Jorge Jesus, o puto do bairro no topo do mundo
Jorge Jesus tem o mundo aos pés, mas os seus amigos de sempre dizem que o que ele realmente deseja é regressar para Portugal.
No Rio de Janeiro levam-no aos melhores restaurantes, fazem-lhe pratos especiais, mas não há nenhum dia em que não pense em voltar a comer cabeça de garoupa.
Ontem o Maracanã gritou por ele vários minutos depois do jogo ter acabado. Mas Jesus só pensava em telefonar para a sua casa e ler as mensagens da malta da Amadora, dos bairros populares, dos ex-jogadores, dos presidentes dos clubes portugueses, dos colegas da sueca, dos fadistas, pintas de Lisboa e gente que com ele cresceu e continuou pela vida.
Jorge Jesus é milionário. Por muitos anos que viva não conseguirá gastar o dinheiro que já tem. Ah, mas a única coisa em que gasta dinheiro é em almoçaradas que paga todos os dias aos amigos em troca da sua presença.
Jorge Jesus foi ontem aplaudido na conferência de imprensa pelos jornalistas brasileiros, mas tem saudades dos portugueses, saudades das perguntas que lhe faziam e do que se riam por trocar os tempos verbais e o nome das coisas.
Jorge Jesus foi abraçado por centenas de pessoas. Desafiado para ser o treinador da seleção do Brasil, ameaçado de ficar no Rio para sempre nem que para isso tivessem de lhe fazer uma estátua. Só que ele, entre abraços e promessas de amor eterno, só pensava no seu pai, o grande Virgolino, que lamentavelmente não está cá para o ver ser o rei do mundo.
Jorge Jesus tem ouro e mirra, mas continua a ser o puto com olhos espertos que andava à bordoada na Reboleira. Mas sem perder uma ternura que o faz ser diferente de todos os outros.
Jorge é um personagem de romance. Se José Cardoso Pires fosse vivo seria o seu herói, o seu personagem predileto, o herói de uma Lisboa que morrerá com ele, o herói de um país que também morrerá com ele.
Jorge Jesus é um fadista que não canta o fado. Um pintor que não pinta. Um ator que não representa. Um escritor que não escreve. Um português que se recusa a ser cidadão do mundo por lhe bastar ser o puto do bairro que conseguiu sobreviver e ganhar sem que nada lhe tivesse sido dado de mão beijada.
Jorge Jesus é a pessoa que eu gostava de conhecer. Nem que para isso tivesse de comer cabeça de peixe com brócolos. E agradecia-lhe por ser quem é: arrogante, implacável, terno, filósofo, cómico, bairrista, mauzinho e português. Por ser simplesmente, Jorge Jesus. O maior.