“Marriage Story”, de Noah Baumbach: a procura da identidade
Ao contrário da maioria dos seus filmes, onde os temas são geralmente cómicos, com nuances dramáticas em pequenos detalhes, em “Marriage Story” Noah Baumbach faz o oposto e cria uma história dramática com pequenos detalhes cómicos.
“Marriage Story” conduz-nos pela vida de Charlie (Adam Driver) e Nicole (Scarlett Johansson), um casal em plena separação, com um filho em comum, Henry (Azhy Robertson). Ambos trabalham na companhia de teatro de Charlie em Nova Iorque, ele como encenador e ela como actriz, com um passado como actriz de cinema.
O grande conflito do filme é, à partida, a custodia da criança e a questão de “a que cidade pertence o casal”, Nova Iorque, onde viveram nos últimos 10 anos, ou Los Angeles, onde casaram, onde nasceu Henry e onde estará toda a família de Nicole. Mas o verdadeiro conflito deste filme é muito mais que isto. Na verdade o verdadeiro conflito está na questão de identidade, quem somos, o que queremos, até que ponto é que somos o que outra pessoa quer e não o que nós queremos. Essas questões de poder de decisão sobre a nossa vida, sobre as nossas escolhas, é o que o filme pretende essencialmente explorar.
É impossível não começar por referir a incrível fotografia de “Marriage Story”. Robbie Ryan (“The Favourite” ou “I, Daniel Blake”) tem aqui, mais uma vez, um trabalho fantástico, com um uso de cores bastante cuidado, tanto na forma como as conjuga, como na imagem meio granulada, efeito que encaixa na perfeição com a maioria das cores usadas no filme. O argumento é escrito pelo próprio Noah, algo que já vem sendo comum na maioria dos seus filmes.
O filme começa com Charlie e Nicole a lerem (off-story) uma descrição que escreveram um sobre o outro (momento que será importante no final), duas cartas que deveriam ser lidas no terapeuta matrimonial, mas que Nicole se recusa a ler. Nos momentos iniciais vemos os momentos felizes entre o casal, a forma como trabalham em conjunto e constroem o seu sucesso com a companhia de teatro. Tudo parece demasiado perfeito, o que nos leva a questionar qual a verdadeira razão desta separação. Embora o tema matrimonial seja comum a todos os filmes de Noah Baumbach, a forma como a relação é retratada em “Marriage Story” é completamente diferente de todas as outras. O conflito surge através da frustração das personagens e não tanto de momentos ou situações. Em diversos momentos somos confrontados com a dura realidade de que uma separação, por mais amigável que seja, é sempre dura e pode revelar outras partes da pessoa até ali desconhecíamos. Aliás, Noah explora bastante a questão da personalidade enquanto casal e enquanto seres individuais. Nicole é uma pessoa que decidiu abandonar uma possível carreira em Hollywood para seguir o seu amor e criar uma família em Nova Iorque. Cresceu com a companhia de teatro e isso fez com que ela crescesse, mas sempre sentiu que nunca foi reconhecida como tal e que sempre viveu na sombra do sucesso do marido. Esta pressão, muitas vezes questionada por Charlie, leva-nos a pensar qual o seu verdadeiro motivo. Será Nicole uma pessoa eternamente insatisfeita que apenas procura algo de novo de momento em momento? Ou terá sido mesmo a sua angustia criada por este sufoco artístico do marido? Nunca há uma verdadeira resposta para isto, mas também não precisamos dela.
Após aceitar um trabalho para TV em Los Angeles, onde Nicole sempre quis viver, esta decide contratar uma advogada (excelente papel de Laura Dern) e divorciar-se. Charlie, surpreendido por esta decisão, viaja para Los Angeles diversas vezes de forma a estar mais perto do filho e lutar pela sua custódia, contratando também um advogado (Ray Liotta). O confronto entre ambos começa a escalar a partir do momento em que os advogados começam a intervir. Charlie não acredita que Nicole, a pessoa sensata que sempre conheceu, esteja a decidir por ela mesma. Nicole confronta Charlie com todas as frustrações que sente. Esta luta culmina num dos momentos mais incríveis do cinema nos últimos anos, um momento de brilhantismo para Scarlett Johansson e principalmente Adam Driver, nomeadamente uma cena no apartamento deste último.
Adam Driver é um dos actores em maior ascensão nos últimos anos, embora esteja terrível nos novos Star Wars (definitivamente por culpa de outros), está excelente em Paterson, Inside Lewyn Davis e BlacKkKlansman, mas o nível que atinge neste “Marriage Story” é sem dúvida o ponto alto da sua carreira até ao momento. O trabalho brilhante de Scarllet Johansson já não é surpresa para ninguém, mas mais uma vez mais comprova aqui toda a sua arte.
“Marriage Story” é uma história dura sobre o processo de separação, sobre um pai que só quer estar com o seu filho e ter a sua familia de volta, mas também sobre compreensão, que é no fundo o que a personagem Scarlett tem, deixando no final Charlie passar mais tempo com o seu filho. Ao contrário da maioria dos filmes sobre o tema, aqui o drama atinge uma proporção muito real, oscilando entre o confronto e a compreensão, a amizade e a rebeldia. Independentemente de qualquer situação existe uma criança que tem que usufruir do seu tempo nesta jornada da vida com ambos os pais. Noah Baumbach atinge também um nível bastante elevado, construindo aqui uma bela filmografia, sendo que “Marriage Story” tem os habituais toques cómicos do realizador, aqui de forma mais subtil, mas mesmo assim capazes de nos fazer sorrir no meio da tempestade.