‘Suspiria’: Luca Guadagnino espalha-se ao comprido num género que claramente não domina
E se um dos filmes mais esperados do Festival de Veneza se revelasse numa mega decepção? Pois é, nem sempre a ansiedade e a vontade de gostar é devolvida como se espera. Suspiria, versão de Guadagnino, produzida pela Amazon Studios e exibida em competição aqui em Veneza, toma como referência o original de Argento de 1977, presta-lhe homenagem, mas o alegado terror “como nunca tínhamos visto”, como avisou o realizador, acaba bastante mitigado.
Cedo se percebe que o filme não funciona. Algo confirmando pela procissão de pessoas que foram abandonando a sala, talvez incomodadas pelo excesso que Lucas quis mostrar, embora sem rima do género. Valha-nos Tilda Swinton, igual a si própria, que faz o que pode como a Madame Blanc (papel que Joan Bennet desempenhou em 77), tal como Dakota Johnson faz o que pode (ou sabe), embora num papel muito insuficiente para apagar as manchas do seu passado cinzento. É curioso notar como Jessica Harper, a Suzy de Argento, também aparece num papel especial, mesmo que isso não liberte o filme do seu falhanço e de nunca se conseguir aproximar do original.
O filme até começa bem, intrigante com uma sessão de terapia que empurra o filme para horizontes mais vastos. E nos envolve também nessa Berlim dividida. Pelo Muro, mas também pelo ambiente de terror provocado pelo grupo armado Baader-Meihof. Nesse sentido, a composição musical, que substituiu Sufjan Stevens por Thom Yorke, a acentuar até o ambiente num tom próximo aos The Goblins e à sua música fantasmagórica, na linha de Tubular Bells. Só que depressa este novo Suspiria se perde entre uma narrativa ambiciosa que se revela difícil de concretizar, mesmo que não seja pela alternância do inglês e do alemão, da dança de Susie que provoca um encantamento macabro numa outra bailarina, que acaba num amontoado de membros torcidos, ossos e urina.
A dualidade impõe-se numa conjugação de dança entre terra e ar, bem como a invocação do passado negro alemão, até chegarmos às bruxas e aos seus elementos esotéricos, trevas, lágrimas e suspiros. Foi uma pena perceber como o filme ia perdendo o seu fôlego e ficando dividido entre si. Como o Muro de Berlim, com narrativas diferentes que nunca chegam a confluir. Como se tratasse de um mundo alternativo. Algo que se torna ainda mais paradoxal quando o filme parece evolui para um terror estranhamente próximo do ambiente truculento de Mãe de Aronofsy, e que também esteve no ano passado em competição em Veneza.
Guadagnino parece falhar porque complica algo que se baseava na simplicidade. Não só a linha narrativa, mas também o estilo e o rigor estético da iluminação garrida pelo efeito dos filtros. Só que mais de quarenta anos depois o horror que sobressai não assusta e apenas procura o extremo visual, paredes meias com o mau gosto, a envolver um conjunto de personagens mais ou menos perdidas ou à procura de uma linha narrativa. Ainda que algo se passe do outro lado. Como se estivessem duas histórias divididas por um muro.
Pena que o autor do magnífico Chama-me Pelo Teu Nome, provavelmente o melhor filme do ano passado, que tão bem captou aquela memória e o naturalismo dos romances de Verão, se espalhe num género que claramente não domina.Artigo escrito por Paulo Portugal, em parceria com Insider.pt