Surma: ‘Acho que é a melhor maneira de levares as coisas, ires na onda’
O Salgado fazia anos e nós subíamos ao célebre 4º andar da Rua de Passos Manuel um pouco antes do início da festa, para estarmos à conversa com Débora Umbelino acerca do seu universo Surma.
Antes de mais, acabaste de voltar do Eurosonic. Como foi a experiência?
A experiência no Eurosonic foi incrível e fui lá com as expectativas a zero! Não tinha nenhuma ideia formada sobre o que esperar de lá ir tocar, mas assim que dei o primeiro concerto fiquei com o coraçãozinho mesmo quente! Foi a sala cheia no primeiro dia… No segundo dia foram só tubarões da indústria. Foi incrível, nunca na vida pensei ir tocar lá fora, no Eurosonic. O público foi muito receptivo e até falei com um casalinho que esteve do início ao fim, já cinquentão, que nunca pensei que pudessem gostar. Mas a adesão da malta foi incrível, foi magnífico!
Antes do projecto Surma estavas num outro projecto, Blackwater & The Screaming Fantasy (de onde se formaram os Whales). Como é que daí nasce o universo Surma?
Eu estava na banda com eles já desde os meus 14 anos, foi uma vida com eles! E decidi que não era aquilo que queria seguir para mim e tinha outras coisas na cabeça. Saí da banda com 18 anos e com 19/20 comecei a levar isto mais à séria. Tinha umas músicas no telemóvel, uns riffs, uns sintetizadores e uns samples de guitarra perdidos e decidi colocar-me mais à séria no projecto; “vamos levar isto para a frente e vamos ver o que vai dar”, mas nunca na vida pensei estar onde estou agora. Nem nunca pensei sair da cave.
Como é que se dá o teu processo criativo?
De manhãzinha… o pessoal costuma dizer que de noite é que é, embora a madrugada seja a melhor cena: aquele ar matinal e o silêncio inspiram-me muito. Pode parecer estranho, mas com o silêncio vêm-me assim ideias estranhas à cabeça. Tanto é que muitas das músicas do álbum vieram-me à cabeça às 5h da manhã, enquanto dormia. Gravava no telemóvel – meia zombie – e no dia seguinte ouvia isso e ia trabalhá-las.
Como surgiu a música na tua vida?
A música surgiu na minha vida muito graças aos meus pais. O meu pai contava uma história muito engraçada: eu tinha meses de idade e ele tinha um tapetezinho na cave e metia-me lá a ouvir vinis duas horas por dia. Acho que foi isso que despontou o bichinho… Depois, com 5 anos, disse à minha mãe que queria aprender bateria: como era muito pequena, meteram-me na flauta. Acabaria por desistir, não gostava nada daquilo. Com 12/13 anos, tentei piano e guitarra clássica, acabando por desistir três meses depois (risos). Ou seja, aprendi quase tudo de forma autodidacta e com 18 anos fui para Lisboa – para o Hot Club – estudar Contrabaixo e Voz, na vertente Jazz.
Quem citarias como as tuas maiores influências, a nível musical?
Annie Clark, St. Vicent, Génia! E acho que foi ela que me meteu mais na vertente dos loops; sinceramente, foi muito graças a ela.
O «Antwerpen» tem sido muito bem recebido pelo público, tendo inclusive sido eleito álbum do ano por vários media. Como tem sido este início de viagem pelo universo Surma?
O «Antwerpen» é o álbum para fazer a ligação da Surma mais nova com a Surma de agora, porque a Antuérpia foi onde eu gravei o meu primeiro single na altura, o «Maasai». Assim, quis fazer uma homenagem à cidade que me inspirou imenso no primeiro álbum. E eu costumo dizer que o primeiro ano da Surma foi uma espécie de gap year: andei ali um bocado à descoberta do caminho que queria, daí não ter posto nenhuma das músicas no álbum e ser tudo feito de raíz. O «Antwerpen» é a consolidação de todos os sons que eu estive à procura nesse ano e o álbum diz isso mesmo.
A viagem ainda agora começou e já pisas célebres palcos como o Eurosonic e brevemente o SXSW. Como te sentes em relação a isso?
Não acredito nisso ainda, isso é bullshit! (risos) Ainda não estou bem na onda. Ainda não acredito muito bem. O Hugo Ferreira da Omnichord Records enviou a candidatura para lá, aquilo funciona por candidaturas e são mais não sei quantas bandas – cerca de mil bandas – e eu disse para esquecermos, que nunca iria acontecer na vida. Passados alguns meses, recebemos um e-mail da organização de lá, a dizer que fomos escolhidos e eu não acreditei: aliás, só acredito quando chegar lá! Não tenho acreditado em nada, nem tenho pensado em nada. Acho que é a melhor maneira de levares as coisas, ires na onda.
Antes do lançamento do «Antwerpen» tocavas temas completamente diferentes ao vivo. A experiência antes e após «Antwerpen» é distinta, é um explorar mais profundo do teu universo?
Na altura era uma onda mais experimental, de improviso e hoje ainda é:
(Surma sussurra entre risos: «qual é que gostas mais?»)
O improviso está sempre presente! Acho que a Surma sempre quis levar a parte do improviso para a frente. Antigamente, era tudo muito cru e muito feito na hora; muito base de camadas e acho que agora está muito mais solidificado e maduro, é um bocado por aí. Acho que juntei as duas e tornei-me mais ciente do que estava a fazer, mais adulta.
Para terminar, uma música como banda sonora da tua vida.
Essa é bué difícil! Todas dos Amiina, ou melhor a ‘Bíólagið’ dos Amiina.