Terapia de Divã: os desenhos em contexto terapêutico com o psicólogo Nuno C. Sousa
(‘Terapia de Divã’ é a nova rubrica da Comunidade Cultura e Arte dedicada à psicologia. Semanalmente, temos todos um encontro marcado neste divã, para, com o auxílio dos especialistas, discutirmos e entendermos melhor os mais variados assuntos – desde a sociedade até à criatividade – à luz do enquadramento psicológico. Os desenhos em contexto terapêutico, com o psicólogo e psicanalista Nuno C. Sousa, é o tema desta terceira edição. Para a semana, o ‘Terapia de Divã irá abordar a adolescência.)
Para esta terceira edição do ‘Terapia de de Divã’, o psicólogo e psicanalista Nuno C. Sousa aborda os desenhos em contexto terapêutico, a relação dos desenhos com a linguagem verbal e explica alguns pressupostos sobre o teste HTP [House, Tree, Person], ou seja, ‘O Teste da Casa, Árvore e Pessoa’. Convém relembrar, como Nuno C. Sousa o fez, que um teste é apenas um teste, baseado numa maioria estatística, cujos resultados funcionam como complemento de uma entrevista clínica. Serão úteis, portanto, como orientação, base, ou quando o piscoterapeuta não tem o tempo desejado para fazer uma análise mais profunda. Por essas mesmas razões é que, segundo o psicólogo, o desenho livre será preferível e é o que utiliza, até porque ajuda a vir ao de cima elementos secundários que podem ser importantes, de forma natural. Segue-se, então, a entrevista.
A aplicação do desenho, tendo em conta contexto terapêutico, pode ser tanto para crianças como para adultos ou é uma prática mais direccionada para crianças?
Os desenhos podem ser utilizados por adultos mas são, frequentemente, mais utilizado por crianças. Conseguimos utilizar outras formas mais práticas e contextualizadas com a maturidade e a idade de um adulto.
Mas também faz sentido utilizar o desenho nos casos em que a verbalização está bem desenvolvida? Temos menos capacidade de esconder no desenho o que muitas vezes procuramos ocultar nas palavras?
Diria que, a longo prazo, a linguagem verbal é sempre mais esclarecedora e completa do que um desenho. No entanto, na fase inicial da terapia em que estamos a conhecer a criança, o desenho pode ser mais eficaz enquanto desbloqueador do processo de análise da sua personalidade porque, as crianças ainda não têm o domínio da linguagem suficientemente completo, nem têm a percepção da realidade muito elaborada. Por isso, o desenho, numa fase inicial, pode ser um precursor muito eficaz da linguagem verbal que, depois, vai ser desenvolvida durante a terapia.
Podemos, então, dizer que a linguagem pictórica representa um processo mais primário do que a linguagem verbal.
Sim. A nível do desenvolvimento da mente humana, da personalidade e da forma como nos relacionamos com o mundo, os primeiros elementos que constituem uma representação mental da nossa relação com o meio ambiente são consequência dos sentidos – são as imagens, os cheiros, as percepções tácteis. Estes são, portanto, os primeiros elementos que, para a nossa mente, constituem uma relação com o mundo. O que é esperado é que a linguagem – pela capacidade de abstracção, de descrição das especificidades e nuances do que é percepcionado pelos nossos sentidos – acabe por ser muito mais completa. Mas isso depende muito da maturação cognitiva da criança e da capacidade de abstracção.
Fazendo uma ponte com o que acabou de dizer, aqui também há a questão do sentimento e emoção. O sentimento é a consciência da emoção e, aí, pode nascer a nossa relação com a imagem.
Essa distinção entre sentimento e emoção, quem se debruçou sobre ela mais recentemente foi António Damásio. Ele é que fez essa distinção entre o que é uma percepção sensorial, a emoção e, depois, o sentimento que é uma reacção subjectiva a essa percepção sensorial. Portanto, a imagem em si acaba por ser uma representação do sentimento. A emoção é uma representação abstracta, uma representação simbólica. A imagem em si, portanto, é uma parte daquilo que dentro de nós será esta representação da realidade – o aspecto concreto com que nós nos relacionamos – e aquilo que é a nossa experiência desse algo.
Para perceber melhor, fala-se muito nestes conceitos de inteligência cognitiva e inteligência emocional. São distinções das quais não sou, particularmente, muito fã, embora não deixem de ter alguma utilidade. A inteligência cognitiva é a nossa capacidade de percebermos a relação entre os vários elementos que fazem parte da vida – a relação entre as coisas -, a inteligência emocional é a capacidade de percebermos a “nossa” relação com essas coisas. Portanto, em termos daquilo que é a nossa experiência psicológica, a nossa experiência mental, isto são duas dimensões que andam lado a lado. É isso que nos permite estabelecer uma relação saudável e equilibrada com o mundo – a consciência do que são as coisas e aquilo que elas representam para nós.
Continuando com a relação entre linguagem pictórica e a linguagem verbal, disse algo muito interessante num artigo do DN, “… sobretudo até por volta dos sete anos, as ilustrações permitem colmatar capacidades ainda pouco desenvolvidas, como a linguagem verbal.” O desenho em si funciona, essencialmente, como meio de comunicação, mas o que lhe quero perguntar é se, através dele, podemos desenvolver a linguagem verbal.
Uma representação pictórica não é, necessariamente, uma linguagem, é uma representação. A linguagem terá uma evolução a partir da representação – é uma interpretação da representação. Aí, dependendo do indivíduo, cada interpretação da representação será uma consequência da personalidade, da experiência dessa pessoa. O ser humano estrutura-se na relação com o mundo através de uma linguagem interna que é composta por representações e linguagens pictóricas, verbais e de outras naturezas. Por exemplo, se eu falar com um músico, muito provavelmente vai-me descrever a sua experiência interna com representações relacionadas com sons. Mas se, por outro lado, falar com um pintor, então ele, provavelmente, irá privilegiar os estímulos visuais como elemento de base para representar e descrever a sua relação com o mundo.
As representações internas que temos do mundo são acompanhadas por uma linguagem interna que depois pode e deve ser comunicada por palavras – é a maneira mais eficaz do ser humano. Se formos, por exemplo, ver uma exposição de quadros em que estamos à frente de representações pictóricas, a nossa primeira interpretação do que vemos terá como base a nossa linguagem interna, não a linguagem interna do artista. Só se torna um meio de comunicação quando nós fazemos a utilização da linguagem verbal com o artista para fazermos este confronto entre linguagens internas. Portanto, a representação pictórica é um meio para a comunicação, comunicação essa que será feita através de uma linguagem que, sendo a linguagem verbal, será mais completa.
Vi, a exemplo, uma conferência da TEDx sobre desenho que encontrei ao acaso no youtube. O orador, já no final, falava da sua experiência ao tentar pôr pessoas com afasia a desenhar. Claro que a conferência não tinha um ponto de vista psicológico, mas achei bastante interessante essa parte final, em específico.
Sim, lá está. Nós comunicamos-nos através de representações, certo? Representações visuais e auditivas, entre outras. A linguagem verbal é um acesso a essas representações, que permite a experiência dessas comunicações. Isto enquadra-se quando as pessoas têm condições para aceder à linguagem verbal. Há pessoas que, por alguma limitação cognitiva – que pode ser congénita ou resultante de algum tipo de acidente – com as quais podemos utilizar o desenho como uma forma de a pessoa se representar e, também, para nós tentarmos aceder ao mundo interno dessa pessoa. Depois, podemos utilizar a verbalização para as representações dessas pessoas que não têm essa linguagem verbal.
Portanto, supondo que estamos a tentar comunicar com uma pessoa que tenha afasia ou uma dificuldade cognitiva grande e que, por conseguinte, não consiga utilizar a linguagem verbal de forma devidamente apurada, nós podemos ir respondendo a essas representações pictóricas com palavras, ou frases simples, ou também com outro tipo de representações, outro tipo de desenhos.
Há uma espécie de jogo, desenvolvido pelo pediatra e psicanalista Donald Winnicott que, explicando em linhas bastante gerais, consiste em apresentar às crianças uma folha em branco – a criança começa a fazer um desenho e o psicólogo vai complementando-o. Isso é, portanto, uma forma de estabelecer a comunicação com a criança. Quando estamos com alguém que tem dificuldade em elaborar a linguagem verbal complexa, isto é o melhor possível. Fazemos o melhor que podemos com o que temos. Para as pessoas que têm dificuldade em expressar-se através da palavra, esta é uma excelente forma de comunicarmos com elas e de as ajudarmos a organizarem-se a elas próprias na sua relação com o mundo.
E numa situação de trauma, por exemplo? Suponho que a pessoa também tenha dificuldades na verbalização do sucedido.
Por definição, um trauma é uma experiência que foi demasiado violenta para a pessoa conseguir organizá-la internamente. O que é que isto quer dizer? O trauma é uma situação pela qual a pessoa passou e que, dentro dela, não tinha ferramentas suficientes para processar a experiência e reagir de forma organizada. Ou seja, isto quer dizer que o trauma vai para além daquilo que é uma linguagem interna natural. A realidade foi demasiado violenta para aquilo que a pessoa estava preparada para lidar. O que pode acontecer é que, mais uma vez, o desenho pode ser utilizado como precursor para a pessoa se representar – começar a tentar a representar uma experiência com emoções que estão para além daquilo que, naturalmente, conseguiria processar. Aí, portanto, é que entra o trabalho do terapeuta que é conseguir dar à pessoa uma linguagem, ou facilitar que a pessoa atinja uma linguagem que organize a experiência daquilo por que passou.
O desenho, por si só, nunca é suficiente para constituir uma linguagem interna suficientemente robusta para estruturar a relação com a realidade, mas é um meio muito útil para que esse processo aconteça na relação com o terapeuta. Gostaria de esclarecer que há diferentes níveis de sofrimento. Há um nível de sofrimento que não é forte o suficiente para constituir um trauma, por exemplo, quando uma criança está a passar pelo processo de divórcio dos pais.
Essa situação, por várias razões – depende de caso para caso – vai provocar preocupações com intensidades diferentes numa criança. É uma experiência muito dolorosa, mas a criança vai conseguir, através da capacidade inerente à idade dela, fazer uma representação pictórica disso – desenhar, por exemplo, o pai e a mãe afastados. Facilmente, portanto, o terapeuta consegue através da linguagem verbal ir ao encontro da criança e dizer, “parece que neste desenho há algum distanciamento entre estas pessoas. Queres tentar explicar-me um pouco mais o que se está a passar aqui?” Isso, claro está, é uma frase que uma criança muito pequenina não conseguiria enquadrar, então aí, temos dizer à criança, “ok, há aqui uma situação que te preocupa, percebi que isto te preocupa.” A partir daí, começamos a tentar perceber com a criança, na prática, quais são as consequências que isso tem para ela e como a podemos ajudar a lidar com a situação.
Por outro lado, vamos pensar numa situação traumática, quando uma criança que é violada. Uma criança nem tem muito bem, ainda, acesso ao conceito da sexualidade, entramos aqui numa experiência que está para além daquilo que está ao alcance da representação da criança. Portanto, uma criança não vai conseguir fazer uma representação tão directa da realidade como no outro exemplo.
Aqui, o que a criança eventualmente poderia representar na folha seria, provavelmente, um conjunto de rabiscos, ou seja, imagens sem forma, porque são imagens que traduzem esta falta de representação estruturada da realidade e, provavelmente, o que conseguiria comunicar a dor da criança seria, por exemplo, a intensidade dos riscos, a quantidade dos riscos, a confusão, a força com que a criança desenha. A utilização de cores escuras, provavelmente. Temos aqui uma situação em que o desenho acompanha a dificuldade de representação da criança e, depois, tem de ser o adulto, que já tem acesso a conceitos mais elaborados, a dar organização àquela representação. Uma coisa muito simples, por exemplo, “estou a ver que estás a sofrer muito”, pode ser o primeiro passo.
A intensidade dos riscos é muito interessante.
Sim, sim. Não é só o produto final que interessa, é o processo de elaboração do desenho.
Tem a ver com o controlo da força da motricidade, a aplicação da força.
Sim, sim. Mas também temos de ter em atenção os materiais que a criança está a utilizar para não confundirmos características do desenho que são inerentes ao material e características do desenho que são inerentes à forma como a criança o desenhou. Portanto, quanto mais madura é a criança, mais ela conseguirá fazer imagens estruturadas ou uma representação mais directa da realidade.
Como dissemos há pouco, uma criança que está a sofrer com a separação dos pais vai conseguir desenhar as formas das figuras dos pais; uma criança que tenha passado por uma situação muito traumática não vai conseguir desenhar formas – a própria linguagem pictórica será a mais primária. O que será representado não serão formas de representação mais directa da realidade, da experiência, mas serão as emoções desorganizadas. Portanto, isso irá demonstrar-se através de traços pouco organizados, confusos, com pouca forma, com pouca diferenciação entre os elementos.
Lá está, no caso do divórcio, a criança vai conseguir representar a diferença entre a figura dela, a figura do pai e a figura da mãe – no caso de se tratar de um casal parental heterossexual. No caso de uma criança que foi violada, essa experiência da realidade terá sido tão violenta que, para ela, a percepção da dor será um todo indistinto. A experiência dela da realidade será a confusão e, isso, irá ser representado no desenho através de uma massa de traços.
O conceito do teste HTP [house, tree, person] por exemplo, é bastante curioso porque utiliza três conceitos com bastante carga psicológica – a casa, a árvore e a pessoa.
No caso do HTP, será expectável, em princípio, que a criança se desenhe a ela. Depois, haverá aqui nuances, mas a pessoa será a representação do próprio e a casa a representação do núcleo familiar, o espaço onde a criança habita. A casa não representa só a casa, mas a dinâmica daquela casa. Depois, quanto à árvore, fala-se da questão das raízes – há crianças que desenham raízes, outras que não desenham. Já vi que há quem atribua um significado às raízes como uma forma de estrutura e enraizamento de afectos. Acho isso muito mais uma conjectura de um adulto do que a de uma criança. Não me parece que uma criança muito nova tenha assim tanta representação do que é uma raiz. Acho que a ideia da árvore acaba por ter uma representação simbólica dos afectos que complementam a representação da pessoa, da casa e, também, de certa forma, pode ser um representante da relação da criança com aquilo que vai para além do núcleo familiar.
Depois, tem de se ter em conta a idade da criança. Se é uma criança muito pequena, muito provavelmente vai relacionar-se, principalmente, com a família nuclear e aí os símbolos que apresenta terão um contexto. Se for uma criança mais adulta que já vai à escola e já tem outras relações além da escola – os amigos e por aí fora -, aí os elementos já terão outro tipo de contexto.
No caso da representação da pessoa, por exemplo. Quais são os aspectos aos quais devemos prestar atenção?
Neste teste, o desenho da pessoa é, habitualmente, mais associado à representação da própria. Quando a criança consegue desenhar uma figura relativamente proporcional, a interpretação da forma, do equilíbrio fisionómico da figura humana, habitualmente associa-se ao desenvolvimento cognitivo da criança – terá a ver com as dimensões e uma proporção coerente da figura humana. De qualquer das formas, quando a criança consegue representar a maioria dos elementos de uma forma razoável, se há alguma parte do corpo que se destaca por alguma razão em particular – por ser demasiado grande ou demasiado pequena – temos de perceber o que isso representa emocionalmente para a criança.
Se a criança consegue representar a maioria da figura de forma equilibrada, então não há dificuldade cognitiva, mas uma criança cujos pais lhe bateram, ela, nesse caso, até pode representar no teste da figura humana, não ela própria, mas, por exemplo, os pais com os braços muito grandes. Cada elemento da figura e as proporções carregam o impacto emocional que existe na criança. Portanto, quando se aplica o teste, normalmente, pede-se à criança para contar uma história associada ao desenho ou pede-se para ir explicando o que está a desenhar. Então, consegue-se perceber se o que está a representar é um episódio particularmente marcante. No caso de ter passado por um episódio particularmente doloroso, provavelmente ela pode representar no desenho da pessoa, da figura humana, quem ela considera o agressor. Os restos dos elementos representarem o episódio.
E quanto à casa? O que acaba por ser mais significativo?
Se calhar, a forma como se desenham os elementos. Agora a falar por mim, habitualmente não uso uma ferramenta de desenhos enquanto parte de um teste específico. Há vários autores que estruturaram vários tipos de desenho e têm manuais de interpretação dos elementos mais ou menos estruturados. Têm alguma utilidade mas, do meu ponto de vista, é, sim, importante ter-se consciência desses testes enquanto sentido de estrutura; enquanto terapeuta, termos a noção do que é que significam as cores, os traços, as proporções e tudo mais, mas isso é, mais ao menos, transversal a todos os testes. Há o HTP, há o teste da figura humana, o teste da família, portanto, a teoria por trás deles é mais ou menos semelhante. Agora, quando estou com a criança, é preciso ter em conta o acompanhamento que se vai dar no processo do desenho, porque aí estamos a possibilitar à criança utilizar os elementos que para ela representam determinadas nuances.
Se pedir a uma criança que desenhe uma árvore, uma casa e uma pessoa, para algumas crianças poderá ser muito fácil atribuir a essas figuras representações pessoais, e isso também depende do jeito e da facilidade que a criança tem para desenhar. Se eu pergunto a uma criança se ela gosta de desenhar – e isso é muito comum com crianças muito pequenas nas primeiras consultas -, há crianças que não gostam e há que utilizar outro tipo de brincadeiras e dinâmicas para elas representarem. Pegar em bonecos, por exemplo, e dizer, “então vamos fazer um teatrinho com estes bonecos”, portanto, o princípio é o mesmo.
Mas se a criança me diz que gosta de desenhar, se eu a deixo desenhar livremente o que ela quiser e ela toma essa iniciativa, isso para mim vai ser muito mais útil, porque a criança, em primeiro lugar, vai começar por desenhar o que naquele dia está mais presente na atenção dela. Vai utilizar o que para ela são as figuras que, mais facilmente, representam aquilo que está a tentar organizar dentro dela. Por acaso pode ser uma casa, mas pronto, pode ser um carrinho, um brinquedo, pode ser um objecto, uma coisa qualquer que também serve de elemento de comunicação de uma experiência emocional qualquer.
Esta interpretação do desenho é feita à luz da teoria psicanalítica, uma vez que trabalho com a via psicanalítica. É à luz dessa vertente que faço a interpretação do desenho, não é à luz de um manual específico para um tipo de desenho específico . Mas faço isso porque, também, vou ter mais sessões e mais tempo para fazer este processo. Os testes para mim são particularmente úteis quando tenho de fazer avaliações pontuais por alguma razão específica, aí não se tem muito tempo. Apesar de, para mim, ser relativamente limitador quanto à quantidade de informação que se pode recolher, como não há muito tempo então, nesse caso, o teste é útil. Mas, tendo tempo para se estar com a criança, prefiro utilizar o desenho livre e, depois, interpreto à luz da via psicanalítica.
Os testes oferecerão, então, uma orientação. Caso forem tidos em conta literalmente, além de incompletos, poderão limitar a comunicação da criança ou levar a pressupostos errados.
Sim, sim, por isso é que os testes são utilizados como complemento à entrevista clínica. Gosto de utilizar o desenho como desenho livre. Quando a criança, por alguma razão, não sabe bem o que há-de desenhar, então posso dizer, “o que achas de desenhar os teus amigos, o que achas disso? Mas não penses, especificamente, em elementos.” Então, a criança, naturalmente, pode desenhar a casa, a escola ou o que seja. As figuras importantes para ela, no fundo. Enquanto que, no teste ‘casa, família, árvore’, não há tanta liberdade para estes elementos secundários que, sendo secundários, não quer dizer que sejam menos importantes.
Numa das suas respostas focou a narrativa que é construída em torno do desenho. Essa é a parte mais importante do trabalho?
Sim, porque a forma como os manuais dos testes são construídos é por análise estatística. No manual virá, por exemplo, que este elemento, provavelmente, representará isto. Porquê? Porque, na recolha estatística, em determinados quadros clínicos com determinados diagnósticos, na maioria dos casos, este elemento representa aquilo. Depois, terá de haver uma combinação das dimensões porque estamos a falar só do lado estatístico. É um pouco como as medicações. Quando alguém vai ao médico e o médico recomenda um comprimido, é porque, naquele tipo de situação, na maioria das vezes, foi o que resultou, mas pode não funcionar especificamente naquele caso em particular – é preciso ter em atenção o contexto. Os testes funcionam um pouco assim: os elementos representados, provavelmente, representarão aquilo, mas a teoria, embora pareça favorável, na prática pode não ser muito eficaz. Por essa razão é que temos de fazer a entrevista e perceber, na prática, o contexto daquela pessoa específica. Se os elementos vão ao encontro do manual ou se há diferenças e perceber o que quer dizer naquele caso em particular.