Serviço Nacional de Saúde: uma lição para o futuro
Desde cedo que, entre muitos comentários e ensinamentos, ouvi que deveria evitar cair num dos mais comuns erros do ser humano: o de apenas se valorizar algo quando se perde ou se precisa. É assim com pessoas de quem mais gostamos, objetos que nos são queridos e momentos especiais.
Hoje em dia, face à atual pandemia de COVID-19 que assola a nossa sociedade, lembro-me constantemente desta lição de vida. E lembro-me disto porque a sua aplicabilidade é geral, ao ponto de se poder pensar nesta questão relativamente ao Serviço Nacional de Saúde.
Em Portugal, o Serviço Nacional de Saúde foi criado em 1979, assegurando um acesso universal aos direitos básicos de saúde a todos os portugueses. Tal surgiu num cenário em que os cuidados médicos eram obtidos, principalmente, dentro das próprias famílias ou através de instituições privadas, contribuindo para uma maior desigualdade social.
A estrutura de saúde em Portugal foi-se adaptando ao longo dos anos, com o surgimento de novos desafios e de inevitáveis novas perspetivas sociais. Porém, o verdadeiro objetivo, o de levar a saúde a todos os cidadãos, jamais se alterou, como seria o desejo de António Arnaut.
Observa-se, de início, o benefício que é viver num país com acesso universal à saúde, pois há lugares em que nem toda a gente poderá ter acesso a cuidados básicos, vendo o seu bem-estar, a sua saúde e a sua vida dependentes da sua condição social e do volume da sua carteira.
Veja-se o caso dos Estados Unidos, com o seu serviço de saúde privado. Neste, os cidadãos pagam valores exorbitantes por simples cuidados. Para se ter noção, um internamento de três dias poderá custar mais de 25.000€. E, mesmo com programas de saúde como o Medicare ou o Medicaid, tal situação não se inverte. Ou seja, quem não pode pagar, pode não poder viver.
Assim, verificamos que a existência de um SNS é algo que devemos valorizar e preservar, através do investimento no mesmo e da garantia da sua sobrevivência e qualidade de serviços.
Não obstante, verdade seja dita que o mesmo serviço não é devidamente tratado pelos consecutivos executivos em Portugal, ficando, muitas das vezes, em segundo plano. Não querendo abordar a questão de qual o melhor modelo de gestão estrutural do SNS, mas querendo destacar que, jamais, a meu ver, poderá o mesmo SNS ficar completamente refém das escolhas dos privados, é notório que houve negligência de alguns governos no passado.
E todo este esquecimento em relação ao SNS verifica-se, de forma mais grave, em situações de emergência e calamidade como a da atual pandemia de COVID-19, em Portugal e no mundo.
Nestas situações, exige-se um esforço acrescido de recursos, humanos e de capital, ao SNS. Assim, os frutos do desinvestimento no mesmo, surgem bem mais visíveis, possivelmente entrando mais rapidamente em colapso, pois não possui os meios que poderia possuir caso tivesse sido sempre olhado como prioridade nas agendas políticas de cada executivo.
O raciocínio é simples: se existe um menor investimento no SNS, tal gerará uma menor capacidade de disponibilização de meios no combate a questões de enfermidade, logo, haverá uma menor capacidade de proteção da população. Nessa situação, o país ficará refém dos agentes privados, fugindo o controlo das questões médicas das mãos do Estado, o ente constitucionalmente protetor. E mais: aumentar-se-á a desigualdade social, pois só terá acesso a cuidados de saúde privados, aqueles que tenham recursos para tal, sendo estes uma minoria.
Com este texto, não se pretende bater nos privados. O importante neste momento é entender a importância de um Serviço Nacional de Saúde forte, que satisfaça as necessidades de todos os cidadãos. Caso tal não aconteça, não existirá plano B, ficando estes desprotegidos.
Assim, volto ao início, lembrando a importância de valorizar o que temos, não pensando que mais tarde o faremos, pois mais tarde poderá ser tarde demais, e tal é aplicável ao SNS.
Que não deixemos para as horas de caos e emergência, o que se deve fazer atempadamente. Então, que os nossos governantes, independentemente da sua cor política, trabalhem no sentido de colmatar a necessidade de investimento em material, infraestruturas e recursos humanos no SNS.
Desta forma, que se reforce o Serviço Nacional de Saúde e as restantes estruturas públicas cujo bom funcionamento beneficia a população. Deverá prevalecer o Estado Social, assegurando, a cada cidadão, o cumprimento dos seus direitos fundamentais constitucionalmente protegidos, para que jamais se observem situações de injustiça. Pois assim, teremos meio caminho andado no assegurar de uma vida digna a todos, a missão fundamental de cada sociedade, e que está ao nosso alcance.
Crónica de Simão Ribeiro Póvoa
Estudante na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vogal da Ação Social da AAFDL e Presidente do Projeto Justa Causa.