Wim Wenders procura inspiração com ‘Pope Francis: A Man Of His Word’
O Festival de Cannes parece adornado de uma nuvem de personagens transcendentes. Tivemos o ‘Deus’ Godard a descer à Terra, a fazer-se representar em versão de selfie ou FaceTime, via smartphone, para a mais inesperada conferência de imprensa vista neste festival, e que até nos permitiu o nosso momento JLG; tivemos ainda a versão Diamantino, o deus do futebol, no filme endiabrado de Gabriel Abrantes. E agora chega-nos o Papa Francisco, pela mão de Wim Wenders, a concretizar esta Santíssima Trindade a abençoar o Festival de Cannes.
Pope Francis: A Man Of His Word não deixa de ser um objecto algo insólito, inegavelmente curioso, mas também inevitavelmente tendencioso. Wenders não é alheio ao documental, e O Sal da Terra, sobre a obra e a vida do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, foi a uma excelente incursão no mundo deste homem que procurou o lado mais precário ou escondido deste mundo. Seria esta invocação do inegável trabalho espiritual do chefe da igreja católica uma continuação desse percurso? Sublinhado até pelo facto do Papa ser um devoto de S. Francisco de Assis, padroeiro dos desfavorecidos e amante da natureza. Essa seria uma hipótese que poderia justificar esta opção, se bem que esta forma de aproximação divina o iluminasse e ajudasse a superar o ‘encalhe’ em que a sua carreira se embrenhou. Em suma que lhe desse novas ‘asas do desejo’.
Até porque diante da inegável magnitude e reverência desta personagem, cuja presença a todos submete e o discurso certeiro subjuga, dificilmente poderia reproduzir de uma forma que não fosse de certa forma proselitista. Ora, precisamente aquilo que o próprio sacerdote renega num dos vários excertos em que fala directamente para a câmara. Por outro lado, percebe-se imediatamente que Wenders fica desamparado quando se vê forçado a contribuir com algo seu e não deixar que o seu documento não seja completamente dominado por Francisco. O problema é que a sua escassa participação é mesmo o pior do filme. Sobretudo quando procura recriar de forma ridícula a vida de S. Francisco de Assis em segmentos vídeo que parecem inspirado em Joana D’Arc do cineasta Carl Theodor Dreyer.
Só quando ficamos a sós com Francisco é que conseguimos absorver a sua Palavra. E é mesmo este cenário, palavra e presença que faz a diferença, e o que por si só não justifica a produção deste documento. A obra do Papa Francisco está muito presente mesmo quando não tem pudor de abordar a pedofilia por membros do clero ou quando enfrenta o Congresso americano, dá uma lição sobre os muros, aceitação ou quando fala diante de multidões e lava os pés de um cadastrado e os beija. Isso nunca é Wenders.