Onde pôr esta banana? Um texto sobre a falta de vergonha
O artista italiano Maurizio Cattelan vendeu na semana passada, na Feira de Arte de Miami Beach, uma banana colada a uma parede com fita adesiva cinzenta. O mundo pasmou-se com o preço: 108 mil euros.
Segundo a galeria que representa Cattelan, a parisiense Perrotin, a obra “Comedian” é uma crítica ao capitalismo. Cito: “As bananas são um símbolo do comércio global, têm um duplo sentido, além de serem um objeto clássico de humor”.
Cattelan não é um artista qualquer. Em setembro, uma outra obra sua foi roubada de um palácio em Inglaterra. Não sei detalhes, mas os poucos pormenores chegam-me: a obra era uma sanita em ouro de 18 quilates (uma crítica a Trump) e que custou a quem a comprou quase seis milhões de euros.
Sou sensível a todas as formas de criatividade, questionamento, procura. Estabelecer fronteiras para a arte será sempre uma forma de destruir o seu valor, de a corromper na sua essência.
Posto isto…
… é indecoroso e grotesco o episódio da banana. Pagar mais de 100 mil euros por uma banana que, além do mais, nesta altura já estará decomposta (se não foi comida), é humilhar bastante mais de metade da população mundial que não ganhará esse valor em toda uma vida de trabalho honesto.
… da mesma maneira que é indecoroso e grotesco o comércio à volta das artes plásticas, o valor de determinados autores, a especulação, a lavagem de dinheiro de muitos do que compram, da extravagância que transforma o exercício da criação num tráfico mercantil.
… a maioria dos grandes pintores e escultores portugueses vive numa quase penúria – vem-me à cabeça o extraordinário Cruzeiro Seixas –, e arrisco dizer a maioria dos pintores um pouco por todo o lado vive de expedientes (como os escritores, atores ou realizadores de cinema), mas existem também os que enriqueceram à conta de um tempo que é o mais pornográfico para os artistas. Uns pelo inegável talento, outros por terem caído no goto de gente influente ou da moda, aceitaram saltar à corda neste pátio de malucos onde, em troca de bananas coladas com fita adesiva cinzenta, jorra dinheiro, ouro e mirra num bezerro que não para de crescer.
… poderia ser de outra maneira? Não podia, infelizmente. Como Cattelan eu guardaria os 108 mil euros e pagaria aos meus amigos um jantar a gozar com o atrasado mental que comprou a banana mais o adesivo. Mas à noite, antes de adormecer, perguntar-me-ia se o dinheiro não teria sido um pagamento pela minha alma.