“The Lighthouse”, de Robert Eggers: uma viagem solitária e surrealista em constante suspense
Este filme foi visto numa sala de cinema na cidade de Estocolmo, na Suécia. Em Portugal, e para já, ainda não tem data de estreia comercial nos cinemas. O texto contém spoilers.
Após o aclamado “The Witch”, de 2015, Robert Eggers regressa ao cinema de horror, mas de forma completamente diferente. “The Lighthouse” é um filme que comunica pelas suas imagens e sons, não tanto através de diálogos, e que nos remete para um ambiente bastante diferente do seu filme anterior, embora os elementos identitários do realizador se encontrem presentes.
A história de “The Lighthouse” é simples. É o trabalho do realizador, funcionando aqui como autor (no sentido em que além de realizar também co-escreveu o argumento com o seu irmão), que torna o filme interessante. A história de dois faroleiros sozinhos numa ilha pode não sugerir grande emoção, mas a verdade é que estamos perante um thriller que nos agarra do inicio ao fim. Desde o momento da sua chegada à ilha onde se encontra o mítico farol, um dos elementos principais do filme, que sentimos a tensão que rodeia este local. Eggers brinca com os sons de forma a deixar-nos desconfortáveis, inicialmente com o som da sirene e posteriormente com o som das ondas, vento, relógios e tudo o que rodeia os dois personagens. O formato de imagem usado faz também parte desses elementos que nos causam tensão e claustrofobia (foi filmado em 1.19:1 (19:16), um formato usado entre 1926 e 1932). É claro que o objectivo de Eggers foi, desde sempre, fazer-nos sentir o que os personagens de Willem Dafoe (Thomas Wake) e Robbert Pattinson (Ephraim Winslow) sentem, uma constante pressão invisível (mais notória no personagem de Pattinson).
As interpretações deste filme são soberbas, assinando Dafoe uma das melhores da sua carreira. Personificando um velho lobo do mar, com uma personalidade forte, agressiva e conflituosa, Dafoe deambula de forma misteriosa pela ilha, comunicando por vezes de forma vaga e agressiva, principalmente quando o Farol é mencionado. Ele é o único que pode entrar na luz do Farol (no topo de cima), Pattinson está expressamente proibido. Obviamente que o fruto proibido é o mais apetecível, portanto, temos vários momentos de tensão em que Pattinson confronta Dafoe sobre o seu desejo de subir até ao Farol.
Ao longo do filme temos diversos momentos de confronto entre os dois personagens e bastante mistério. Pattinson vive atormentado por um fantasma do passado e Dafoe caminha entre a realidade e a ilusão. Conforme vão passando os dias, semanas ou meses (nunca temos completa noção temporal), a personagem de Pattinson começa a fundir-se com a de Dafoe. Eggers queria claramente brincar com a nossa noção de realismo e verdade. Será que o personagem de Dafoe é uma criação da mente de Pattinson? Será que Pattinson está apenas a ficar louco? Será que existe fantasia/magia, algo místico nesta ilha? Nunca existe uma resposta concreta para nada, apenas pequenos detalhes que nos podem levar a concluir algo.
É impossível falar do mais recente filme de Robert Eggers sem mencionar a vaga expressionista alemã dos anos 20. Desde Robert Wiene (“The Cabinet of Dr Caligari” (1920), “The Hands of Orlac” (1924)) a F. W. Murnau (“Nosferatu”, 1922), passando por Henrik Galeen (“The Student of Prague” (1926) ou Fritz Lang (“Metropolis”,(1927)). Este género caracteriza-se pelo uso bastante exagerado de expressões faciais e corporais para transmitir medo ou outro tipo de sentimentos. Além disso é também um género que utiliza diversas distorções visuais e efeitos surrealistas, combinando um excelente uso da luz no preto/branco. Por vezes a montagem aumenta a sua velocidade, com planos curtos e cortes bruscos, fazendo lembrar um pouco o cinema soviético dos anos 20. Tanto o cinema expressionista alemão, como o soviético dos anos 20 dão algum destaque às máquinas e indústria da época.
Todos estes traços técnicos estão presentes em “The Lighthouse”. Existem diversos planos de maquinaria, expressões faciais bastante teatrais e sombrias, e principalmente um constante recurso aos elementos visuais como principais condutores da narrativa, em prol dos diálogos. Eggers fez, naturalmente, um estudo aprofundado, demonstrando que domina a técnica e que possui uma grande abrangência de conhecimento cinematográfico, após criar dois filmes que têm uma identidade comum em diversos detalhes, mas que são bastante diferentes a nível técnico.
“The Lighthouse” é sem dúvida um dos melhores filmes do ano, com duas interpretações brilhantes (o personagem de Pattinson cresce bastante ao longo do filme), realização cuidada e detalhes técnicos impressionantes. Negativamente existem dois aspectos que prejudicam um pouco o filme: o primeiro é a forma pouco convincente como o personagem de Robert Pattinson altera a sua personalidade ao longo do filme. Muitas vezes esses momentos não são justificados, talvez com o intuito de nos deixar nessa ilusão de sonho/realidade/fantasia, mas por vezes sentimentos que as mudanças são demasiado bruscas; o segundo é a repetição de alguns momentos ao longo do filme. Estamos perante um filme que ganha com o seu constante suspense e aflição. Manter isso durante 1h50 é bastante complicado. Embora consiga fazê-lo, por vezes sentimentos que estamos a andar às voltas sem necessidade e a ver cenas repetidas. É provável que esta tenha sido uma escolha consciente do realizador, mas creio que o filme teria ganho mais com uma duração mais curta, não criando um único momento para respirarmos ou pensarmos.
Robert Eggers afirma-se como um dos melhores realizadores da sua geração, algo impressionante para alguém com apenas 36 anos. Além de demonstrar uma excelente capacidade técnica, Eggers demonstra também uma grande capacidade para gerir actores, conseguindo extrair o melhor de cada um deles. Willem Dafoe põe-se a jeito para um possível Óscar (embora na realidade seja um actor com pouca fama para o conseguir) e Robert Pattinson vem uma vez mais comprovar que quando trabalha com bons realizadores consegue ser um dos melhores actores da sua geração. “The Lighthouse” cria em nós um enorme medo do vazio, da solidão e do desconhecido, algo que poucos realizadores conseguem fazer.