Entrevista. “Miramar”, de Frankie Chavez e Peixe: um disco ainda com muita estrada para percorrer
Os Miramar são Peixe e Frankie Chavez, conhecidos por uma infinidade de projectos individuais e colectivos, e apresentaram em 2019 o disco com o mesmo nome do projecto. Miramar é um dos discos que marcaram 2019, presente em quase todas as listas de melhores do ano e no qual se pode ouvir o tema “Guitarras”, distinguido com o prémio de melhor tema de música popular da Sociedade Portuguesa de Autores.
Os Miramar voltam agora à estrada para apanhar o fio à meada dos concertos que foram cancelados devido à pandemia e para deixarem o seu Miramar, o disco, percorrer as estradas. É com este mote que no sábado, dia 24 de Outubro, subirão ao palco do Auditório de Espinho, para apresentar a multitude de sons que construíram e vão construindo em conjunto. Foi neste contexto que falámos com os dois elementos da banda e que se pode ler aqui:
Como se deu a união entre o Peixe e o Frankie Chávez?
Frankie Chavez (FC): Começou porque o Peixe foi convidado para um festival que se chama Guitarras ao Alto, em 2017. Este festival consiste num guitarrista que é convidado e que, por sua vez, convida outro parceiro para tocar com ele e o Peixe convidou-me. O festival consiste em 3 ou 4 concertos em cidades do Alentejo e nós preparámos o reportório em Miramar, onde ele tem uma casa. Quando percebemos que estávamos a gostar bastante do que estávamos a preparar, pensámos que era engraçado registarmos e gravarmos aqueles temas. Muitos temas, ou a totalidade dos temas, eram temas que eram meus ou eram dele, alguns deles até já tinham sido editados, mas nós fizemos um rearranjo para essas músicas e na minha opinião as músicas ganharam muito mais com isso.
Porquê o nome Miramar? Podia ter sido Frankie Chavez e Peixe, ou vice-versa?
FC: O nome veio por termos preparado o disco em Miramar, mas não foi uma coisa imediata. Aconteceu já um ano depois, quando começámos a pensar que nome havíamos de dar a este projeto e surgiu Miramar, que nós gostamos bastante porque nos lembra a nossa primeira abordagem. Apesar de os nomes estarem lá, porque aparecem os nossos nomes, para fazer alusão a quem são os Miramar, preferimos dar uma identidade própria este trabalho.
O que me dá aparecer a ouvir o disco é que Miramar é como se fosse uma terceira entidade.
FC: Sim, falando das minhas músicas, os meus temas ganharam bastante com a inclusão do Peixe. Havia muita coisa instrumental e quando o Peixe colocou a abordagem dele, acho que passou talvez para uma identidade diferente e maior. Acho que Miramar tem mais uma identidade independente, mais do que a junção das duas partes.
As projecções que acompanham os temas nos vossos concertos fazem com que a vossa música tenha uma dimensão diferente. A componente visual é mais um elemento para a vossa música?
FC: Nos nossos primeiros concertos nós não tínhamos ainda a ideia das imagens. O primeiro concerto em que tivemos imagens foi no aniversário do Hard Club, no Porto, em que quisemos preparar um concerto especial por ser para o aniversário. Então convidámos o André Tentúgal para fazer umas imagens para o concerto. Foi uma coisa muito improvisada, as imagens foram preparadas de um dia para o outro, mas achámos muita graça e achamos que seria uma boa inclusão no projeto. E por alguma incompatibilidade de horários e de agenda do André, ele não pode continuar com os vídeos e então convidámos o Jorge Quintela para preparar esse rolo de imagens, e ele, muito profissionalmente, para um concerto que demos em Ílhavo, preparou um vídeo para cada música. Preparámos aquilo para ser uma experiência, mas nós gostamos tanto e pensamos que sempre que Miramar tocasse, o vídeo tinha de estar presente. Ele facilitou-nos um bocadinho o trabalho porque fez um vídeo para cada música, neste momento sempre que tocamos o Nazaré ou a Canção muda, é sempre o mesmo filme que acompanha. É quase como o terceiro elemento e nós não estamos a pensar por agora dissociar uma coisa da outra. É quase um filme musical ou umas imagens a acompanhar um concerto. Ainda não percebemos muito bem o que é, mas gostamos bastante do resultado.
No final do concerto (de Carnaxide), tivemos uma cover que me pareceu ser de Conan Osíris, mas houve um certo mistério em relação à mesma…
FC: A primeira vez que tocámos essa música foi num concerto de apresentação do disco. Nós gostamos bastante do trabalho do Conan Osíris, tanto eu como o Peixe. Uma vez, num soundcheck numa redacção de um jornal no Porto, começámos a tocar essa música na brincadeira e a reação das pessoas foi muito engraçada, porque estavam sentadas, a trabalhar, e estavam a dançar ao som da música. Começámos a tocar na brincadeira nos ensaios e pensamos então tocá-la nos concertos de apresentação como encore. O encore anda sempre à volta dessa música e de outra.
Que também é mistério?
FC: Também é mistério, sim. Essa [do Conan Osíris) tocamos quase sempre porque é uma música super alegre, como a melodia incrível, nós temos uma satisfação muito grande em tocar aquela música. É alegre, tem uma melodia bonita e inesperada, até para nós é um bocadinho inesperada.
E já pensaram em fazer covers de projectos um do outro?
FC: Não, isso aconteceu naturalmente, porque como disse há pouco, temos músicas que já foram regravadas por nós. O Peixe tem uma música que é o “Despassarado” que está no segundo disco dele, e que nós regravamos comigo a tocar.
E já pensaram, por exemplo, fazer uma cover de Ornatos?
Peixe (P): Não, nunca nos passou pela cabeça tal coisa. [risos] Acho que é mais engraçado pegarmos numa coisa que é completamente exterior ao que já fizemos.
Ganharam há algumas semanas prémio da SPA para melhor música popular. A sensação é um pouco agridoce, tendo em consideração que é uma distinção bonita, mas tendo também em consideração a situação vivida atualmente não há grandes apoios para a cultura?
P: Por um lado ficamos contentes, como é óbvio, porque é um prémio e um reconhecimento num primeiro disco, o que eu acho que é muito bom. Por outro lado, é um ano fora do normal, não houve sequer uma gala de entrega de prémios que seria transmitida pela RTP2, o que acaba por ser também uma forma de projecção. Foram uns prémios muito discretos. Mas também acaba por ser irónico sermos distinguidos com prémio da Sociedade Portuguesa de Autores no ano em que em que os autores e os artistas, de uma forma geral, estão a passar um mau bocado. Apesar de tudo, eu e o Frankie conseguimos neste último trimestre voltar à estrada e fazer grande parte dos concertos que foram cancelados durante a Primavera e Verão, que é o caso do concerto que vamos fazer em Espinho. Mas temos colegas que estão completamente parados, sobretudo os técnicos e todas as pessoas que trabalham na área da cultura estão a passar momentos de grande dificuldade e é muito preocupante. Estamos muito apreensivos com o que pode acontecer.
Apresentaram nos últimos concertos duas músicas novas, apesar de morarem longe um do outro…
P: Sim, fizemos uma sessão em Miramar já este ano e apontar já para o novo disco de originais. Como vivemos a 315 quilómetros um do outro, não podemos trabalhar regularmente. E sempre que estamos juntos trocamos ideias e fazemos coisas e já temos um disco novo na forja. Devido aos cancelamentos dos festivais de Verão, fizemos dois streamings para o Guitarras ao Alto, onde começámos, e fizemos um outro para o Festival Maré de Agosto, em Santa Maria, nos Açores.
Em Janeiro foram à Holanda a um festival a Gröningen, qual foi a repercussão?
P: Estivemos a fazer um conteúdo para o Festival Eurosonic para o próximo ano porque este ano todos os concertos e contactos que resultaram desse festival acabaram por não dar em nada. Como foi tudo cancelado, o próprio festival convidou-nos para fazer uma nova apresentação com imagens dos nossos concertos e entrevistas para serem reapresentadas no Festival.
No próximo ano teremos novo álbum de Miramar para apresentar?
P: Não sei se sairá no próximo ano, porque com esta coisa da Covid a promoção do nosso álbum começou basicamente neste último trimestre deste ano. Fizemos alguns concertos no ano passado em alguns festivais, mas este ano seria o ano em que iríamos mais para a estrada, mas como tudo foi cancelado, os timings programados também foram todos um pouco atrasados, de forma que o disco está muito próximo de estar concluído, mas sentimos que este nosso primeiro disco que ainda tem pernas para andar, ainda tem espaço para percorrer a estrada, ir a sítios onde ainda não foi.