“Tigertail”, o novo projecto da mente por detrás de “Master of None”
Deixemos claro de início que não há qualquer afinidade entre Tiger King e Tigertail. Talvez o único ponto em comum seja o selo Netflix porque, de resto, o fenómeno de audiências sobre Joe Exotic em nada se assemelha a este filme de Alan Yang.
Yang é conhecido do público como argumentista e co-criador das consagradas séries Parks and Recreation e Master of None, tendo arrecadado um Emmy de Melhor Argumento em série de comédia por este último. Tigertail, recém-estreado na Netflix, é a sua primeira aventura pelo cinema.
Escrito, realizado e produzido por Yang, o filme conta a história de vida de Pin-Jui, atravessando várias décadas e vários locais – a cidade taiwanesa de Huwei, que traduzida à letra significa “cauda de tigre”, dá nome ao filme. Depois de um prólogo em que nos apresentam Pin-Jui em criança e as suas origens humildes em Taiwan, um raccord transporta-nos para a Nova Iorque dos dias de hoje. Pin-Jui (interpretado por Tzi Ma) é agora um homem na casa dos cinquenta anos.
Ao longo de noventa minutos, Tigertail saltita entre o presente e o passado, pondo-nos a par do que ocorreu na vida de Pin-Jui. Porém, estes saltos são demasiado frequentes. A acção nunca fica mais do que meia dúzia de minutos no presente, sendo constantemente interrompida por flashbacks. Acresce que estas idas ao passado transportam-nos para três períodos diferentes – Pin-Jui em criança, em jovem, e mais tarde casado – o que se pode tornar algo confuso.
Tigertail é dinâmico e entusiasmante quando estamos em Taiwan (primeiro acto do filme), mas imóvel e monótono quando a ação se muda para os E.U.A. Há um realismo inerente aos primeiros 30 minutos que, infelizmente, desaparece por completo no resto do filme. Também o carisma de Yo-Hsing Fang no papel de jovem Yuan, a namorada de Pin-Jui, brilha somente neste acto inicial. Deste ponto em diante, Yang adopta um tom muito sisudo para seu próprio detrimento. Uma história séria não exige ser contada de forma séria, mas Tigertail insiste num tom tão melancólico e reservado que impossibilita que a audiência se interesse pelos personagens no ecrã.
No que diz respeito ao argumento, este tende a focar-se excessivamente na figura principal, negligenciando os demais intervenientes da acção. A personagem da filha Angela (Christine Ko) é um bom exemplo. É difícil pedir ao espectador que invista na relação entre pai e filha quando o detalhe que lhe é concedido é mínimo. Adicionalmente, algo que nunca chega a ser bem explicado é a razão pela qual Pin-Jui, tão vibrante em jovem, desenvolveu um carácter tão amargo e distante em adulto. É verdade que a sua busca pelo sonho americano ficou muito aquém do que fantasiara, mas é difícil acreditar numa mudança de carácter tão brusca.
Formalmente, Yang insiste num certo tipo de transições. A título de exemplo, vemos Pin-Jui a lavar pratos em casa, plano esse que é seguido por um de sua filha a lavar pratos no seu apartamento. Vemos Pin-Jui a almoçar sozinho, seguido de um plano de Angela também ela a almoçar sozinha. São paralelismos algo básicos e, convenhamos, não é desta forma que nos vamos simpatizar com a solidão dos personagens.
A cinematografia de Nigel Buck constitui a principal qualidade de Tigertail. Yang optou por filmar as várias épocas de forma diferente: enquanto as cenas no presente foram filmadas em digital, os flashbacks de Pin-Jui em criança e jovem foram filmados em película com uma câmara de 16mm. O contraste resultante em termos de texturas e cores é muito gracioso – que bonitas as cenas em película! – e ajuda o espectador a situar-se na cronologia do filme.
Tigertail procura ser uma história comovente sobre as arduidades de emigrar, mas infelizmente nunca alcança o calibre dos melhores títulos desse género cinematográfico, como por exemplo o excelente The Farewell (Lulu Wang, 2019) – curiosamente também este protagonizado por Tzi Ma no papel de um pai de uma família asiática a viver nos E.U.A.
Em última instância, Tigertail é um filme pelo qual torcemos, mas talvez não o admiremos. É animador ver a Netflix produzir um filme sobre uma família asiática, realizado e protagonizado por profissionais de ascendência asiática. Dar voz a quem nunca a teve na indústria do cinema é algo digno de celebrar. Tigertail não é de modo algum um mau filme, apenas fica aquém do que poderia ser – e do que gostaríamos que fosse.