Quarentena. It’s a live!
Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.
E então, minha gente, como estão vocês? Do meu lado não vou mentir, isto da quarentena está a começar a afectar-me. Já tinha reparado que andava mais sarcástico e impaciente, mas hoje percebi que também estou a ficar com paranóias várias, ao nível daqueles maluquinhos que aparecem de vez em quando nas notícias, com um chapéu feito em papel de alumínio metido na cabeça para impedir o governo de lhes ler os pensamentos e a mostrarem fotografias ligadas com fios vermelhos que provam que não só que o José Milhazes é o líder dos Illuminati, como também que está a planear controlar todo o tráfico de creme de barbear acima do Equador. E percebi isto quando ao acordar abri as redes sociais, li a frase “Está a nevar em Vila Real” e o primeiro pensamento que tive foi “isto é código de filme de espiões”. Sabem?
Espião 1- “Está a nevar em Vila Real.”
Espião 2- “Mas está sol em Kinshasa.”
Espião 1- “Prazer, 008. Não foste seguido? Tenho o antídoto.”
Yap. Nem sequer estou a gozar, o que me deixa a pensar no que me pode acontecer nos dias que ainda aí vêm. E o meu pior medo não é dar por mim a fazer coisas como Pilates (que já comecei), decorar e representar cenas de filmes com o meu gato (que já fiz) ou tentar contar o número de pessoas chamadas José com quem já me cruzei na vida (foi assim que adormeci ontem), o meu maior medo é… começar a fazer lives no Instagram.
Eu sei, eu sei… Não há mal nenhum em fazer lives, ninguém se magoa, há lives porreiros (olá, Bruno e Ângelo!) o pessoal entretem-se, etc, etc… Mas, man… é mesmo necessário toda a gente fazer? Há assim tanta malta com coisas para dizer? É que isto está num ponto em que há mais directos no Instagram do que na CMTV! Ainda há dois dias abri a aplicação para ver cães a fazerem cãezices e ficar enfofado e as primeiras 14 stories que apareceram eram lives!
Atenção, eu não quero parecer um velho rezingão (que sou), o meu problema nem sequer é, na verdade, a quantidade de lives que se fazem, o meu problema é a quantidade de gente que me começa a mandar mensagens do tipo “quando é que tu também fazes?”, “queres entrar na minha live?”, “apanhaste o corona? É que ainda não fizeste uma live…”. E eu já sei como sou, começo a ficar irritado e das duas uma: ou fico embuchado e fecho-me ao Instagram porque quero ser bué diferente e deveras unique e o caralho a 7 mais as manias pedantes que tenho e perco uma ferramenta que até posso usar criativamente daqui a uns tempos, só por birra; ou acuso a pressão e entro em stress porque tenho de fazer lives e não tenho nenhuma ideia nem nada para dizer e vou acabar a gravar-me a comer nachos durante uma hora, sem dizer nada, ou a “entrevistar” pessoas que já foram entrevistadas nas outras 352 lives daquele dia e fazer-lhes as mesmas perguntas que já toda a gente lhes fez enquanto tento aparentar estar super divertido, quando na verdade só quero desligar para fazer o meu cocktail ou fumar aquele THC maroto. Estão a ver? Eu bem disse que estava a ficar paranóico.
Bom, no meio disto o que safa é que até isto me bater forte posso mesmo apanhar COVID-19 e ter uma desculpa para ficar quieto. É começar a lamber corrimões e rezar por um milagre. Até porque se apanhar o bicho, aí sim, já tenho o que mostrar: que estou alive em lives.
E aqui ficam as sugestões para o dia de hoje.
Comédia:
Bill Bailey – Dandelion Mind
Música:
Kap Bambino – Blacklist
Cinema:
Stephen Frears – High Fidelity
Literatura:
Homero (tradução de Frederico Lourenço) – Odisseia