Quarentena. Estado de Idiocracy
Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.
Hoje é um daqueles dias em que não sei bem por onde começar ou sequer o que dizer. Estamos a viver tempos estranhos, daqueles que estou mais habituado a ver em filmes ou a profetizar em exagero cómico nas conversas que os meus amigos já estão fartos que tenha. Tempos em que temos de mudar comportamentos que estão enraizados na nossa própria cultura, em que os sentimentos estão todos à flor da pele, em que as fragilidades do nosso sistema económico e político ficam expostas e em que as alianças e a responsabilidade são mais importantes do que nunca. E são em tempos como estes que as lideranças fortes são essenciais para nos darem respostas, mas quando um gajo olha e vê gente como o Trump ou o Bolsonaro à frente de nações percebe que a única pergunta que pode fazer é “como raio é que chegámos aqui?”. E o pior é que nem a essa eles conseguem responder.
Ter o mundo a passar por uma crise pandémica e ter à frente de 2 países com largos milhões de habitantes um tipo que mais parece um vilão do Batman do Adam West e outro que é uma personagem cortada do primeiro draft do “Dumb and Dumber” por acharem que era exageradamente pateta é coisa que transmite a mesma segurança que aqueles coletes insufláveis com apito que nos mostram antes do avião descolar e que nos tentam convencer que vão ser muito úteis quando batermos de frente contra uma montanha de pedra.
É que se é verdade que todos os países estão a passar mal, os EUA e o Brasil correm o sério risco de bater recordes no que toca a contagio e mortalidade. Aliás, basta ver os números dos EUA. Mais de 120 mil infectados à altura que escrevo isto. E 120 mil nem sequer é um número aproximado do real, pois há milhões de habitantes com sintomas que não são testados ou têm cuidados médicos por não terem seguro de saúde, como o rapaz de 17 anos a que negaram tratamento e acabou por falecer. Já no Brasil nem sequer há bem números, há algarismos atirados ao ar porque ao presidente do mesmo não interessa a verdade, mas sim manter as coisas como estão.
Ouvir, então, as declarações do Bolsonaro sobre o COVID-19 é algo surreal, digno de um “Idiocracy 2” feito com baixo orçamento. Um presidente dizer coisas como “isto é um gripezinha”, “o brasileiro tem de ser estudado, ele não pega nada. Um sujeito pula num esgoto e sai mergulhando e não acontece nada” ou “o grupo de risco é acima dos 60 anos, então para quê fechar escolas?” devia ser mais do que suficiente para um processo de destituição. E também para um de internamento compulsivo numa ala psiquiátrica.
Mas se as declarações do Bolsonaro são completamente irresponsáveis e patéticas, as do Trump não lhe ficam atrás. Quando todos os dias vemos os números de infectados a subir vertiginosamente e gente que gritava aos sete ventos que isto do corona é apenas uma “histeria colectiva” a morrer com o vírus, como aquele pastor da Carolina do Norte, e depois ouvimos este Carrot Top com problemas de tiróide a dizer que “quero ter o país aberto na páscoa. A páscoa vai ser o dia da ressurreição dos EUA” ou que “morre muita gente de acidente de carro e também não os proibimos” e ainda a ser aplaudido de pé só podemos pensar que isto da humanidade é como aquelas casas de emigrante: um projecto que ficou muito bonito no papel, mas construída por dois cunhados sem estudos e aos fins de semana.
No meio desta estupidez toda, resta-nos a alegria de saber que, pelo menos por cá, as coisas são diferentes e que a estupidez dos líderes destes dois países não tem réplica neste nosso cantinho à beira mar plantado, como provam as filas na ponte 25 de Abril sempre que, como hoje, aparecem 2 raios de sol no céu. É que somos todos muito espertos e conscientes, mas só quando chove.
E aqui ficam as sugestões do dia.
Comédia:
Eddie Izzard – Dressed to Kill
Música:
Slimmy – Beatsound Loverboy
Cinema:
Mat Whitecross – Supersonic
Literatura:
Charles Bukowski – Notas De Um Velho Nojento