Entrevista. Grutera: “Com a pandemia o Governo tem sido uma completa nulidade na cultura”
“Um sofá Uma história” é uma conversa informal entre o diretor artístico do CLAV-Centro e Laboratório Artístico de Vermil com os convidados das CLAV LIVE SESSION sobre as suas carreiras, processos de criação, arte, cultura, opiniões sociais e outros temas da sociedade, ou seja, dar a conhecer ao público um pouco mais o “ser” que esta por detrás do artista. Alberto Fernandes convida Grutera, nascido a 3 de julho de 1991 numa qualquer clínica desse país, Guilherme Efe apresenta-se ao mundo todo nu, careca, sem dentes e cheio de sangue da barriga de sua mãe. Na altura ainda não sabia tocar guitarra, porque não tinha unhas, mas provavelmente já sabia que era isso que faria o resto da sua vida, ainda que paralelamente tivesse qualquer outra atividade, mais ou menos lícita, mais ou menos nobre, com que fizesse mais ou menos dinheiro. Começa a tocar em bandas de metal, mas o headbang faz-lhe dores de pescoço. Descobre que tocar guitarra clássica, à sua maneira, pouco ortodoxa, é a coisa mais simples e fácil que já alguma vez aprendeu a fazer. Fazer música com ela também. Assim, escolhe esse caminho para alcançar a fama, riqueza e sucesso. Ou só fazer música que o emocione e que melhore alguns minutos da vida de alguém que a ouça.
Alberto Fernandes – Guilherme, bem-vindo a “Um sofá, uma história”, em primeiro lugar agradeço-te a tua vinda aqui ao Clav e a tua participação nas Clav Live Sessions. Para começarmos, Grutera, o que é o Grutera?
Guilherme Ef – Boa noite, obrigado pelo convite! Grutera, basicamente é um tipo a tentar dizer coisas com uma guitarra que não consegue dizer de outra forma, é um processo de catarse, é uma necessidade, é uma forma de comunicar, de me expressar, de canalizar algumas coisas que eu não consigo canalizar de outra forma e a guitarra é, neste caso, é mesmo um instrumento de catarse para mim. O nome Grutera não tem nenhuma razão em especial, foi uma palavra que eu inventei, na altura até para uma banda de metal quando ainda tocava metal em bandas de amigos meus, nunca foi escolhida e quando surgiu este projeto de guitarra a solo, não quis associar o meu nome próprio porque já estava ligado a outros projetos que não tinham nada a ver com este género, e então achei que utilizar a palavra para descrever aquilo que era uma coisa muito única para mim, fazia sentido porque é uma palavra inventada, não tem outro significado pelo menos que eu saiba que não seja isto.
AF- Hoje saiu o teu novo disco que é o “Aconteceu”, já é o quarto disco. Diz-me lá como foi todo o processo de criação artística deste trabalho?
GE – Pois, o “Aconteceu” é o quarto disco, os outros três foram três discos que eu fiz em 4/5 anos, foram assim uns a seguir aos outros porque também estava a tocar muito ao vivo, estava a fazer a tempo inteiro isto, tocar música e de fazer música, e tinha muitas ideias, estava sempre a tocar e portanto, naturalmente, foram saindo uns discos atrás dos outros. O primeiro “Palavras Gastas” gravado em estúdio, o segundo “O Passado Volta Sempre” no mosteiro de Cós em Alcobaça e o terceiro disco o “Sur Lie” foi gravado no túnel das Barricas de Esporão. Quando estava a apresentar o “Sur Lie” achei que não estava a ter tempo suficiente para continuar a compor, que é a principal razão por eu tocar guitarra. Não é tocar por tocar, é mesmo fazer música. Para mim é terapêutico fazer música e como não estava a conseguir conciliar a minha vida profissional fora da música, compor e tocar ao vivo, optei por deixar de parte o tocar ao vivo e utilizar estes anos para compor a um ritmo mais lento, porque também as horas para tocar guitarra são menos do que as que tinha antes, e o processo de composição foi muito tranquilo, nunca pensei quando é que teria de sair o disco, nem sequer pensei se iria ter de fazer um disco novo ou não, ou se ia ficar pelo terceiro. Mas, tal como os outros discos, quando começo a compor é tudo um processo continuo, as musicas vêm umas atrás das outras, já vêm com um alinhamento que para mim faz sentido, por isso é que o alinhamento do disco é o alinhamento cronológico da composição do disco, ou seja, a primeira música foi o primeiro tema que eu compus e a ultima musica foi o ultimo tema que eu também compus. E é muito natural, não é uma coisa pensada, não sou uma pessoa de pegar na guitarra propositadamente para tocar. Acontece ter uma necessidade de tocar guitarra e ter uma necessidade de compor, de fazer música, de me expressar através dela, e fazer estes discos todos têm sido consequência disso. Nunca foi um processo planeado, na verdade.
AF – Como é que tu defines a pessoa que está por de trás, ou seja, o ser humano que está por de trás do Grutera?
GE- Essa pergunta é difícil! Sou uma pessoa normalíssima, igual a qualquer um de vós, dos meus amigos, quer façam música ou não. Sou uma pessoa muito extrovertida, ou dou a ideia que sou uma pessoa muito extrovertida, mas depois existe uma parte que de facto só é canalizada na música, e é para isso que ela serve e que é terapêutica para mim. Mas sou uma pessoa normal, tenho uma vida normal. Estudei, tenho um trabalho dito normal fora da música e gosto do que faço e a música também é uma coisa que eu gosto e quero manter na minha vida ativa durante muitos anos. Mas sou uma pessoa tranquila, normal, levo uma vida pacata, gosto de surfar, gosto de estar com os amigos, gosto de fazer música, gosto de tocar ao vivo, gosto de conhecer pessoas quando vou aos sítios, mas não acho que tenha aquele rotulo de artista sabes?! Não me sito dessa forma. Acho que sou uma pessoa perfeitamente normal que tem por gosto, por hobby e por necessidade também fazer música. É isso que me trás aqui quase acidentalmente.
AF – Quando é que nasceu em ti esta vontade pela música ou pelas artes?
GE – Olha eu, para te ser muito honesto, quando era muito novo, até para aí aos 14 anos não gostava de música, não conseguia ouvir a música que dava na rádio, que dava na televisão, na MTV, no Soul Music, na altura, tinha péssimas notas a educação musical, sempre tive boas notas às restantes disciplinas e a educação musical tinha 3 e não tinha 2 porque a professora era mãe de um amigo meu e tinha vergonha de me dar pior nota e a minha mãe era professora lá na escola também. Não sei formação musical, já tentei ter duas vezes aulas de guitarra e correu sempre mal, desisti sempre ao fim de um mês dois meses, portanto, tocar guitarra para mim é uma coisa assim meia descontrolada, meia caótica porque é de ouvido e eu toco com as mãos, não sei se toco com as mãos ou com a cabeça. As coisas saem. Dos discos antigos, eu esqueço-me das músicas, depois não sei como lá voltar. É assim um processo meio caótico, as coisas saem de mim e para mim a necessidade de gravar até é para que elas não se esqueçam e fiquem. Portanto a minha relação com a música foi sempre assim meia turbulenta, ainda hoje é em termos técnicos e de formação musical, mas no passado foi assim meia turbulenta, ou seja, nunca foi uma decisão de eu quero tocar música e eu adoro música e vou fazer música para o resto da vida. Nunca foi assim. Aconteceu naturalmente ter amigos que ouviam outros estilos de música, me mostraram outros estilos de música, que não era tão comum de conseguir ter acesso na televisão ou nas rádios, música mais pesada nomeadamente. E eu comecei a ganhar interesse e curiosidade em saber como é que eles faziam aquilo. E a guitarra é o instrumento mais imediato, não é?! Porque soa-te logo, as melodias da guitarra soam logo numa música, principalmente se for uma música de uma banda mais pesada, nomeadamente metal ou hard rock. E foi assim, quis saber como é que eles faziam aquilo, comprei logo uma guitarra elétrica, não passei pela guitarra clássica e comecei a tocar guitarra elétrica e foi assim que começou. Com a curiosidade de saber como é que as outras bandas faziam aquilo. Havia ali um misticismo que eu queria descobrir como é que se fazia.
AF- Neste momento vivemos uma situação muito complexa para as questões artísticas não só em Portugal, mas também no resto do mundo. Como é que tem sido para ti este momento e como tens passado estes meses?
GE – Felizmente como tenho outro trabalho permite-me estar mais tranquilo em relação a isso. Ainda assim, a Grutera não sou só eu, existem outras pessoas que das quais, não dependem unicamente de mim porque têm outros artistas mas é preciso que façamos coisas, principalmente ao vivo para terem rendimento e a minha preocupação até é mais com essa pequena equipa que faz parte do Grutera, que sim, que depende única e exclusivamente, ou quase, de artistas e do que eles fazem. Eu acho, que independentemente do que aconteça, daqui para a frente em termos de número de casos ou o que quer que seja, as pessoas vão querer sair de casa, vão ter necessidade disso e nós vamos ter que nos habituar a viver com a doença. Vamos ter de assumir que a nova normalidade é esta e não sabemos se vai durar 2, 3, 4 anos, 1 ano, não fazemos ideia, ou se é para sempre, mas nada disto pode acabar porque isto faz parte das nossas vivencias. Não faz sentido a vida sem música, sem arte, sem qualquer tipo de expressão cultural porque isso é basilar na nossa identidade enquanto seres humanos, senão somos só animais. Portanto, eu acho que as coisas vão voltar a um novo normal. Por onde é que vai passar? Eu acho que vai passar por ter concertos e espetáculos mais limitados, com menos pessoas, vamos ter de fazer mais concertos, se calhar os acessos vão ser mais exclusivos, portanto os preços também pode ser que tenham de aumentar para, em alguns casos, para alguns espetáculos. Os artistas que antigamente se calhar enchiam um coliseu agora tem de fazer 4 ou 5 datas para poderem testar para o mesmo número de pessoas. Mas acho que tudo se vai fazer e a verdade é que se existem 10 ou 5 % dos artistas em Portugal que esgotam salas os outros 90 ou 95 % já não esgotavam antes por isso para eles não vai ser um problema. Eu se tocar numa sala de media dimensão e tiver um terço da sala cheia de gente já era um bom concerto, portanto isso em nada difere para os artistas da minha dimensão. Por isso sendo realista e até um bocadinho paradigmático até relativamente a isso acho que isso é um problema maior para artistas que faziam concertos em grade escala acho que os artistas que faziam concertos mais intimistas e que tocavam para 50 ou 100 pessoas em sala de 200 não vai ser um problema. Acho que as pessoas só têm de assumir que isso vai acontecer.
AF- Isso pode ser um indicativo que tem de haver uma mudança no conceito e se calhar mais do que isso, a descentralização cultural para outros polos, para pequenos polos! Achas que isso poderá se uma das soluções?
GE- Sim, acho que essa é a solução, acho que passa essencialmente por isso. Destes anos todos que tenho tocado e tenho feito muita estrada em Portugal o que não faltam, felizmente, são associações culturais onde as pessoas realmente se interessam pelo que estão a fazer. Fazem espetáculos de menor dimensão mas, como te estava a dizer, para a minha realidade é a dimensão certa, para a minha realidade, e já tem as infraestruturas, já tem os espaços, já tem património e passa só por descentralizar os concertos que estavam sempre nas grandes cidades, os grandes e começar a espalha-los pelo pais, e aí vais ter necessariamente menos pessoas de cada vez a ver os espetáculos. Passa por isso, passa por tu não poderes ter um pensamento tao megalómano e com uma escalabilidade brutal para conseguires no fundo ter mais rentabilidade e começares a fazer as coisas o maior número de vezes com menor dimensão.
AF – Como é que vês o papel do estado neste processo? Agora queria que falasses enquanto economista.
GE- Bom, acho que no geral o governo português tem feito um excelente trabalho em tratar o tema sanitário e isso vesse pela evolução dos casos e pelo controlo que nós tivemos face a outros países mesmo dentro da europa. A nível cultural, tanto quanto sei, tem sido uma completa nulidade. Não só tem sido uma nulidade como as medidas que foram apresentadas, que eu tenho conhecimento, refletem que as pessoas que as tiveram, pelo menos as primeiras, não fazem a mínima ideia do que é o espetáculo em Portugal. Mais uma vez, voltam a olhar para os 5 ou 10 % de artistas que neste caso até são os menos afetados porque estão associados a marcas ou tem outras condições e têm outras fontes de rendimento que não passam só por espetáculos ao vivo. Eu acho que é reflexo de um governo que, não é só deste, já vem de à muitos anos, que no que diz respeito à cultura nunca se preocupou em ter pessoas realmente das artes e que estiveram no terreno para depois tomarem as medidas que têm de se tomar e tomarem as decisões que têm de se tomar. Felizmente tanto quanto sei acho que ultimamente tem se reunido com pessoas que estão mais por dento da cena musical e de espéculos em Portugal e que estão no terreno e que sabem de facto o que são os artistas, o que são os técnicos de espetáculo, os camara mans, as pessoas das luzes, os produtores… Que sabem de facto o que é que é isso e que já começam a tentar encontrar soluções que sejam universais, que sejam para todos. Mas de facto o que nós vimos, para quem está de fora, se calhar até parecem medidas que façam algum sentido, mas para quem esta do lado de cá é uma perfeita falta de noção aquilo que foi proposto inicialmente pelo ministério da cultura.
AF- Fala-me um bocadinho do futuro, ou seja, o Grutera neste caso, o que é que temos pela frente? Como é que estás a gerir a tua carreira nos próximos tempos?
GE – As minhas espectativas são, agora que o disco saia, promovê-lo, tocar onde for possível tocar para as pessoas que quiserem ouvir o disco. Espero que no próximo ano já se possam fazer os festivais de verão ainda que sejam mais pequenos porque são os sítios onde gosto mais de tocar, porque antes de ser musico sou fã de música e gosto de ir a festivais e de dar concertos onde há mais músicos a tocar para os ver a tocar também, espero continuar a poder fazer os meus concertos. Os concertos que eu fazia antes são sempre concertos muito intimistas, em pequenas salas de teatro, em museus, em festivais de pequena e média dimensão e acho que o covid não nos está a influenciar assim tanto. Claro que nós tivemos medo cancelamos tudo neste ano, mas acho que no próximo ano isso vai tudo voltar a acontecer. O que eu gosto de fazer é música e depois apresentá-la às pessoas, portanto eu acho que é uma coisa assim muito simples de se fazer quando comparada com um a banda grande ou com uma coisa que tenha e seja preciso uma logística diferente. Portanto, acho que vai ser perfeitamente exequível fazer isto nos próximos meses deste ano e no próximo ano.
AF- Queres deixar aqui uma mensagem para quem nos está a ouvir e a ver?
GE- Sim. Quero agradecer desde já o convite para ter feito o show case eu fiz aqui à pouco e esta conversa e todo o convívio que nós tivemos. Quero agradecer mesmo sinceramente a todas as associações, todos os programadores culturais, que depois de ser possível começar a fazer eventos culturais, não me deitaram os braços ao chão e voltaram a ter as iniciativas de voltar a programar, de voltar a trazer cultura às pessoas porque eles são os motores da nossa cultura em Portugal e são eles que também fazem os músicos poderem continuar a fazer aquilo que gostam de fazer. Por isso, um grande bem-haja a todos e espero que nos próximos meses os veja pelas mais diferentes cidades que existem por este país fora e que tem imensa gente válida a fazer coisas pela cultura e pela arte em Portugal.
Alberto Fernandes – Da nossa parte, eu costumo acabar sempre esta pequena conversa, uma conversa como eu costumo dizer entre pares. Obrigado por teres vindo e sempre que precisares e a gente poder, cá estaremos para te receber e ajudar naquilo que for possível.