Todos queríamos ser Pablo Escobar? ‘Ser narco não é cool’
Não há como contornar, se “Stranger Things” foi a febre do mês de Agosto, Narcos foi a de Setembro. O hype foi imediato, ninguém ficou indiferente à história do narcotráfico colombiano dos anos 80 e 90. No centro de toda a narrativa, claro, uma personagem carismática, Pablo Escobar. Há 23 anos que este nome não fazia correr tanta tinta como agora, um feito que se deve à Netflix, mas principalmente, ao actor Wagner Moura que assume o papel de Escobar. Há quem questione os pormenores mais ou menos verídicos da série, nomeadamente, segundo alguns acontecimentos relatados pelo filho do próprio Pablo Escobar.
“O meu pai era muito mais cruel do que na série. Submeteu um país ao terror. É preciso tratar desta história com responsabilidade. Há milhares de vítimas e um país por trás que merecem respeito. Estão a dizer que um narcotraficante é cool. Costumo receber mensagens de jovens de todo o mundo que me dizem que querem ser traficantes e pedem-me ajuda. Escrevem-me como se eu vendesse bilhetes para entrar neste mundo”
A história de Narcos não se trata de uma “bio picture” ou documentário, mas sim de uma ficção baseada em factos verídicos. Onde muitas personagens, acontecimentos e locais foram alterados em benefício de uma storyline mais atraente. Contudo se observarmos as duas temporadas da série, notamos que existem pequenos erros de ordem cronológica, o mais crasso será, provavelmente, a ausência do passar de anos pelos filhos do personagem principal. Em todos os vinte episódios, o filho de Pablo Escobar é interpretado pelo mesmo actor. Num compasso temporal alargado, Juan Pablo Escobar tem sempre a mesma aparência, mesmo nos últimos episódios quando então era um adolescente de dezasseis anos.
O filho do narcotraficante já veio a público manifestar a sua indignação quanto a este detalhe:
“[a série] Está cheia de erros. Para começar: eu não era criança. Na série pareço o Benjamin Button, sou cada vez mais novo, pareço ter oito anos. Eu tinha 16 anos quando o meu pai morreu. E sabia de tudo. Ele sempre me contou que era um bandido, um traficante. Víamos televisão e a sua voz não se alterava ao dizer-me: eu coloquei esta bomba. E discutíamos”, disse Pablo Escobar (filho).
Agora, colocaremos de lado estes apontamentos e olharemos para as mais-valias existentes nestes vinte episódios. O profissionalismo desta produção é notável, não são perceptíveis falhas de anotação ou mesmo de racord. No que diz respeito ao guarda-roupa e cenografia, o rigor com que foi tratado é de realçar. A dimensão é bastante significativa, se olharmos para a quantidade de veículos, casas, cenários de gabinetes e estabelecimentos, fardas e acessórios de indumentária. Se a tudo isto for somado o número de figurantes envolvidos, podemos afirmar de caras que esta não foi uma produção low-budget.
A escolha da banda sonora também assume um papel importante para a criação de uma atmosfera coerente. Muito marcado pelos ritmos latinos e tradicionais colombianos, mais concretamente a cumbia. A música de abertura que também já ecoa por esse mundo fora, é da autoria do músico brasileiro Rodrigo Amarante.
Todos estes pormenores contribuíram de forma eficaz para a recriação dos ambientes ideais. Foram essenciais para a envolvência dos espectadores na história, tornou-a mais próxima e realista. E aqui reentra a discussão dos pontos verídicos ou não. Quando uma produção vai a todos os pontos de fidelidade visuais para a construção de figurinos e cenografia, quer em termos históricos, quer a nível das representações sociais, é normal que a audiência assuma para si que tudo o que está a ver é real ou, pelo menos, muito próximo da realidade. Talvez, seja essa a razão pela qual, o filho de Pablo Escobar tenha feito uma declaração onde apontava vários erros à série, alertando para que esta não se confunda com a realidade dos factos.
Outro factor crucial para a coesão em Narcos é a interpretação de Wagner Moura na personagem de Pablo Escobar. De tal forma, que dificilmente alguém olhará para a real imagem do narcotraficante sem associar à do actor brasileiro. Em certos momentos esquecemo-nos que está a ser retratado um dos criminosos mais mortíferos de sempre. A humanização do personagem é muito bem trabalhada por toda a equipa, desde os argumentistas à direcção de fotografia e claro, pelo próprio actor. Esta humanização reflecte-se em cenas do personagem com a família ou com os seus fiéis sicários. A certa altura já nos questionamos se Escobar é de facto o derradeiro vilão desta história. Questionamos, inclusive, quem são os bons e os maus, contudo não se pode passar em branco as cerca de três mil mortes causadas pelo traficante colombiano. Como reitera Sebastian Marroquin (nome actual de Juan Pablo Escobar): “ser narco não é cool“.
Já esperamos pelas próximas duas temporadas, entretanto confirmadas pela Netflix, sabendo que depois do desmantelamento do Cartel de Medellín, os agentes da DEA, Penã e Murphy terão agora a missão de erradicar o Cartel de Cali. Narcos ajuda não só a compreender a história de Pablo Escobar, mas também um problema real que afecta a Colômbia. Trata-se de uma produção que retrata aquilo que se passou no país, independentemente da factualidade ou não de determinados acontecimentos.