por Rui Cruz,    10 Abril, 2020
Quarentena. Até que o covid nos separe
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Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.

Sinceramente? Não percebo. Juro que não. Não percebo como é que, no meio desta pandemia, conseguimos ver tanta união e solidariedade, com artistas a fazerem tudo o que podem para a entreter a população, com vizinhos a oferecerem-se para levarem as compras aos mais idosos, com psicólogos e anónimos a disponibilizarem-se para ajudar a combater os piores estados de alma e a solidão e, ao mesmo tempo, conseguimos ver tanta desunião e mesquinhez, como por exemplo a capa de hoje do Correio da Manhã. Numa altura como esta, em que todo o país (o mundo) deve estar junto e em consonância, olhar para a capa daquele pasquim e ler “PORTA ABERTA À LIBERDADE DE CRIMINOSOS VIOLENTOS- Indulto Especial Permite a Saída de Homicidas e Pedófilos” é coisa que devia provocar vómitos até no mais saudável abstémio. Depois de tanto Costa como Marcelo já terem explicado a medida, depois desta ter sido “posta em papel” e fornecida aos jornais, depois de tudo isto este folhetim decidiu, deliberadamente, mentir e com isso provocar o pânico, o choque e a discussão entre a população. Mais rastejante do que isto só mesmo uma cobra com problemas de obesidade. Mas mais do que a repugnante mentira desta fanzine de literatura de cordel e o estrago e as discussões que provocou, preocupa-me o objectivo dela. Podem dizer “ah, é porque eles sabem que o pânico vende e querem aumentar as vendas, nem que seja a passar desinformação” e é uma razão “legítima”, mas, infelizmente, cheira-me que não é a verdadeira. É que esta chamada de capa é praticamente, palavra por palavra, o discurso do pequeno Duce do CHEGA nas redes sociais, pequeno Duce esse que, curiosamente, trabalha para o grupo que é dono do CM. E se já tínhamos, antes, percebido que havia canais de TV com muita vontade de dar tempo de antena ao mein führer de Algueirão e aos seus amigos quando estavam em processo de aquisição por parte da Cofina, hoje parece-me certo que não era coincidência. Portanto estejam atentos, meus queridos, é que para além deste jornaleco ser cada vez mais uma caixa de ressonância de uma ideologia de ódio, também é bem provável que acabe a meter os romances eróticos do Generalíssimo a fazerem parte das Coleções CM.

Mas não é só aqui que há desunião, claro que não. Até porque podemos sempre contar com a actual UE para liderar por exemplo. Finalmente conseguiu-se o famoso acordo do Eurogrupo, é certo, mas o acordo que precisamos? Ahahaha! Claro que não, ingénuos. Conseguimos um… vá… um acordinho, pronto. Um acordinho que ajuda a tapar uns buracos ali na saúde (e bem), mas não serve para alavancar ou ajudar a reerguer os países mais afectados pela pandemia, curiosamente, os do sul. E porquê? Porque a Alemanha, a Áustria, a Finlândia e, especialmente, a Holanda não estão muito a fim dos coronabonds e de salvar os preguiçosos dos latinos mais uma vez. Ora, e eu até os compreendo, mas quando os preguiçosos do sul fazem asneira sozinhos, não quando uma pandemia à escala global afecta a economia não de um estado membro, mas de todos. “Mas hei! Que se lixem, assim até fica mais barato ir lá de férias”, pensará o senhor ministro das finanças dos Países Baixos. E bem. Mas como pensar bem não tem exclusivo, eu sugeria que os países do sul, aqueles que têm boas praias, boa comida e bebida e vida nocturna que acaba ao meio dia, fizessem duas coisas quando isto acabasse: primeiro, que legalizassem as drogas leves e a prostituição, tal como o país do senhor Wopke Hoekstra e deixassem “o mercado a funcionar”; e segundo, que proibissem todas as suas empresas de mudarem a sede para território holandês por causa dos benefícios fiscais do país. E depois esperamos para ver qual o peso do ramo de túlipas na economia interna holandesa.

No meio disto, resta-nos a alegria de saber que, apesar de toda a difícil situação que o país atravessa, os EUA se mantêm juntos. Pelo menos o pessoal que foi enterrado nas valas comuns que abriram hoje em NY.

Aqui ficam as sugestões para o dia.

Comédia:

Dan Harmon – Community

Música:

Fleetwood Mac – Rumours

Cinema:

Jared Hess – Napoleon Dynamite

Literatura:

1984 – George Orwell

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