Os inimputáveis
Tudo deve ter um limite e os esforços contínuos de pedagogia por parte de muitos no último ano em relação a este vírus também. Naturalmente que grande parte desse empenho não pode parar. Não, agora. Sobretudo, quando parece que ainda existe quem não tenha entendido a real dimensão do que estamos a viver. Sim, é verdade.
Ainda há quem ao fim de tanto tempo e informação, com a realidade a entrar-lhes pelo cérebro e ecrãs adentro, continue a ter dificuldades em perceber que não se trata apenas do maior ou menor nível da taxa de mortalidade do vírus nas pessoas infetadas e sim, do que isso significa para todos os nossos serviços de saúde. Eu sei que perante estas evidências e entre quem foi negacionista ou relativizou sempre esta realidade ao longo dos últimos meses, a solução era simples. Passava por deixar aqueles que desenvolvem uma incidência grave do vírus no corpo a tratar-se em casa e a apodrecer para não entupir o nosso Serviço Nacional de Saúde. Com consequências ainda mais gravosas a todos níveis, quer a nível de mortalidade como de desumanidade.
Mas o que ficará de toda esta narrativa hoje começa a ser claro e tem a ver com a maior falha do nosso sistema democrático em quarenta cinco anos e que salta à vista como nunca. O gigante lapso na educação cívica portuguesa e europeia. A falta de noção e cidadania deste tipo de gente que, entenda-se, estão longe de espelhar qualquer realidade classista ou entre melhores e piores condições de vida. Bem pelo contrário. Grande parte destes negacionistas e relativistas do Covid-19 que proliferam nas redes sociais e encontram eco público nos acéfalos como o dono do restaurante Lapo, estão muito longe de viver em más condições. Simplesmente, são pessoas que nada entendem da liberdade em todas as suas dimensões, muito menos neste momento excecional que é porventura o mais duro e difícil da nossa sociedade nos últimos 60 anos. Pouco ouvem, mal leem, tudo confundem e ignoram o relevante por causa de um egoísmo atroz. Hoje, certamente há um primeiro-ministro e presidente da república em cada um deles e delas. Qual hipocrisia suprema, qual quê quando entrarem em contradição completa com o que defendiam há uma semana ou semanas atrás para os criticar. Jamais se importarão, pois, quando convém são os clássicos da “culpa é sempre deles.” No entanto, mesmo que a atuação do governo possa e deva ser criticada em muita coisa, a análise global ao executivo vai ficar para depois desta batalha.
Já nesta fase e o que não deveria escapar é a sua condição de inimputáveis. Dos ignóbeis da direção do Chega que há poucos dias juntavam 170 pessoas sem distanciamento e máscara numa sala fechada de um restaurante em Braga aos troll’s das redes sociais que partilham teorias da conspiração negacionistas, até quando? Até quando, será toda esta gente inimputável perante a atual realidade e aos olhos da lei?
Gonçalo Ribeiro Telles
O Gonçalo é consultor de comunicação.