Super-heróis, streaming e emancipação. O que mudou no cinema nos últimos 10 anos
Os anos de 2010 chegaram ao fim e durante os dez anos que se passaram, várias foram as grandes e profundas mudanças que o cinema sofreu. Desde super-heróis a conquistarem bilheteiras às salas de cinema em casa com o carimbo da Netflix, o cinema chega a 2020 completamente diferente de como entrou em 2010.
Alterações não faltaram na sétima arte ao longo dos últimos dez anos. A forma de consumo mudou. Os filmes que vemos no cinema são outros, e os sucessos milionários estão reservados para a Disney e para as franquias de grande sucesso, o streaming entrou para o mercado desvirtualizando hábitos e tradições há muito mantidas. Os clubes de vídeo permitiam-nos levar os DVDs para casa. A Netflix permitiu-nos levar os filmes e as séries para todo o lado, a qualquer altura. Porém, essa foi apenas uma das grandes alterações que abalou o cinema nesta década.
O monopólio do streaming
É difícil de prever como será o cinema daqui a dez anos, mas uma coisa é certa, as plataformas de streaming entraram no jogo e já somam muitas vitórias. Responsáveis, inicialmente, por destruir um grande hábito de consumo, o streaming encarregou-se também de promover uma independência das salas de cinema que o filme não conhecia. Antes, para ver um filme em casa, era preciso que fosse lançado em cassete. Mais tarde o DVD facilitou o processo, mas a modernidade rapidamente se tornou história e os DVDs agora estão em estantes a apanhar pó, enquanto o mundo digital segue as rédeas da inovação.
Desde a Netflix à HBO, o streaming permite-nos ver o que queremos quando queremos, apesar da dependência da aposta dos cartazes das plataformas que, para o mercado português, ainda são particularmente reduzidas. Harry Potter, Star Wars e filmes da Marvel fazem parte do pacote de filmes que lideram qualquer ranking dos mais vistos das plataformas de streaming.
E, com o aparecimento do Disney + na Europa já no início de 2020 – apesar de ainda não existir data para estreia nacional – a hegemonia da americana Netflix pode vir a ser abalada. Contudo, o grande abalo para o cinema não foi só a possibilidade de ver o conteúdo que queremos quando queremos, mas sim a possibilidade de agora termos estreias que nunca chegam ao grande ecrã.
Roma, de Alfonso Cuarón, é um dos filmes mais marcantes da década passada. Nomeado a dez Óscares, Roma só esteve em salas de cinema devido à aclamação que recebeu dos críticos, pois isso não fazia parte dos planos iniciais da produtora norte-americana. E Roma é apenas um dos exemplos. Para além das séries exclusivas, o cinema exclusivo do streaming parece ter despertado grandes discussões. Há quem veja o cinema da Netflix e de outras plataformas como “falso cinema“, por não estrear nas grandes salas e ser feito para ter outro tipo de consumo. Mas há também quem defenda a ideia de que o cinema, acima de tudo, é uma arte. Independentemente de onde é vista.
Este ano o streaming também voltou a destacar-se perante as premiações e perante os críticos. The Irishman, o primeiro filme de Martin Scorsese para o pequeno ecrã (ou grande, nunca se sabe) tem recebido largos elogios e é um dos fortes candidatos aos Óscares. Marriage Story, de Noah Baumbach, o mesmo. Será que em 2030 estaremos perante um leque de nomeados provenientes só de produtoras de streaming? É esperar para ver.
Rato Mickey na conquista das bilheteiras
Que a Disney estava há muito na vanguarda do cinema não é novidade, mas a década de 2010 foi, sem discussão, a década da Disney.
A compra da Marvel deu-se mesmo no final de 2009, mas foi durante a década que passou que o mundo vibrou com as histórias de Hulk, Iron Man e Capitão América. Ao longo de mais de vinte filmes, a Marvel construiu um universo interligado que veio a culminar em Avengers: Endgame, que se tornou a maior bilheteira de toda a história do cinema. No entanto, não foram só os super-heróis que fizeram história. Os live-action tiveram a sua quota-parte de fama.
Desde Cinderella a O Rei Leão, vários foram os remakes que a Disney produziu durante estes últimos anos. E todos eles – uns mais do que outros – obtiveram grande sucesso nas bilheteiras.
Super-heróis com super-sucesso
Das bandas desenhadas ao grande ecrã, a Marvel iniciou a construção de um universo cinematográfico ainda na década anterior, mas foi nesta que os Vingadores se juntaram e bateram todos os recordes de bilheteiras possíveis e imagináveis. Mas não foi só a Marvel que fez renascer os grandes heróis. Também a DC apostou no regresso de alguns clássicos e na aposta de super-heróis que fizeram história, como Wonder Woman, a primeira heroína a ganhar um filme.
O sucesso dos filmes espalhou-se ainda para as críticas e os prémios. Inicialmente capazes de arrecadar estatuetas nas áreas técnicas como os efeitos especiais, os filmes de super-heróis rapidamente chegaram às categorias principais, com Black Panther a conquistar sete nomeações aos Óscares, incluindo a de Melhor Filme.
No último trimestre de 2019, assistimos também ao regresso do vilão Joker, da DC, que veio mostrar que o cinema de blockbusters pode ter mais essência que aquela que entendem ter, ao retratar questões como doenças mentais e a apostar numa vertente mais humana e de conscientização.
O renascimento de Star Wars
Foi em 2012 que a Disney adquiriu a Lucasfilm e anunciou um novo episódio da saga Star Wars. A compra chegou aos quatro mil milhões de dólares, sendo que o primeiro filme produzido pela gigante do mundo do entretenimento chegou aos 300 milhões de orçamento.
Star Wars: The Force Awakens marcou o renascer de Star Wars, tornando a saga mais apelativa para o público jovem e apaixonando ainda mais aqueles que já eram aficionados pelo universo da Guerra das Estrelas. Cinco filmes e uma série depois, Star Wars continua a fazer sucesso.
No entanto, a Marvel e a Lucasfilm não foram as únicas aquisições da empresa de Walt Disney. Em dezembro de 2017, a Disney realizou a compra histórica da FOX, por 54 mil milhões de dólares, incluíndo os estúdios de cinema e televisão, mas também todos os canais do grupo, como a FOX, a FOX News ou o FX.
#TimesUp
Harvey Weinstein foi o primeiro a cair. Seguiram-se outros, como Kevin Spacey. Acusadas de assédio sexual, algumas celebridades de Hollywood viram o seu brilho a esbater-se entre as polémicas, até estar totalmente apagado. Surgiram movimentos como Me Too e Time’s Up, que acabaram não só por colocar um holofote sobre escândalos sexuais, mas também por trazer discussões para temas como a disparidade salarial entre homens e mulheres ou os sexismos da indústria, que parecem eliminar as mulheres de papéis protagonistas.
Antes das polémicas relacionadas com os escândalos sexuais, não faltavam filmes sobre mulheres fortes com papéis de heroínas, como Hunger Games, mas após as polémicas vários estúdios e produtoras de Hollywood prometeram promover um equilíbrio entre o sexo masculino e o sexo feminino, seja em elencos, seja na produção. A mudança é lenta e ainda fará parte da década de 2020, mas irá fazer-se sentir.
Este texto é da autoria de Miguel Santos e foi originalmente publicado no Espalha-Factos.