“The Car” vem alicerçar a maturidade e o estilo independente dos Arctic Monkeys
The Car é o título do sétimo álbum de estúdio dos Arctic Monkeys lançado neste dia 21 de Outubro, um trabalho que marca também os 20 anos desde a sua formação. Quatro anos após Tranquility Base Hotel & Casino (ler crítica), que acabou por causar uma mudança de registo notória em comparação a trabalhos anteriores, eis que finalmente nos chega um novo álbum de originais do famoso quarteto de Sheffield. A banda formada pelo carismático vocalista e guitarrista Alex Turner, e ainda pelo guitarrista Jamie Cook, o baterista Matt Helders, e o baixista Nick O’Mailley, tem vindo a surpreender-nos a cada seu novo trabalho. Porém, como é comum nas grandes bandas, naturalmente mais a uns do que a outros. E os Arctic Monkeys não são excepção à regra.
Gravado entre meados de 2021 e Julho de 2022, nos estúdios Butley Priory de Suffolk, RAK Studios de Londres, e ainda em La Frette de Paris, The Car conta com 10 novas canções compostas por Alex Turner, e foi produzido pelo já habitual James Ford que assim acaba por participar em seis dos sete álbuns de estúdio da banda. Para além de um título curto e simples, a capa apresenta uma fotografia tirada por Matt Helders a um Toyota Corolla E90 num parque de estacionamento em Los Angeles, algo que acaba também por conferir o título a este álbum. Apesar da sua aparente simplicidade, sem faixas de grande duração, este é um trabalho que consegue juntar diversos estilos, alguns deles que ainda não tinham sido explorados, mostrando uma enorme riqueza musical.
O álbum inicia-se com There’d Better Be a Mirrorball, canção que foi lançada no formato single no final de Agosto e que viria a criar expectativas quanto ao novo trabalho dos Arctic Monkeys. Com influências claras de jazz, nuances de pop e um piano predominante, esta é uma canção que consegue fazer alguma ligação a Tranquility Base Hotel & Casino, logo no modo como é introduzida. A voz de Alex Turner consegue encaixar na melodia de forma espontânea criando uma agradável harmonia com os restantes instrumentos. Seguindo-se de I Ain’t Quite Where I Think I Am uma canção dada a conhecer nas performances da banda ao vivo, inclusive no festival Kalorama em Lisboa no início de Setembro deste ano, e que foi lançada na sua versão original pouco antes do lançamento do álbum. Marcada pelo compasso da bateria de Matt Helders, trata-se de uma canção que remete para a fase mais soul de David Bowie, misturada com um funk ao estilo de Stevie Wonder ou até mesmo de James Brown.
Sculptures Of Anything Goes, inicia-se com um tom futurista, permitindo que a voz de Alex Turner flua de forma espontânea. A canção mostra um psicadelismo misturado com Industrial Rock, sendo também uma faixa bastante distinta neste álbum. Jet Skis On The Moat inicia-se de um modo suave, que junta um pouco de soul e rhythm and blues também com um tom psicadélico, visível através da forte predominância dos sintetizadores. A canção remete-nos para algum do reportório produzido por Marvin Gaye durante a década de 70. Body Paint, single dado a conhecer no final de Setembro e que acaba também por dar corpo ao álbum, sendo a faixa mais longa do álbum. A canção acaba por estar dividida em duas partes distintas, começando com um tom suave de balada, acompanhada pelo piano e pelos violinos, que acaba por se elevar para um rock característico a meio da canção, marcado pela mudança de registo da bateria de Matt Helders, a elevação da voz de Alex Turner e as guitarras a tomarem conta da melodia.
Segue-se The Car, a faixa que intitula este álbum, e que começa com um piano que combina com o dedilhar da guitarra acústica, provavelmente a tal “Grandfather’s guitar” que Alex Turner começa por proclamar nos versos. A meio, surge um riff de guitarra eléctrica por enaltecer a canção. Big Ideas, volta a um tom calmo e intimista, com a frase “I had big ideas, the band was so excited” no refrão, como se fosse interpretada por alguém que recorda os seus tempos áureos à frente de uma banda. A canção termina com o som intenso dos violinos e do piano, e com um solo de guitarra bastante sublime. De um modo alegre e bastante empolgado surge Hello You, uma agradável canção que junta os instrumentos em plena harmonia, relembrando algum do material produzido por John Lennon durante a sua carreira a solo.
Com uma letra bastante propícia ao título, criando até mesmo um ambiente de dança e de boa convivência, Hello You consegue ser também uma agradável surpresa. Uma personagem, Mr. Schwartz de seu nome, surge numa canção onde a guitarra acústica começa por emergir, mas rapidamente convida os restantes instrumentos a interagir, tratando-se de uma balada que vem a complementar o álbum. Por fim, Perfect Sense vem mostrar de forma clara que este é um álbum cheio de vida, sendo também uma canção bastante agradável de se ouvir. O refrão, “That’s what it takes to say goodnight”, acaba por também de uma forma simpática de encerrar o primeiro disco de originais dos Arctic Monkeys nos novos anos 20.
The Car é um álbum que vem alicerçar a maturidade e o estilo independente dos Arctic Monkeys que arriscam ao preferirem fazer aquilo que gostam, não envergando por um lado mais comercial que lhes poderia favorecer até certo ponto, mas que mais tarde ou mais cedo lhes tiraria a identidade. Este disco acaba por nos trazer uma maior continuidade em comparação ao último álbum, mas com menos ficção científica e até com menos alguma extravagância, mais simples e ao mesmo tempo mais requintado e intimista, com uma conexão cinematográfica mais intensa. Para além da matriz rock, que começou por ser indie mas que hoje já é o rock próprio dos Arctic Monkeys, o álbum combina vários elementos como pop, funk, rock orquestral e industrial, psicadelismo, blues e até soul music. São, também, encontrados vários elementos que nos transportam até à década de 70 do século passado, recordando alguns dos mais ilustres intérpretes desta era. Ainda assim, o verdadeiro salto quântico relativo ao registo musical e até à maturidade do conjunto continua a ser entre AM de 2013 e Tranquility Base Hotel & Casino de 2018, naquele que foi o maior hiato do conjunto no que toca à gravação de originais.
Temos vindo a crescer e desde o estouro de Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not, em 2006, que os rapazes de Sheffield têm vindo a crescer connosco. Depois de uma fase explosiva, onde recordes de vendas foram atingidos, os Arctic Monkeys optam por fazer sempre algo novo, independentemente de que isso possa agradar mais a uns do que a outros. As grandes bandas arriscam e fazem o que gostam, sem medo de perderem seguidores porque sabem que só assim é que conseguem ascender a um estatuto próximo da eternidade. The Car vem comprovar isso mesmo, que a ascensão musical dos Arctic Monkeys continua. E cá estaremos, sempre receptivos a novidades, concertos e presenças assíduas em festivais, que certamente darão continuidade a estas duas gloriosas décadas de carreira.