“Vox Lux”, a metáfora da indústria do espectáculo
É curioso que, no ano em que “A Star is Born” aparece enquanto filme-sensação fundado no fenómeno da música pop, surja igualmente “Vox Lux”, uma espécie de filme antítese do protagonizado por Lady Gaga, que, usando o mesmo pano de fundo, é ao mesmo tempo bem mais criativo, inteligente, mordaz e meritório que o primeiro.
Brady Corbet assina a sua segunda longa-metragem, num dos exercícios de cinema mais originais, da mesma forma que é um dos mais socialmente relevantes do ano, sempre estando a atento a não cair na tentação da crítica política fácil da Era Trump. O filme foi visto no âmbito do LEFFEST’18, que contou com a presença do realizador para uma sessão de perguntas e respostas após a projecção.
Esta é a história de uma sobrevivente de um tiroteio numa escola dos Estados Unidos que ganha atenção mediática por esse motivo e se torna estrela pop, decidindo Corbet dividir o filme em duas partes. Uma primeira – protagonizada por Raffey Cassidy – testemunha a juventude da personagem de Celeste e o início do seu contacto com a feroz indústria musical, que posteriormente avança no tempo para a idade adulta de uma já estrela pop mundial, com mais um excelente trabalho de Natalie Portman. Apesar de todo o seu sub-texto, “Vox Lux” é um filme de entretenimento, e decerto nos embala na sua irresistível irreverência tão cruel, realista e cínica. Isso deve-se a vários factores. À cabeça está a química entre a popstar Natalie Portman e o agente Jude Law, um revivalismo de “Closer” (2004) anunciado que resulta mais que bem. Os protagonistas não se limitam a interpretar, divertem-se, e o espectador diverte-se com eles. O espaço para o improviso é evidente e os veteranos e velhos comparsas sabem bem como o usar, elevando o olho realista de “Vox Lux” através dessas sobreposições improvisadas.
Quanto a Raffey Cassidy, a jovem actriz confirma-se como valor para o futuro, demonstrando com segurança a sua carismática capacidade para liderar o filme ao longo da sua primeira metade. Raras vezes tivemos a oportunidade de observar uma jovem actriz a agarrar de forma tão confiante um papel tão ironicamente cínico, e Corbet brinca com essa ideia dentro do próprio filme ao atribuir à mesma jovem actriz o papel da adolescente filha da protagonista, anos mais tarde, quando já é Portman a intérprete de Celeste. O também jovem realizador afirmou ter passado pelo inferno para conseguir financiar o projecto, mas isso não o parece ter desmotivado no que diz respeito ao cariz mais técnico e imersivo da realização.
O dedo de autor está lá, sempre na medida certa, dançando entre o sempre incisivo diálogo em campo/contra-campo e o shaky cam da introspecção de personagem. Ao mesmo tempo, Corbet aplica, metaforicamente ou não, uma dose generosa do cinema comercial mais pop (curioso o equilíbrio entre a linguagem estética de fácil consumo e o um certo cinema indie norte-americano), que ganha fundações na própria narrativa do filme: a diva auto-consciente da música pop, símbolo da indústria do espectáculo. A cena final é arrebatadora e desconcertante.
Se “A Star is Born” fazia um excelente trabalho ao colocar o espectador em cima do palco, “Vox Lux” faz um trabalho criativamente mais interessante ao colocar o espectador na plateia, detentor do olhar de um observador clínico. E é essa a relação do espectador com “Vox Lux”: a de espectador que assiste ao espectáculo da plateia, e Corbet faz render o bilhete como poucos fizeram em 2018.
“Vox Lux” estreia nos cinemas portugueses a 10 de Janeiro de 2019.