Somos todos Grinchs
Acredito que várias pessoas achem que quem vive o espírito de Natal é um tanto infantil. Para o comum dos mortais, quem tem espírito natalício fora da faixa etária infantil são 1. Quem nunca sofreu nenhuma perda e não sabe o que é a dor; 2. Pessoas que estão só ansiosas para receber os presentes que têm na lista há meses e comer à grande e à francesa; 3 pessoas que estão relativamente confortáveis financeiramente e têm tempo para pensar nas festividades.
Não vou ser hipócrita e dizer que o Natal não é bom para comer e receber umas meias. É, se é! Mas isto são dois ou três dias se contarmos com o jantar de Natal da empresa. Na verdade, o espírito de Natal começa na contagem decrescente para o dia 24.
Para a maior parte das pessoas esta época é um massacre.
Hoje em dia todas as festividades são oportunidades para as empresas fazerem dinheiro e não há nada de errado com isso. Os consumistas somos nós e não as marcas que estão somente a tentar sobreviver. Reclamamos de um conceito – “consumismo” – fabricado e fomentado por nós e ficamos frustrados quando temos de lidar com os resultados da nossa vulnerabilidade a estímulos externos. Outra situação é quando um lugar na mesa se torna num lugar no céu. É doloroso ouvir que está a chegar “A Festa da Família” nestas circunstâncias. Parece que se celebra algo sem sentido ou que não enche as medidas.
Outro cenário é quando as nossas pessoas estão todas presentes no mundo e simplesmente não se entendem. Daqui resulta a ideia que o Natal junta a família uma vez por ano, porque tem de ser, porque faz parte, e convidar a família para jantar passa a ser uma hipocrisia. Naturalmente, os temas que se têm evitado abordar durante o resto do ano serão despejados na mesa como quem lava roupa suja na praça, e as coisas não correm como vemos nos anúncios de Natal na TV- em paz e harmonia com Bill Cosby como som de fundo ao jantar.
Apesar de todos estes eventos negativos, o Natal tem uma magia diferente de todas as outras épocas. Já rasgamos todas as páginas do calendário e damos por nós a rever tudo o que fizemos e o que teremos de fazer até ao final do ano. Sejamos francos, estamos em divida para com muitas promessas desde o ano de 2004. Quantos mais anos passam mais temos a noção de que não importa o quanto nós prometemos, que raramente vai ser diferente e acaba por ser só mais um ano. Esta atitude é o resultado de quem se viu obrigado a olhar ao espelho e não ficou satisfeito. As festividades – Natal, festa de anos – podem ser um reflexo simplista da nossa situação em algumas esferas pessoais. Ninguém gosta de passar o Natal a discutir ou só, acredito que grande parte das pessoas apreciam serem lembradas no seu aniversário mesmo que celebra-lo já seja agridoce, porque sentem que estão a passar de prazo. Passamos o resto do ano focados em nós próprios, cedendo ao que a vida motiva, evitando estar com quem amamos de forma a evitar possíveis conflitos. Deixamos de marcar um café por preguiça e alocamos para o fim de lista telefonemas por fazer. Até que sentimos a necessidade, sabe-se lá bem porquê, de recompormos tudo no menor tempo possível. Isto é também motivado pelo facto de que neste tempo o que tem mais impacto são os laços pessoais e não tanto o trabalho, que provavelmente se sobressai mais em Maio, porque em Maio não há festas familiares ou pressão para isso. De forma geral nós não gostamos de parar e pensar e por isso mantemo-nos ocupados. Porém o Natal é uma fatalidade: tens de lidar com o facto de estares ou não com pessoas. Deve ser por isso que na Rotunda do Marquês escreveram “Boas Festas” e não “Felizes Festas” porque nem sempre são felizes, mas podemos fazer algo bom com o que temos.
Como resultado, nesta época impera a fé e a nostalgia: a fé de que desta vez corra tudo pelo melhor, de que o próximo ano é que vai ser, e a nostalgia, a saudade dos tempos em tudo parecia mais fácil, quando não era. Nesta altura há uma motivação para sermos um bocadinho melhores, a nossa última esperança de nos redimirmos da misantropia do resto do ano. Neste contexto, damos por nós a segurar um saco no supermercado para recolha de alimentos para compor cabazes de Natal, ou a dar moedas ao guitarrista de rua. Há quem chame isto hipocrisia. Eu chamo isto bondade em cima do joelho. Quando temos impulso para dar, partilhar algo, não creio que seja só por mera aparência, porque dar moedas a um mendigo na rua não tem assim tanta projeção social. Na verdade, estamos no fim da meta e pesa na consciência o que se deixou por fazer. O confronto deste facto pode fazer mover ou petrificar as pessoas .
Talvez seja por isso que há tantas luzes nas ruas. Havendo muita opção, talvez te encontres numa delas quando estiveres perdido. Talvez seja por isso que o teu coração se enche de emoção e vês-te a descarregar e a encontrar-te em filmes pirosos de Natal de 2003. Talvez seja por isso que largas o telemóvel, levantas o rabo do sofá e vais ter com o teu irmão ao quarto para fazerem juntos a árvore de Natal, e aqui JUNTOS é a palavra chave.
O “Driving Home for Christmas” torna-se o “Eye of the Tiger “ dos jovens estudantes, com projetos e exames até a ponta dos cabelos, dando o litro para fecharem um ciclo da melhor forma.
De tudo isto, resulta a necessidade de sermos um bocadinho melhores, e quem já é bom torna-se ótimo. Francamente, acho que é preciso muita coragem para se ser bom. Coragem para genuinamente se importar, para tirar tempo no fim de um dia atarefado para escolher um miminho para os que mais amamos e reduzir o plafond da carteira em prole de alguém. É preciso ser ótimo para tirar férias no Natal e em vez de vestir o robe, vestir o avental para passar horas na cozinha numa azáfama fazendo tudo para dar certo, mesmo sabendo que geralmente falta alguém ou que vai haver molho. É essa fé que mantém a coragem e nos dá força para celebrar a vida com os nossos, mesmo quando as condições não são ideais muito menos perfeitas. Se calhar para o próximo ano não pensarei desta forma, mas deixo esta mensagem para partilhar um pouco do espírito do Natal. Acima de tudo, mantenham a magia real e, em caso de duvida quanto a priorizações nesta época festiva, escolham a família, os de sangue ou os do coração.
Crónica escrita por Sara Ribeiro
A Sara é uma miúda dos anos 90, melómana e apaixonada por literatura. Derrete-se com animais e queijo. Atualmente vive em Lisboa, mas diz-se “ser do mundo”, e está a tirar Mestrado em Business Intelligence na IMS NOVA de Lisboa.