10 livros para leres nas férias de Verão
Este ano, o Verão demorou a chegar, mas, agora que parece finalmente ter vindo para ficar, não podíamos deixar de vos recomendar umas quantas obras capazes de entreter os serões passados tanto ao abrigo do sol torrido, como debaixo da sua massa de ar quente.
À Procura do Tempo Perdido 1: Do Lado de Swann, de Marcel Proust (Relógio d’Água)
Com tempo para ler na praia enquanto se alterna entre banhos de água e de sol, talvez seja hora de aproveitar as recentes reedições a preços acessíveis, por parte da Relógio d’Água, de todos os sete livros de À Procura do Tempo Perdido, para meter mãos à obra num dos maiores calhamaços da literatura mundial. Mas, ainda que o tamanho assuste, o que se extrai deste tomo é do melhor que se pode arranjar para uma paisagem de verão, até porque Marcel nos leva também, a certa altura, para os prazeres de uma estância balnear para onde ia, na sua infância, com a sua avô. Quem sabe, talvez a bola de Berlim possa ser a nova madalena.
Coração Tão Branco, de Javier Marías (Alfaguara)
Ainda que se procura o bronze nesta altura do ano, Coração Tão Branco, obra-prima daquele que é, provavelmente, o melhor escritor espanhol contemporâneo, leva-nos a mergulhar no intrincado das relações humanas, em como sabemos tão pouco sobre o passado daqueles com quem crescemos, como nos é inacessível, e escondido, aquilo que ficou para trás antes de existirmos. Juan, o narrador, nunca havia sabido os pormenores das mortes dramáticas das duas ex-mulheres do seu pai, e, ao inteirar-se dos pormenores, não tem como não pensar acerca do seu próprio casamento.
What Belongs to You, de Garth Greenwell (Farrar, Straus and Giroux)
Ainda inédita em Portugal, a primeira obra do americano Garth Greenwell acompanha a história de um americano que, enquanto professor de Inglês em Sofia, na Bulgária, se envolve com Mitko, um prostituto que ele conhece nas casas-de-banho do Palácio Nacional de Cultura, famoso local de cruising (prática de procurar parceiros sexuais em locais públicos). É esta relação entre os dois, o narrador não nomeado e Mitko, que dá o mote para explorar os temas prevalecentes da obra, como a transacção nas relações, a homossexualidade em regiões onde a homofobia é prevalecente, a incapacidade de sabermos o que outra pessoa pensa, ou mesmo o quanto da nossa vida está, à partida, limitada pelo local onde nascemos.
Recentemente, a Comunidade Cultura e Arte entrevistou o autor, que esteve em Portugal no Disquiet, um programa literário internacional.
O Náufrago, de Thomas Bernhard (Relógio d’Água)
Talvez pensar em naufrágios não seja a melhor coisa a fazer enquanto se olha para o mar, mas a verdade é que a obra de Thomas Bernhard trata não de um naufrágio marítimo, mas de um naufrágio pessoal. Centrando-se numa relação ficcional entre o pianista Glenn Gould e dois colegas seus que se sentem incapazes de prosseguir as suas ambições musicais face ao génio incomparável de Gould, O Náufrago acompanha, num monólogo que é um parágrafo inteiro, as obsessivas ruminações mentais do narrador, o único destes dois que sobreviveu ao lançar-se para a obscuridade, já que o outro, privado dessa sua ambição, se entrega a uma esprial que culmina no seu suicídio.
145 Poemas, de Konstantinos Kaváfis (Flop)
A poesia é também um dos meios mais fáceis de ler na praia e por entre o calor, não fossem os poemas textos curtos capazes de nos acompanhar enquanto caminhamos à beira-mar. A poesia do grego Konstantinos Kaváfis, poeta do início so século XX, é sempre uma de distanciamento e evocação, um olhar sobre a juventude a partir da velhice, um foco nos detalhes que a memória reteve, um olhar para o passado tanto quando os poemas tratam a intimidade como quando pegam na antiguidade clássica, e nesta bela edição da Flop, com tradução de Manuel Resende, um dos maiores conhecedores da poesia grega moderna, podemos finalmente deleitar os nossos olhos enquanto deleitamos também a nossa mente.
O Salão Vermelho, de August Strindberg (E-Primatur)
Certo dia, Ingmar Bergman escreveu: “Devo tudo a Strindberg, como a maior parte da cinematografia e literatura que se produz na Escandinávia e no Norte da Europa em geral lhe deve a sua razão de existência.” Um dos escritores escandinavos mais influentes, foi pela escrita de peças que se tornou mais reconhecido, mas foi também na ficção que deixou marcas na literatura internacional. Resultado disso é este O Salão Vermelho, obra escrita em 1879 e que retrata na perfeição uma sociedade que em tudo se assemelha (ainda) à dos nossos dias. O “salão vermelho” é palco de corrupção moral, política e social e, por isso, também um local de reflexão sobre valores e ética. É isto que define as grandes obras das obras primas: intemporalidade da sua mensagem.
Uma História de Xadrez, de Stefan Zweig (Relógio D’Água)
Stefan Zweig não foi um escritor brilhante, mas é um escritor que nos deixa marcas e nos faz ressacar pela leitura de mais obras suas sempre que acabamos uma, além de nos fazer pesquisar sobre o mesmo para conhecer um pouco melhor a sua mente. Amigo de Sigmund Freud, com quem trocava correspondência, é nos maneirismos e vícios ou obsessões das suas personagens, sempre fustigadas por acontecimentos do passado (como o autor), que reside a riqueza das obras de Zweig, tendo na nostalgia uma presença constante nas mesmas. Esta obra tem uma carga simbólica maior que as outras, daí a nossa escolha: foi a sua última e era, de certa forma, uma pequena autobiografia do autor.
Mírgorod, de Nikolai Gogol (Assírio e Alvim)
Podemos chamar a Gogol um dos pais do surrealismo literário ao ter escrito contos como O Nariz. Mírgorod é constituído por três histórias (Um casal à antiga, Víi e História de como se zangaram Ivan Ivánovitch e Ivan Nikiforovitch), uma continuação das Noites na Granja ao pé de Dikanka os contos de tradição ucraniana que marcaram a estreia literária de um dos mais criativos e influentes escritores do antigo Império Russo (em território actualmente ucraniano, daí a polémica sobre a sua nacionalidade). Personalidade complexa, viria a lançar as bases de toda a criação literária russa a par do seu amigo Púchkin. Em Mírgorod destacamos particularmente Víi (ou Viy), história de terror do folclore ucraniano sobre uma entidade demoníaca.
Burgueses somos nós todos ou ainda menos, de Mário de Carvalho (Porto Editora)
Traições, conquistas, crises (económicas e morais), a passagem da idade e as consequências da mesma (a morte), são os pontos de partida criativos para os onze contos do autor Mário de Carvalho nesta sua obra leve, descontraída, irónica e sempre, sempre com um olhar mordaz nesta escrita rica (para não dizermos o seu grau superlativo absoluto sintético) que é apanágio do escritor. Própria de Verão, própria do desamor à classe burguesa e aos seus vícios num título emprestado pelo poema homónimo de Mário Cesariny.
Lado B da Europa, de Bernardo Pires de Lima (Tinta da China)
Que o Verão não seja desculpa para o nosso alheamento do que nos rodeia. O Lado B da Europa é esse mesmo impedimento. “Lado B” por duas razões: a) a primeira, porque é a visão do próprio autor (Bernardo), um dos maiores analistas e comentadores políticos da nossa praça; b) a segunda, porque é o retrato de um lado que nem sempre nos é dado a conhecer pelos meios de comunicação social sobre todas as capitais da União Europeia nesta viagem que o autor realizou durante 11 meses e onde pôde conversar com muitos dos importantes líderes (políticos e não só) desses países.
Artigo escrito por João Estróia Vieira e Miguel Fernandes Duarte.