Na prática, a teoria é outra
Deixemos de intelectos e arrogâncias por um instante. Todos nós falamos melhor que as nossas atitudes, não o digo baseado em estáticas ou verdades científicas, mas com a humildade de quem pratica tal comportamento também, e o vê todos os dias nos outros. É acessível construir umas frases estilo Fernando Pessoa, um pouco de amargura e sensibilidade adjacentes a algum conhecimento de língua portuguesa e uma pitada de sinónimos caros. Mas será suposto que ser-se feliz seja fácil? Sou da opinião que a felicidade deve ser simples, isso não significa descomplicado. Vende-se cada vez mais uma sina ergonómica, um futuro que se ajeite às nossas necessidades e conforto a enfeitar as memórias. Depositamos demasiada responsabilidade ao azar quando tropeçamos nas adversidades, é nos angustiante enxergar a mea-culpa do fado que cantamos.
Pregamos a moral que não nos cabe, tendemos a projetar o melhor de nós nas palavras, exageramos sempre um bocado na saturação de cores e acrescenta-se sempre uma hora ao trânsito. Devíamos deixar de exigir tanto dos outros, como se a Humanidade se tratasse de um código binário. A sociedade percorre uma retórica de padrões, hábitos e rotinas, vaiando quem não é quadrado e não se encaixa em retas, mas balança por entre curvas e ângulos. Somos seres orgânicos e os mais frágeis desta selva. Que fogem da chuva, abrigam-se do frio e protegem-se do Sol. Precisamos de mais coragem para ter medo, abraçar o instinto mais básico do Ser Humano, a sobrevivência. É dela que nascem grande parte das nossas escolhas, ações ou reações.
Teoricamente criámos um exagero de guerras, regras e fronteiras, para defender pedaços de terra que nunca foram e nunca serão de nenhum de nós. Citando uma antiga profecia Indígena “O Homem pertence à Terra, a Terra não lhe pertence”. Escrevemos e ensinamos uma História escrita apenas por vencedores, globalizamos o “Sonho Americano” capitalizando a nossa consciência a comprar a ideia de que a felicidade é um bem, um lucro, uma classe social, profissão ou até um elogio.
Na prática, somos convidados deste Universo, somos o resultado de explosões de energia, do vínculo de átomos e células, da harmonização dos 4 elementos da Natureza e da fúria dos mesmos. Todos de carne, osso, veias e pele. Não existe primeiro sem segundo nem luz sem escuridão.
Encontrei-me com esta ideia quando pensava em algo que tinha aconselhado a alguém de um jeito positivo e firme, quando na verdade eu tinha agido de forma oposta no passado, numa situação idêntica. Não me julguei, de certa forma ainda bem que podemos sempre ponderar quando sugerimos aos outros, obtendo resultados mais saudáveis emocionalmente. Não vejo mal nenhum em vender às vezes teorias do abacate e da granola mas agir como um chocolate cheio de açúcar comigo mesmo. Mau é normalizar-mos a maldade, camuflando-a injustamente e erradamente com as verdadeiras doenças do foro psicológico. Quando a nossa atitude ou o nosso discurso prejudica o próximo.
Correntes moralistas não fazem crescer ninguém, ser especial talvez seja saber que ninguém é especial. Abordamos demasiado a ideia de vida e morte, quando o contrário de morte é nascimento. A vida é algo tão único mas que existe nas mais diversas formas e sentidos, tão simples que se torna tão complexa.
Não quero saber quanto ganhas, diz-me antes o que pensas. Respeito de onde vens mas estou mais interessado para para onde vais. Diz-me com quem te dás mas reflecte comigo porque não gostas de alguém que nunca te afectou? Claro que bom será praticarmos todo o bem que teoricamente alegamos, mas o teu pior continua a merecer o teu maior amor. Na teoria ilustramos-nos muito de ferro ou até de ouro, na prática somos todos feitos de barro. Na prática, a teoria é outra.
Crónica de João Grilo