O poder da oposição
Todos sabemos que a oposição é essencial à democracia. Mais do que tolerada, a oposição é indispensável para avaliar as faltas e os excessos do governo e responsabilizá-lo perante o público, bem como sugerir alternativas de governação.
Não será exagero dizer que o líder do Chega! é visto hoje como a mais forte oposição ao actual governo. De acordo com o barómetro da Aximage, André Ventura é reconhecido, cada vez mais, como líder da oposição. Estamos prestes a viver algo sem precedente na política portuguesa: ser o líder da oposição proveniente de um partido com um só deputado. Isto quer dizer que a oposição portuguesa será liderada por um partido representativo de uma facção extremamente pequena (se bem que crescente) do eleitorado português. O que é preocupante, pois, ao desempenhar este papel, o Chega! ganha apoiantes a um ritmo desconcertante. Uma das estratégias importantes no combate à sua ascensão passa pela amplificação de boas alternativas de oposição.
Mas será que André Ventura faz boa oposição? É aqui útil fazer uma distinção entre tipos de argumentação. Na minha área, a filosofia, existe uma clara distinção entre argumentos “negativos” e argumentos “positivos”. Um argumento negativo visa criticar, dissecar e desmantelar uma teoria ou argumentação oponente, enquanto que um argumento positivo propõe algo de novo, uma teoria original, ou salienta novas razões a favor de uma posição já conhecida. Um bom argumento negativo não implica uma proposta positiva coerente, nem vice-versa. Em política, um domínio público de argumentação, há também discursos de ambos os tipos. A oposição política consiste maioritariamente em argumentos do fórum negativo: o escrutínio do governo. E o líder do Chega! tem sucesso no exercício dessa função. Muitos dos seus argumentos negativos não são bons, podemos discordar da veracidade das suas componentes e podemo-nos opor, moralmente, a várias das suas premissas, mas nem todos os argumentos negativos de Ventura padecem destas falhas. Isto é, o escrutínio do líder do Chega! das acções e omissões do actual governo surge, muitas vezes, como válido e justo.
Ao executar bem o papel de crítico, e assim se posicionar, com alguma credibilidade, como “antissistema”, a proposta positiva do Chega! torna-se tentadora para muitos. É crucial repetir que um argumento negativo válido não aumenta o valor da proposta positiva que se lhe poderá seguir. Contudo, o poder retórico de uma oposição monopolizada é muito forte.
Para combater esta situação, é necessário incentivar e amplificar a oposição por outros agentes políticos e mediáticos. Isto servirá para reduzir o apelo de que o Chega! neste momento beneficia. Se faltarem boas alternativas de oposição, temo que a popularidade do Chega! continuará a aumentar, até que a pequena facção da sociedade que actualmente representa cresça ao ponto de o tornar, de facto, o mais natural líder da oposição.
Crónica de Laura Luz Silva
A Laura é pós-doutorada e investigadora no departamento de Filosofia da Universidade de Genebra