Seres Vulneráveis. “Assembleia II: Sounding Out” acontece de 26 a 28 de Novembro no Maat, em Lisboa

por Conteúdo Patrocinado,    23 Novembro, 2021
Seres Vulneráveis. “Assembleia II: Sounding Out” acontece de 26 a 28 de Novembro no Maat, em Lisboa
Do original: Michael Wang, “Extinct in the Wild”, 2017 / via MAAT
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Somos Seres Vulneráveis, e o reconhecimento desta vulnerabilidade constitui uma via para a existência de formas diferentes com outros seres humanos, não-humanos e ambientes. Num programa público organizado por Andrea Bagnato e Ivan L. Munuera (ler entrevista), uma vasta gama de convidados reunir-se-á para contextualizar as transformações materiais, políticas e performativas destacadas pela atual pandemia. Assumindo a forma de duas assembleias, o programa irá imaginar novos espaços de ação e solidariedade através da arte e da arquitetura.

Sounding Out parte das ideias desenvolvidas na assembleia anterior (Tuning In), expandindo-as para outros corpos, ambientes, narrativas e políticas. Esta assembleia propõe-se explorar, entre outros temas, vulnerabilidades e codependências invisíveis, a condição de “selvagem” como possível contraponto às narrativas de exclusão, o modo como as instituições legitimam (mas também confrontam) o conhecimento científico, as tradições distantes do cânone ocidental onde o sentido de comunidade é mais inclusivo, a violência estrutural na formação dos estados-nação, e as genealogias do ativismo. 

Ao longo de três dias, ressoarão nesta sessão as vozes de Jack Halberstam, Himali Singh Soin, Isabel Amaral, Sofia Lemos, Edwin Nasr, Uriel Orlow, Jasbir K. Puar, Sarah Schulman, Nerea Calvillo, Lucia Casani e Monica Carroquino, Tamara Giles-Vernick, Michael Marder, Elise Misao Hunchuck, Françoise Vergès e Michael Wang.

Programa completo

Sexta-feira, 26/11/2021
16.30–17:00
Abertura
Com os curadores Andrea Bagnato e Ivan L. Munuera e Beatrice Leanza, diretora executiva do maat

17.00–17.30
Static Range: Part 1
Leitura performativa de Himali Singh Soin


Um dispositivo nuclear de telemetria usado para espiar a China foi abandonado pela CIA em 1965, perto do pico de Nanda Devi nos Himalaias. Continuou a emitir isótopos desde então, provocando cancro nas comunidades Sherpa que ali viviam. Um conjunto de selos do Nanda Devi e uma fotografia tirada pelo pai do artista (possivelmente expostos a radiação) são o mote para uma troca fictícia de cartas entre a montanha e o engenho nuclear. Ambos se tornaram codependentes, esbatendo a distinção entre o infetado e o que infeta. Neste intercâmbio entre as duas vozes, o “tu” e o “eu” desaparecem progressivamente, deixando em aberto a questão sobre quem ou o quê é exatamente vulnerável.

17.30–19.00
Natureza Vulnerável
Palestra de abertura de Jack Halberstam


Dos mortos-vivos à falcoaria e de Oscar Wilde a Max – a adorada personagem dos livros infantis de Maurice Sendak, a “natureza selvagem” escapa aos sistemas de classificação e às taxonomias normativas, explica Halberstam. Muitos tipos de corpos foram simplesmente classificados como selvagens pelos discursos civilizacional e colonial. No final do século XIX, a categoria “selvagem” era mais frequentemente aplicada aos corpos racializados. Por essa altura, começaram a surgir os contradiscursos, narrativas que se apoderaram do território da natureza e do antinatural para expressar uma profunda desconfiança dos sistemas normativos do conhecimento médico, social e político emergentes. No trabalho de Halberstam, a “natureza selvagem” é reformulada como ferramenta emancipatória, radicalizando o conhecimento e enfrentando confinamentos.

19.00–20.00
Sonic Beings
Performance Sonora de Francisco Lopez


Francisco López é reconhecido internacionalmente como uma das maiores figuras da arte sonora e música experimental. Tem desenvolvido nos últimos quarenta anos, um universo sonoro surpreendente, absolutamente pessoal e iconoclástico, com base num escuta profunda do mundo. Destruindo fronteiras entre sons industriais e sons de ambientes selvagens, alternando entre os limites da percepção e o abismo do som, propondo uma escuta cega, profunda e transcendental, liberta dos imperativos do conhecimento e aberta à extensão sensorial e espiritual.

SÁBADO, 27/11/2021

10.00–11.30
Urbanismo Vulnerável
Uma caminhada epidemiológica com Isabel Amaral

O Instituto de Higiene e Medicina Tropical foi criado em Lisboa em 1902. Originalmente situado na zona ribeirinha do Tejo, nos edifícios da Cordoaria Nacional, foi transferido duas décadas depois para a sua atual localização, na Rua da Junqueira. Os bairros de Alcântara e Belém são as zonas de Lisboa que mais preservam os traços urbanísticos do império. O lema do instituto – Sanitatem quaerens in tropicos (procuramos a saúde nos trópicos) – continua a recordar-nos a história colonial da saúde pública. Ao longo dos tempos, a categoria “trópicos” tem sido usada para rotular grande parte do mundo como foco de infeção, legitimando assim a sua exploração. Boa parte do conhecimento científico moderno sobre as doenças infectocontagiosas emergiu a partir das colónias, impulsionado pela necessidade de proteger a saúde dos colonos europeus e governar os colonizados. O escrutínio de tal legado permanece em larga medida ausente do discurso público, não obstante a nossa estreita proximidade com os seus vestígios edificados. O percurso pedestre começa e termina em frente da Central.

11.30–12.00
Screening
Uriel Orlow, The Crown Against Mafavuke, 2016 Screening


O filme reconstitui um julgamento sul-africano de 1940, explorando o confronto entre duas tradições médicas diferentes, mas interligadas e as suas utilizações de plantas. As passagens deslizantes entre géneros e raças questionam ainda mais as noções de pureza e de origem. O cenário do filme é o Palácio da Justiça em Pretória, onde Mandela e os seus colegas acusados foram condenados à prisão de Robben Island.

12.00–13.00
Terapêuticas Vulneráveis
Conversa com Uriel Orlow e Sofia Lemos


Mafavuke Ngcobo foi um ervanário em Durban, África do Sul, nos anos 1930, cuja atividade se desenvolveu na fronteira entre os remédios à base de plantas e as práticas comerciais modernas – uma combinação que os médicos brancos viam como uma ameaça. Em 1940, Ngcobo foi levado a julgamento devido à sua prática, obrigando o júri a tentar determinar o que se podia entender por plantas medicinais “nativas” – uma definição que, mesmo então, estava longe de ser consensual. Ngcobo acabou por ser multado. No julgamento, a medicina africana foi caracterizada como prática assente em processos simples e plantas de fácil acesso, em contraste com a “avançada” medicina ocidental. Um caso de conflito com as chamadas práticas médicas tradicionais revela-nos como a ciência ocidental moderna foi muitas vezes imposta através de reivindicações de autoridade e racionalidade determinadas pela raça.

13.00–14.30
Intervalo

14.30–15.00
Static Range: Part 2
Leitura performativa de Himali Singh Soin

15.00–16.00
Plantas Vulneráveis
Conversa com Michael Wang* e Elise Misao Hunchuck


Um dos primeiros vírus identificados pela ciência moderna não infetou seres humanos, mas flores – falamos do vírus TBV (tulip breaking virus), descrito pela primeira vez em 1928. Antes da descoberta do agente da doença, as flores infetadas eram muito valorizadas devido ao efeito variegado do vírus, que produz flamas e listras de cores diversas. Outrora muito apreciadas, as variedades de túlipa “estragadas” são hoje muitas vezes destruídas; o seu cultivo é proibido em países como a Holanda, onde a produção de túlipas é abundante, pois são vistas como uma ameaça à pureza das espécies de túlipa nativas. Um vírus que não tem efeitos negativos nas plantas (nem nos seres humanos) mas é, ainda assim, tratado como um perigo, pode levar-nos a questionar os termos estéticos em que as plantas são enquadradas, bem como as palavras e metáforas que usamos para discutir o contágio.

16.00–17.30
Jim Hubbard, Sarah Schulman, United in Anger: A History of ACT UP, 2012
Screening

Um documentário sobre o nascimento e a vida do movimento ativista da SIDA nos Estados Unidos, narrado da perspetiva das pessoas na linha da frente no combate à epidemia. Utilizando histórias orais de membros do ACT UP, bem como imagens de arquivo raras, o filme retrata os esforços do ACT UP ao combater a ganância empresarial, a indiferença social e a negligência governamental.

17.30–19.00
Ativismo Vulnerável
Conversa com Sarah Schulman e Edwin Nasr


O complexo ativismo interseccional promovido pela ACT UP em Nova Iorque para fazer face à crise do VIH/SIDA influenciou o entendimento que ainda hoje temos de envolvimento político. Oriundos de diferentes contextos, os seus membros trabalharam para simultaneamente desmascarar mitos e políticas de exclusão, defender uma discussão horizontal da política, abrir a caixa negra do conhecimento médico, confrontar as práticas segregacionistas dos média, dos governos e das instituições, e propor uma nova forma de entender o envolvimento político e a criatividade. O trabalho da ACT UP também pode ser entendido no contexto de – e comparativamente a – uma geografia global de luto coletivo.

Domingo, 28/11/2021

11.00 – 12.00
Viagens Vulneráveis
Conversa com Nerea Calvillo e Michael Marder, moderação de Ivan L. Munuera


O que significa viajar com “outros” num estado de vulnerabilidade? Como podemos nós imaginar um companheirismo simétrico entre seres humanos e não-humanos? É possível encontrar formas de coexistência para lá das normas contemporâneas que excluem e segregam corpos, comunidades e ambientes? Viajar na contemporaneidade significa estar consciente das vulnerabilidades ambientais e políticas. Das máscaras aos certificados de vacinação, dos passaportes a outros elementos de identificação pessoal, viajar é uma negociação multifacetada: seja pela apreensão dos agentes invisíveis e microscópicos que povoam o ar, considerando-o uma infraestrutura complexa, ou pela sujeição a normas que delimitam a possibilidade de atravessar livremente uma fronteira.

12.00–13.00
Origens Vulneráveis
Entrevista com Tamara Giles-Vernick* por Andrea Bagnato


Na última década, a investigação genética sobre o VIH atribuiu a origem do vírus à presença colonial francesa e belga na floresta tropical da África Central – e às economias extrativistas que, no início do século XX, transformaram a paisagem, as estruturas sociais e o contacto entre seres humanos e não-humanos. Fazer recuar no tempo as origens da pandemia e associá-la explicitamente ao colonialismo europeu implica um repensar drástico das coordenadas temporais e geográficas do VIH/SIDA. No entanto, também coloca questões importantes sobre causalidade, o estatuto ontológico do conhecimento científico e a produção de narrativas históricas num contexto de opressão colonial e marginalização contínua.

13.00–14.30
Intervalo

14.30–15.30
Tabita Rezaire, Sugar Walls Teardom, 2016
Screening com comentários de Mónica Carroquino e Lucía Casani


Durante a escravatura, os corpos das mulheres negras eram usados e explorados para trabalho laborioso em plantações, na escravatura sexual, exploração reprodutiva e experiências médicas. Anarcha, Betsey, e Lucy estavam entre as cobaias do Dr. Marion Sims, o chamado “pai da ginecologia moderna”, que torturava inúmeras mulheres escravizadas em nome da ciência. Não reconhecidos, os úteros da mulher negra têm sido, e continuam a ser, centrais na economia biomédica, como nos recorda a história de Henrietta Lacks – cujas células do colo do útero roubadas se tornaram a primeira linha imortalizada que levou a descobertas médicas. A obra, originalmente parte de uma instalação multimédia, celebra a tecnologia do útero através de um relato de política anatómica coerciva e presta homenagem a estes úteros; as suas contribuições não foram esquecidas.

15.30–17.00
The Island of Doctor Moreau
Palestra de abertura de Françoise Vergès


Na Ilha da Reunião, uma colónia francesa desde os anos 1600, milhares de abortos foram forçados em mulheres de cor enquanto as feministas lutavam pelos direitos ao aborto no ocidente. Histórias de desflorestação colonial cruzam-se com a recente epidemia de chicungunha – que o governo francês imputou à população e nada fez nada para combater. Quando as epidemias são entendidas não enquanto fenómenos isolados e “naturais”, mas como consequência de sucessivas camadas de colonialidade Norte-Sul, os historiais médicos adquirem um significado bastante menos pacífico. Além disso, transformam o corpo individual e coletivo num poderoso lugar de resistência.

17.00–17.30
Static Range: Part 3
Leitura performativa de Himali Singh Soin

Nota:
Os convidados assinalados com asterisco (*) participam online

Screenings

SÁBADO, 27/11/2021
12.00 Tabita Rezaire, Sugar Walls Teardom, 2016, 21’
13.00 Ira Sachs, Last Address, 2009, 8’
15.00 Tomaso De Luca, A Week’s Notice, 2020, 60’

DOMINGO, 28/11/2021
11.00 Uriel Orlow, The Crown Against Mafavuke, 2016, 19’
12.00 Sofia Gallisá Muriente, Celaje, 2020, 41’
13.00 Jim Hubbard, Sarah Schulman, United in Anger: A History of ACT UP, 2012, 92’

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