“Realidade ou Ficção. As histórias em que queremos acreditar”. A mentira como acto criativo
O diálogo entre Laurent Binet e Anabela Mota Ribeiro aconteceu, realmente, na noite de 4ª feira, no Fólio – Festival Literário Internacional de Óbidos. A 16ª mesa programada para o festival foi moderada pela jornalista Isabel Lucas, no Auditório Praça da Criatividade
Não raras vezes, excelentes escritores não são bons intervenientes em mesas de debate. Anabela Mota Ribeiro e Isabel Lucas permitiam ao público alguma segurança sobre a riqueza de conteúdo e a competência em comunicá-lo. E Laurent Binet? O Prémio Goncourt surpreendeu com um discurso desenvolto, ideias claras e interessantes sobre o tema da mesa: “Realidade ou Ficção. As histórias em que queremos acreditar”
Uma mesa de debate serve também para criar ou aumentar a vontade de o leitor se aproximar da obra de um autor. A capacidade de comunicação de Laurent Binet e o seu conhecimento sobre literatura fizeram com que “HHhH” (Sextante) e “A Sétima função da linguagem” (Quetzal) se tornassem mais próximos das escolhas dos leitores.
Depois de uma breve introdução da jornalista Isabel Lucas, Anabela Mota Ribeiro chamou à conversa um outro “convidado”. Machado de Assis, por quem nutre um entusiasmo e conhecimento invulgares, serviu de exemplo para demonstrar o contínuo e profícuo jogo entre realidade e ficção.
“A flor amarela” (Quetzal), ensaio escrito pela jornalista sobre “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, serviu de ponto de partida para a conversa.
Anabela Mota Ribeiro contou como vários pontos se ligam entre realidade e a ficção. Brás Cubas nasceu no mesmo dia que a jornalista. A esposa do protagonista morreu no mesmo dia em que ambos nasceram. Sendo Brás Cubas um personagem fictício, não deixa de ser interessante constatar que existiu de facto um Brás Cubas. No Porto existe uma rua, que a jornalista visitou no dia de um seu aniversário, nomeada de Brás Cubas, indivíduo que fundou uma cidade brasileira no século XIX.
“Ele ajuda-me a pensar sobre mim”, afirmou Anabela Mota Ribeiro. E deixou ainda algumas perguntas: Qual é o papel da escrita na relação que temos como o impossível? Qual é o poder da escrita?
O autor francês contou ao público que não gosta da palavra “Verdade”. No entanto, não se pode deixar de identificar a diferença entre realidade e ficção.
A noção de realidade passa pelo prisma pessoal da sensibilidade individual, mas isto não significa que não exista um núcleo real.
A ficção pode ser utilizada abusivamente. Não se pode partir do princípio de que tudo é ficção por haver uma interpretação individual. O caso de Auschwitz é um exemplo. Para os judeus, foi horrível e real.
O autor de “HHhH” gosta que a ficção brinque com a realidade sem a tentar substituir. É uma hipótese que é colocada, sem vínculos com a mentira ou a verdade.
A ideia de que a ficção pretende substituir a realidade trouxe vários problemas ao autor quando publicou “A sétima função da linguagem”, livro que põe a hipótese ficcional de o atropelamento mortal de Roland Barthes ter sido intencional e, como tal, um assassínio.
Laurent Binet, Anabela Mota Ribeiro e Isabel Lucas, que ainda falou um pouco do seu livro “Viagem ao Sonho Americano” (Companhia das Letras), protagonizaram um excelente momento na 3ª edição do Fólio – Festival Literário Internacional de Óbidos.