Seres vulneráveis: Duas assembleias públicas no MAAT sobre o espaço e o tempo das epidemias

por Conteúdo Patrocinado,    25 Outubro, 2021
Seres vulneráveis: Duas assembleias públicas no MAAT sobre o espaço e o tempo das epidemias
MAAT / DR

Com curadoria de Andrea Bagnato e Ivan L. Munuera, de 29 a 31 de outubro e de 26 a 28 de novembro, respectivamente.

Seres Vulneráveis traz ao maat um programa público que propõe uma reflexão sobre o espaço e a coabitação sob o prisma das doenças infeciosas, assente num trabalho de investigação de longo prazo realizado por Andrea Bagnato e Ivan L. Munuera. Numa assembleia pública que decorrerá em dois períodos distintos, convidados de diferentes disciplinas e contextos reunir-se-ão no museu para um intenso programa de palestras, conversas, atuações, projeções de filmes e música.

Ao longo da história, os programas de controlo de contágios – aquilo que se entende por saúde pública – transformaram edifícios e cidades. Mas para lá do mundo ocidental, a saúde pública foi também um instrumento de opressão, violência e segregação colonial. No próprio Ocidente, os indivíduos e grupos sociais que se afastaram da “norma” foram vítimas de exclusão estrutural, facto bem patente na pandemia do VIH/SIDA ainda em curso.

Seres Vulneráveis formula várias questões: como se produz e espacializa o conhecimento epidemiológico, e quem é dele excluído? Como pode a linguagem em torno da doença e da saúde ser ressignificada com vista a abolir metáforas opressivas? E que conhecimentos colher de formas passadas e atuais de organização coletiva perante o sofrimento?

Esta é a primeira parte de um projeto distribuído por múltiplos espaços com curadoria de Andrea Bagnato e Ivan L. Munuera, ao qual será dada continuidade com Contact Zones / Zonas de Contacto, uma exposição com inauguração marcada para o verão de 2022 em La Casa Encendida, em Madrid.

Andrea Bagnato é investigador nas áreas da Arquitetura, Ecologia e Epidemiologia desde 2013, no âmbito do projeto a longo prazo Terra Infecta. Entre as realizações do projeto contam-se um livro sobre paisagens infetadas na Sardenha (Humboldt Books, no prelo), o livro A Moving Border: Alpine Cartographies of Climate Change(Columbia/ZKM, 2019), bem como palestras e ensaios. Andrea leciona nestas áreas na Willem de Kooning Academy em Roterdão e na Architectural Association em Londres. Trabalhou como editor para a Trienal de Arquitetura de Sharjah, o grupo de investigação Forensic Architecture e a Bienal de Arquitetura de Chicago. De entre as publicações que editou destacam-se os dois volumes de Rights of FutureGenerations (Hatje Cantz, 2019–2021).

Ivan L. Munuera é académico, crítico e curador e reside em Nova Iorque. O seu trabalho situa-se na interseção da cultura, tecnologia, política e práticas corporais no período moderno e num cenário global. Em 2020, foi premiado pela Universidade de Princeton com a Harold W. Dodds Fellowship, uma distinção que reconhece o mais elevado nível de excelência académica e um percurso profissional promissor. Foi curador de exposições no Museo Reina Sofia (The Schizos, 2009), Ludwig Museum (ACAX Residency, 2010) e CA2M (Pop Politics, 2012–2013).

Desenvolveu diversos projetos, nomeadamente The Restroom Pavilion/Your Restroom is a Battleground (Bienal de Arquitetura de Veneza, 2021), Bauhauswelle (Floating University Berlin, 2018) e Chromanoids (Bienal de Design de Istambul, 2016; Bienal de Arquitetura e Urbanismo de Seul, 2017).

Assembleia I: Tuning In
29/10 a 31/10/2021

Tuning In assume-se como uma assembleia onde os espectadores se podem envolver no emaranhado das nossas realidades, marcadas por processos de cura e de cuidado, de exclusão e segregação, e por alternativas e possibilidades. As palestras, debates, performances, projeções de filmes e intervenções sonoras desta assembleia formulam várias questões: Quais os corpos que importam nos mapas geopolíticos mais amplos? Como confrontar as noções modernas de classificação e de governabilidade? Que afinidades se estabelecem na partilha de ativismos? Como se forma o conhecimento médico? Qual o significado do trabalho e da domesticidade nos dias de hoje? Como usar a memória enquanto ferramenta útil aos processos ativistas?

Ao longo de três dias, esta sessão sintonizará as vozes de Vivian Caccuri, Panagiota Kotsila, Carlo Caduff, Meika Wolf, Tomaso de Luca, Francesco Urbano Ragazzi, Dan Glass, Teresa Fabião, Anjuli Raza Kolb, Marina Otero Verzier, Rachaporn Choochuey, Sofia Gallisa Muriente e Cruz Garcia.

Sexta-feira, 29/10/2021

16.30–17.00
Abertura
Com os curadores Andrea Bagnato e Ivan L. Munuera e Beatrice Leanza, diretora executiva do maat

17.00–18.00
The New World Syrup and the Fever Hand
Leitura performativa por Vivian Caccuri (presenças online)

A febre-amarela introduziu-se nas Américas no século XVII, através dos navios usados pelos comerciantes europeus para transportar escravos africanos. A ecologia das plantações coloniais de açúcar nas Caraíbas e no Nordeste brasileiro fez alastrar a doença, uma vez que o corte de florestas criou um habitat favorável aos mosquitos Aedes, transmissores do vírus. Apesar de aparentemente controlada com campanhas de saúde pública, a febre-amarela regressou ao Brasil em 2018 – possivelmente em resultado da atual desflorestação da Amazónia. Foi também em 2018 que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, e que as preocupações epidemiológicas foram absorvidas pela agenda política nacionalista.

18.00–19.00
FadoBicha
Sound Performance

Sábado, 30/10/2021

10.30–12.00
Vulnerable Visions [Perspetivas Vulneráveis]
Painel de discussão com Panagiota Kotsila e Carlo Caduff (presenças online), moderação de Andrea Bagnato

Em 2009 foram detetados 51 casos de malária na Grécia – trinta e cinco anos passados sobre a suposta erradicação da doença. Trata-se de uma consequência não apenas das brutais políticas de austeridade que drenaram os recursos da saúde pública, mas também da racialização dos trabalhadores imigrantes, cujo trabalho agrícola em condições de exploração os expôs à doença. Apenas alguns anos antes, em 2005, os Estados Unidos assistiram a alertas e preparativos em grande escala para uma pandemia de gripe H5N1, com origem em explorações avícolas – uma ameaça que não se concretizou. As epidemias podem ser praticamente ignoradas quando envolvem corpos considerados descartáveis – ou desencadear o célere investimento em planos de preparação quando ameaçam atingir o corpo da nação. O conhecimento científico, os protocolos e as narrativas atuam de forma diferenciada, dependendo de quem é classificado, ou do que é classificado, como vulnerável.

12.00–13.00
Vulnerable Borders [Fronteiras Vulneráveis]
Palestrapor MeikeWolf

O mosquito Aedes albopictus, ou mosquito-tigre-asiático, é uma espécie peculiar: é capaz de transmitir várias doenças graves, incluindo a dengue, a febre-amarela e o vírus Zika. Presente há muito no Sudeste Asiático, a espécie alastrou aos Estados Unidos e à Europa mediterrânica na década de 1980, escondendo-se nas fendas do comércio mundial – desde os pneus usados às plantas de bambu para uso doméstico. As medidas de controlo do mosquito-tigre têm falhado sistematicamente, e prevê-se que o seu habitat continue a expandir-se com o aquecimento global. O mosquito Aedes desafia os regimes fronteiriços e põe em causa as classificações de “nativo” e “invasor”. Acima de tudo, exige que encontremos novas maneiras de pensar as espécies de vetores e os agentes patogénicos, indo além dos conceitos modernos de classificação, território e governação.

14.30–15.30
Projeção de filme: Tomaso de Luca, AWeek’s Notice, 2020 (60min)

Criado durante a pandemia de COVID-19, A Week’s Notice gira em torno da relação entre arquitetura, gentrificação e a epidemia de SIDA dos anos 1980. Trata-se de uma ode à arquitetura queer, de uma tentativa de recuperar o espaço público e doméstico obliterado pelo progresso. Em exposição estão 25 miniaturas

arquitetónicas inspiradas na cultura popular (desde Buster Keaton a O Feiticeiro de Oz), em obras-primas da arquitetura célebres (desde Mies van der Rohe a Le Corbusier) e nos corredores, casas-de-banho públicas e estúdios anónimos onde o artista viveu. Inspirando-se no registo de comédia slapstick, as 25 miniaturas movem-se, implodem, levitam, tremem, voam, abrem e fecham, acendem-se e apagam-se, num desastrado repertório de acidentes domésticos. A Week’s Notice ganhou o MAXXI Bvlgari Prize 2020. Concebido originalmente como uma instalação- vídeo de três canais, é aqui exibido pela primeira vez em canal único.

15.30–16.30
Vulnerable Dwelling [Habitação Vulnerável]
Live chat com Tomaso de Luca e Francesco Urbano Ragazzi

“A doença”, escreve Francesco Urbano Ragazzi, “é novamente o agente oculto que restabelece a desordem, a força arcaica que mostra a vulnerabilidade do mundo mas também, e sobretudo, a sua espantosa resistência”. São Francisco foi notoriamente uma das primeiras cidades a ser afetada pela epidemia de VIH/SIDA, tendo os primeiros casos de sarcoma de Kaposi ali sido diagnosticados a partir de 1980. Nos anos seguintes, a cidade assistiu a uma verdadeira onda de despejos, tendo os proprietários usado a epidemia para gentrificar bairros que há muito eram o lar da comunidade queer. Num mundo neoliberal, até mesmo os vírus mortais podem ser cooptados para acelerar a financeirização do lar. Hoje uma circunstância comum até mesmo entre os filhos de uma classe média outrora próspera, a combinação de despejos, aumentos de rendas e mudanças de casa frequentes foi sentida pela primeira vez por grupos sociais marginalizados. E, todavia, mesmo neste contexto, surgem novas configurações domésticas, continuamente testadas e reorganizadas.

17.00–18.00
Vulnerable Empire [Império Vulnerável]
Palestra / Leitura por Anjuli Raza Kolb

No rescaldo do 11 de setembro, o terrorismo nos Estados Unidos foi sendo gradualmente descrito como uma “epidemia”. Atos de violência maciça foram associados a contágios e doenças, amalgamados num imaginário indistinto de ameaças aleatórias e desconhecidas ao corpo social. Este tipo de linguagem não é um fenómeno contemporâneo, reportando-se aos primórdios da epidemiologia, na década de 1850, e à sua origem enquanto instrumento de gestão imperial – quando massas de povos colonizados eram consideradas um “problema” de saúde pública. O emprego da terminologia epidemiológica para fomento do racismo – e da islamofobia, em particular – põe em causa os próprios fundamentos da medicina moderna.

Domingo, 31/10/202110.30–11.30
Vulnerable Cities [LaresVulneráveis]
Conversa com Marina Otero Verzier e Rachaporn Choochuey (presenças online)

A imposição do confinamento doméstico como estratégia de saúde pública tem uma longa história genealógica – durante as epidemias de peste medievais e renascentistas, os habitantes das cidades italianas foram forçados a ficar em casa. No entanto, a aplicação contemporânea desta estratégia não tem precedentes em

termos da sua escala e abrangência. O modo como milhões de pessoas vivem hoje em dia – em pequenos apartamentos individuais devido ao custo crescente dos imóveis – foi um poderoso entrave espacial a qualquer forma de proximidade ou experiência partilhada. As populações deslocadas e as comunidades marginalizadas foram particularmente afetadas por formas de exclusão sistémicas e estruturais. Se quisermos imaginar modos mais coletivos de superarmos períodos de dor e sofrimento, poderá ser necessário questionarmos valores como a “privacidade” e a “individualidade” – e estarmos mais atentos a modos de vida muito para lá da norma ocidental moderna.

11.30–12.00
Ira Sachs, Last Adress, 2009
Screening

12.00–13.00
Vulnerable Kinship [Afinidades Vulneráveis]
Conversa com Dan Glass e Teresa Fabião, moderação de Ivan L. Munuera

Desde o início da década de 1980, quando a cobertura mediática trouxe o VIH/SIDA à atenção do público, diferentes comunidades criaram uma nova definição de parentesco através do seu ativismo. Essa forma de afinidade não tinha por base um entendimento tradicional de linhagem (consanguinidade, relações filogenéticas, estruturas familiares tradicionais), mas o modo como se relacionavam com um vírus (o VIH) e uma doença (a SIDA). O VIH foi o agente biológico que permitiu a formação de laços de afinidade entre os seus portadores, funcionando tanto como parente, quanto como progenitor. Mas estes laços não foram apenas biológicos, foram também sociais e políticos: nem todas as pessoas envolvidas nesta teia de relações eram portadoras do vírus ou tinham em comum testes positivos – e ainda que os tivessem, existiam múltiplos níveis de carga viral: indetetáveis, VIH positivos que não contraíram SIDA, falsos-positivos, etc. Os laços de parentesco entre os membros da comunidade eram, por isso, mais do que biológicos. O que partilharam foi um “parentesco escolhido”: um entendimento ativista da sua relação com o VIH e a SIDA.

14.30–15.30
Projeção: Sofia Gallisa Muriente, Celaje, 2020 (41min)

A memória, o tempo e o espaço andam de mãos dadas com a política do luto e da dor. Em Celaje, os fotogramas oscilam entre a crónica, o sonho e o documento, usando os tempos da natureza para interpretar os ciclos humanos. Combinando imagens filmadas em 16 mm e Super 8, filmes caseiros, uma fita de áudio de um quarto de polegada, filme processado à mão e uma banda sonora original de José Iván Lebrón Moreira, Celaje é uma elegia à morte do projeto colonial porto- riquenho. As memórias movem-se como nuvens, as imagens decompõem-se e envelhecem, e os vestígios desse processo são visíveis no filme e no país, como fantasmas.

15.30–16.30
Vulnerable Memory [MemóriaVulnerável]
Conversa com Sofia Gallisa Muriente e CruzGarcia, moderação de Ivan L. Munuera (presenças online)

A ilha de Porto Rico pode constituir um paradigma da pós-colónia, tal como definida por Achille Mbembe. Tendo passado de colónia da Coroa espanhola a território norte-americano não-incorporado – um território cujos cidadãos, até hoje, não têm direito a voto – é um lugar em permanente estado de crise. Neste contexto, as doenças infectocontagiosas foram sendo moldadas e agravadas pelas assimetrias de poder – tanto a febre-amarela nos anos 1800, como o Zika e a dengue na década de 2010. A saúde pública tem servido sobretudo para fortalecer ainda mais e legitimar o controlo colonial, como sucedeu durante a campanha contra a ancilostomíase lançada pelo governo norte-americano na sequência da invasão de 1898, a qual viria a inspirar a atividade da Fundação Rockefeller. Nas palavras de Sofia Gallisa Muriente, “quem paga a dívida acostuma o olhar ao esgotamento físico e mental, ao calor e à humidade, ao sal, ao bolor, ao pólen e ao pó do ar; à recuperação desigual, às árvores deformadas e às catástrofes que se sucedem.”

16.30–18.00
Polido
Performance

Assembleia II: Sounding out
26/11 a 28/11/2021

Sounding Out parte das ideias desenvolvidas na assembleia anterior, expandindo-as para outros corpos, ambientes, narrativas e políticas. Esta assembleia propõe-se explorar, entre outros temas, vulnerabilidades e codependências invisíveis, a condição de “selvagem” como possível contraponto às narrativas de exclusão, o modo como as instituições legitimam (mas também confrontam) o conhecimento científico, as tradições distantes do cânone ocidental onde o sentido de comunidade é mais inclusivo, a violência estrutural na formação dos estados-nação, e as genealogias do ativismo.

Sexta-feira, 26/11/2021
16.30–17:00

Abertura
Com os curadores Andrea Bagnato e Ivan L. Munuera e Beatrice Leanza, diretora executiva do maat

17.00–18.00
Static Range: Part 1
Leitura performativa por Himali Singh Soin

Um dispositivo de telemetria nuclear usado para espiar a China, e abandonado pela CIA em 1965 perto do pico de Nanda Devi nos Himalaias, continuou a emitir isótopos até hoje, provocando cancro nas comunidades Sherpa locais. Um conjunto de selos do Nanda Devi, possivelmente expostos à radiação, é o mote para uma troca fictícia de cartas entre a montanha e o engenho nuclear. Ambos se tornam codependentes, esbatendo a distinção entre o infetado e o que infeta. Nesta troca, ambas as vozes, o “tu” e o “eu”, vão desaparecendo progressivamente, deixando em aberto a questão de qual deles exatamente é vulnerável.

18.00–19.00
Vulnerable Wildness [Natureza Vulnerável]
Palestra de abertura por JackHalberstam

Dos mortos-vivos à falcoaria e de Oscar Wilde a Max – o amado personagem dos livros infantis de Maurice Sendak – a “condição de selvagem” escapa aos sistemas de classificação e às taxonomias normativas. Muitos tipos de corpos foram simplesmente considerados selvagens pelos discursos civilizacionais e coloniais. No final do século XIX, a categoria “selvagem” era mais frequentemente aplicada aos povos indígenas e negros em particular. Por essa altura, começaram a surgir os contra-discursos, narrativas que se apoderaram do território da natureza e do conceito de antinatural para expressar uma profunda desconfiança nos sistemas normativos de conhecimento médico, social e político emergentes. Entretanto, a “condição de selvagem” também pode constituir uma ferramenta emancipatória, radicalizando o conhecimento e enfrentando confinamentos.

Sábado, 27/11/202110.00–11.30
Vulnerable Urbanism [Urbanismo Vulnerável]
Uma caminhada epidemiológica por Belém com Isabel Amaral

O Instituto de Higiene e Medicina Tropical foi criado em Lisboa, em 1902. Originalmente situado na zona ribeirinha do Tejo, nos edifícios da Cordoaria Nacional, a leste da Central Tejo, foi transferido duas décadas depois para a sua atual localização, na Rua da Junqueira. Os bairros de Alcântara e Belém são as zonas de Lisboa que, mais do que qualquer outra, guardam os traços urbanísticos do império. O lema do instituto – Sanitatem quaerens in tropicos (procuramos a saúde nos trópicos) – recorda-nos a história colonial da saúde pública. Ao longo dos

tempos, a categoria “trópicos” tem sido usada para rotular grande parte do mundo como foco de infeção, assim legitimando a sua exploração. Boa parte do conhecimento científico moderno sobre as doenças infeciosas emergiu a partir das colónias, impulsionado pela necessidade de proteger a saúde dos colonos europeus, usado como arma de guerra e dando origem a uma governabilidade específica. Esta herança permanece mal investigada no discurso público, apesar da nossa estreita proximidade com os seus vestígios edificados.

11.30–12.00
Projeção de filme
Uriel Orlow, The Crown Against Mafavuke, 2016 (19min)

12.00–13.00
Vulnerable Treatments [Terapêuticas Vulneráveis]
Conversa com Uriel Orlow e SofiaLemos

Mafavuke Ngcobo foi um herborista estabelecido em Durban, África do Sul, nos anos 1930, e cuja atividade se desenvolveu na fronteira entre os remédios à base de plantas e as práticas comerciais modernas – uma combinação que os médicos brancos viam como uma ameaça. Em 1940, Ngcobo foi levado a julgamento devido à sua prática, tendo o júri procurado definir o que seriam plantas medicinais

“nativas” – uma definição que, mesmo então, estava longe de ser consensual. Ngcobo acabou por ser multado, e a medicina africana foi caracterizada como prática que deveria cingir-se a processos simples e plantas de pronto acesso. Eis um caso de conflito com as chamadas práticas médicas tradicionais que nos revela como a influência da ciência ocidental moderna foi muitas vezes imposta através de reivindicações de autoridade e racionalidade determinadas pela raça.

14.30–15.00
Static Range: Part 2
Leitura performativa por Himali Singh Soin

15.00–16.00
Vulnerable Bodies [Corpos Vulneráveis]
Palestra por JasbirK. Puar (presença online)

“Em 2018”, escreve Jasbir Puar, “Gaza transformou-se no teatro da mutilação explícita; não mais acidental ou fortuita, mas intencional na escala e na intensidade, e testemunhada e sancionada por um público mundial.” Durante os protestos conhecidos como a Grande Marcha de Retorno, as Forças de Defesa de Israel apontaram as suas armas deliberadamente aos membros inferiores de pelo menos

6.000 homens palestinianos, como apurou um relatório das Nações Unidas. Ao procurar estropiar não apenas os corpos individuais, mas todo um povo, pode concluir-se que Israel procura testar novas formas de controlo biopolítico, apropriando-se das visões liberais sobre a deficiência para legitimar as suas ações. Quando a mutilação se cruza com a opressão estrutural e a debilitação de vidas palestinianas, qual é a verdadeira duração de um ato de violência? Como é vivido na esfera doméstica e como afeta a reprodução social? O que significa manter uma população “em estado de perpétua injúria”?

16.00–17.30
Projeção de filme
JimHubbard, UnitedinAnger:A History of ACTUP, 2012 (92min)

17.30–19.00
Vulnerable Activism [Ativismo Vulnerável]
Conversa com Sarah Schulman e Edwin Nasr

O ativismo intersectorial e complexo promovido pela ACT UP em Nova Iorque para fazer face à crise do VIH/SIDA impregnou o modo como o engajamento político é hoje entendido. Oriundos de diversos contextos, os seus elementos trabalharam em simultâneo para desmascarar mitos e políticas de exclusão, defendendo uma abordagem horizontal à discussão política, abrindo a caixa negra da medicina,

confrontando as práticas segregacionistas dos média, dos governos e das instituições, e propondo uma nova forma de compreensão do engajamento e da criatividade. Esta conversa propõe-se explorar como e porquê o ACT UP é ainda um caldeirão de possibilidades de ação.

Domingo, 28/11/202110.30–11.30
Vulnerable Sensing [Sentidos Vulneráveis]
Conversa com Nerea Calvillo e Michael Marder, moderação de Ivan L. Munuera

O que significa viajar com “outros” num estado de vulnerabilidade? Como poderia o companheirismo entre seres humanos e não-humanos assumir formas simétricas? É possível encontrar formas de convivência para além das regulamentações contemporâneas que excluem e segregam corpos, comunidades e ambientes?

Nerea Calvillo e Michael Marder têm trabalhado individualmente sobre estas questões partindo de perspetivas diferentes: no caso de Calvillo, tornando visíveis os agentes invisíveis e microscópicos que povoam o ar, atendendo a uma dada infraestrutura e espaço público; Marder, por seu turno, socorre-se do conceito de passengerhood (transitoriedade) para ensaiar uma reflexão sobre o tempo, o espaço, a existência e o tédio.

11.30–12.15
Vulnerable Origins [Origens Vulneráveis]
Entrevista com Tamara Giles-Vernick

Na última década, a investigação genética sobre o VIH atribuiu a origem do vírus à presença colonial francesa e belga na floresta tropical da África Central – e às economias extrativistas que, no início do século XX, transformaram a mobilidade, as estruturas sociais e o contacto entre seres humanos e não-humanos. O trabalho científico de recuar as origens da pandemia no tempo, ligando-a explicitamente ao colonialismo europeu, implica um repensar drástico das coordenadas temporais e geográficas do VIH/SIDA. No entanto, também coloca questões importantes sobre causalidade, evidências científicas e a produção de narrativas históricas num contexto de marginalização e opressão racial.

12.15–13.30
Vulnerable Plants [PlantasVulneráveis]
Conversa com Michael Wang (presença online) e Elise Misao Hunchuck

Um dos primeiros vírus identificados pela ciência moderna – o vírus TBV (tulip breaking virus, descrito pela primeira vez em 1928) não infetou seres humanos, mas flores. Antes da descoberta do agente da doença, os botões de flores infetados eram mais valorizados do que todos os outros devido ao efeito variegado do vírus do mosaico, que produz labaredas e faixas de cor diversa. Outrora muito apreciadas, as variedades de tulipa “quebradas” são hoje muitas vezes destruídas; o seu cultivo é proibido em países como a Holanda, onde o cultivo comercial de tulipas é forte, pois são vistas como uma ameaça à pureza das espécies de tulipa nativas. Um vírus que não tem efeitos negativos sobre as plantas (nem sobre os seres humanos), mas é ainda assim tratado como um perigo, pode levar-nos a questionar os princípios estéticos que aplicamos às flores, bem como as palavras e metáforas que usamos para abordar o contágio.

15.00–16.30
The Island of Doctor Moreau [A Ilha do Dr.Moreau]
Palestra de abertura por Françoise Vergès

Na Ilha de Reunião, sob domínio europeu desde meados de 1600, o historial de desflorestação durante o período colonial cruza-se com o da imposição de milhares de abortos forçados às mulheres de cor locais e da recente epidemia de chicungunha –responsabilidade que o governo francês imputou à população e nada fez para combater. Quando a infeção é entendida não como fenómeno isolado, mas no contexto mais amplo da colonialidade, as histórias epidemiológica e médica assumem um significado bastante diferente e muito menos consensual.

16.30–17.00
Static Range: Part 3
Leitura performativa por Himali Singh Soin

Conteúdo Patrocinado por Fundação EDP.

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