GrETUA leva “Putos no Telhado” ao Teatro Aveirense. Uma peça sobre alheamento e crise existencial dos jovens
Estreia dia 9 de Maio, para uma apresentação apenas (para já) no Teatro Aveirense, Putos no Telhado, uma co-produção do GrETUA, da Associação Académica da Universidade de Aveiro (AAUAv) e do Teatro Aveirense.
A peça ilustra a breve vida de três jovens que, numa cidade que lhes é estrangeira, encontram o seu pequeno Mont Parnasse nos mais altos telhados da metrópole. Neste telhado, três putos – o Gaspar, o David e a Fred – experimentam a poesia, a música, a política e várias inquietações que os unem e desunem.
O telhado é um pesadelo de madeira e ferro, em construção nas instalações do GrETUA. Os putos – Gaspar, David e Fred – são, respectivamente, Iúri dos Santos, João Tarrafa e Catarina Bon de Sousa, os três intérpretes que pisarão as suas telhas no palco do Teatro Aveirense na segunda quinta-feira de Maio.
Um texto original de Bruno Dos Reis, a peça é uma encenação do próprio com assistência à encenação de Nuno Dos Reis e Teresa Queirós. Escrita em uma semana, montada em três, a peça é um trabalho parido em tempo recorde. Voltaire escreveu o Cândido em três dias, e isso impressiona-nos, mas não teve que conceber e construir uma cenografia – isto é, construir um telhado – e apresentá-lo a centenas de pessoas em poucas semanas.
A celeridade com que se montou este espectáculo constituiu um desafio acrescido para os actores – «o tempo que temos tido para a erguer é quase um recorde», refere Catarina. Iúri desenvolve: «não está a ser, de todo, um processo fácil e sem preocupações. Nenhum o é, mas este particularmente, por falta de tempo. Todo o meu trabalho está a ser um pouco diferente de tudo o que já fiz, com várias coisas para aprender, com muito texto para decorar e acabamos por ficar sem muito tempo para parar, respirar e pensar de facto nas coisas».
Iúri, de regresso ao GrETUA, depois de já ter feito parte dos elencos de Perguntem ao Porteiro e Peignoir, sente-se em casa: «…literalmente. É sempre bom voltar ao meu sofá preferido que tanto me destrói as costas. O GrETUA marcou o início da minha vida profissional e foi o espaço que me permitiu fazer os trabalhos de que mais me orgulho», conta o actor, que realça a importância do trabalho com o autor e encenador desta peça: «não posso falar do GrETUA sem falar do Bruno dos Reis, que fez parte do fim dos meus dias de aluno de interpretação, encenando, juntamente com o irmão, a minha prova de aptidão profissional (“Aquário”), e ensinando-me mais num espetáculo do que aquilo que aprendi em três anos de curso. A partir daí foi-me sendo permitido acompanhá-lo nos seus projetos e partilhar o espírito bastante peculiar da vida no GrETUA» – e com João Tarrafa (David): «tenho a sorte de poder finalmente contracenar com o João Tarrafa, um amigo de muitos anos. Venho a acompanhar o seu progresso desde os tempos da ACE (Academia Contemporânea do Espetáculo) e é um dos actores que mais admiro, que durante um processo anda a 200%, o que nos dá vontade, e até a necessidade, de dar mais».
Fazendo jus a estas palavras, João Tarrafa conta-nos acerca de um processo de preparação intenso que envolveu flexões e aulas de kickboxing: «No início do processo, quando só havia 7 ou 8 páginas de texto, uma das poucas características óbvias da minha personagem era a violência na forma de se relacionar com as outras pessoas e com as suas frustrações. Na minha vida pessoal, não estou habituado a exteriorizar tanto as minhas emoções, por isso comecei a procurar formas de chegar a esse tipo de processo mental através de processos físicos, como aulas de kickboxing, exercício físico, treino no saco de boxe, e uma mudança drástica de visual, no vestuário, cabelo e barba, que me possibilitaram também encontrar uma fisicalidade diferente da minha. Neste momento, em que o texto já está completo e tenho acesso a todo o desenvolvimento por que a personagem passa na peça, o mais importante agora para mim é o processo emocional e empático em relação a ela, algo não tão vistoso e memorável como o resto do processo mas mais importante ainda, na minha opinião». O desafio passou também por não deixar cair a personagem num lugar-comum e garantir-lhe autenticidade: «foi uma personagem que levantou algumas dificuldades – como disse, a violência com que a minha personagem se relaciona com a sua própria vida é um dos aspectos mais essenciais da sua personalidade. Seria muito fácil cair numa forma bacoca e monocórdica de expressar essa agressividade sem ter atenção às nuances que ela pode ter dependendo da situação. A minha maior dificuldade neste processo está a ser chegar ao entendimento dessas nuances e variações, uma vez que a raiva, a fúria, a cólera, pertencem a um espectro abrangente e estão sempre associadas a outros sentimentos».
Catarina Bon de Sousa, não sendo uma estreia, vem do último curso de formação teatral lecionado no GrETUA – esteve, portanto, em Carta Aberta aos Meus Papás – e aventura-se agora em águas mais profundas: «acho que esta peça é, a olhos vistos, um desafio muito maior que a anterior. Requer um tipo de imersão mais íntima por parte de quem está a trabalhar, quer no texto, quer nas próprias personagens». Catarina fala também da experiência de trabalho com Iúri dos Santos e João Tarrafa: «sinto como um voto de confiança ter a oportunidade de participar e dar parte de mim ao projeto. Confesso que no início, contracenar com o João e Iúri era uma ideia que me intimidava e me redobrava algumas inseguranças, pela experiência e talento de ambos. Na verdade, só acabou por me estimular ainda mais e subir a fasquia das expectativas e metas que devo atingir (a nível pessoal e interpessoal). Contracenar com actores mais experientes, aliás, contracenar com o João e o Iúri, dá-te uma bagagem brutal.»
Relativamente à Fred, Catarina encontra nela algumas semelhanças consigo própria: «Não julgo que tenha sido muito complicado conceber a Fred. Há muito dela que revejo na Catarina, às vezes talvez demais. Acho que não houve muitas barreiras na compreensão da história e comportamento da Fred à medida que a fui conhecendo. O verdadeiro desafio é por vezes saberes conciliar a relação actor-personagem com o devido distanciamento, como se te dividisses em três, e teres a capacidade de ser o teu próprio espectador. Há uma certa necessidade de também seres crítico em relação ao que estás a moldar».
O telhado junta os três jovens e a sua juventude é um dos temas da peça. Acerca dos jovens e questionado acerca do seu alheamento e da sua crise existencial, o autor, Bruno Dos Reis, revela uma visão algo desencantada: «acho que os jovens, os mais jovens, são profundamente estúpidos, profundamente idiotas, profundamente preguiçosos etc. Mas acho que talvez seja sempre assim, não é? Eu estou a chegar à idade em que posso falar deles com um certo distanciamento, mas também não acredito que esta crise, existindo, seja sua por inteiro. Acho que é uma crise que atravessa todas as adolescências, acho que é condição da adolescência». Quanto aos jovens de Putos no Telhado: «Os jovens que o espectáculo retrata são um pouco à margem, sim, mas não passam do desvio padrão».
Esta é a segunda vez que o GrETUA estreia uma peça na sala do municipal Teatro Aveirense. «Gostava de dizer que o que significa para o GrETUA é ainda não estar num Nacional. O GrETUA é muita gente com objectivos muito diferentes, perspectivas muito diferentes, inteligências muito diferentes e backgrounds muito diferentes. Acho que a instituição é mais a reunião possível de todas essas vontades e forças e visões, quando as há, mais isso do que uma ideia num pedestal lá colocada e imaginada não sei bem por quem» – diz Bruno Dos Reis, quando questionado acerca da importância deste passo para o GrETUA – «Na minha opinião, para essa ideia no pedestal de GrETUA, estar num municipal tem de ser um hábito, a consequência natural do seu trabalho. Para a AAUAv, um orgulho. Para a UA, um orgulho. Para a cidade, um pequeno luxo.». Este espectáculo é também, pela primeira vez, uma co-produção com a AAUAv: «A maior conquista do espectáculo, julgo, é a realização por parte de uma Associação Académica de que tem de apostar e investir na Cultura. Preocupa-me que se tenha chegado a essa conclusão mais pelos resultados que o GrETUA tem gerado do que pela validade do raciocínio, mas é uma porta que se abre para, pelo menos, podermos discutir o mérito da premissa. Julgo que a AAUAv sofre de muitas coisas e sobretudo de si própria mas julgo, ao mesmo tempo, que tem o coração no sítio e está a tentar ter a cabeça por inteiro no mesmo lugar, que é evidentemente o melhor sítio por onde se pode começar. Há um corpo de trabalho que, por mais cadáver esquisito que pareça, está a aparecer, pelo que só nos resta fazer figas, não é?».
Assim, dos esforços de um GrETUA já habituado a missões impossíveis, de um valioso apoio de uma Associação Académica comprometida com a cultura e de um Teatro Aveirense comprometido com a criação, surge esta Putos no Telhado, fruto de uma torrente criativa de três semanas intensas. Uma reflexão acerca da juventude na contemporaneidade, da sua angústia e das suas crises de identidade, a peça marca o tom certo para a celebração dos quarenta anos do GrETUA e da Associação Académica.
Para já, está agendada apenas uma apresentação – a banal expressão da publicidade «uma oportunidade única» é, desta vez, literal. A breve existência destes três jovens durará, assim, uma noite, a noite de dia 9 de Maio e é, por isso, uma presença inadiável.
Os bilhetes encontram-se à venda na bilheteira do Teatro Aveirense, Ticketline e podem ser levantados gratuitamente por todos os estudantes da Universidade de Aveiro na bilheteira do Teatro Aveirense.