Eutanásia. Dignidade na morte e vida
A atual situação pandémica e os números alarmantes veiculados inerentes às mortes e internamentos que têm sobrecarregado as unidades hospitalares devem ser hoje a preocupação major nacional, valorando a apoiando o pugnar titânico de todos os profissionais de saúde com atitudes cívicas que impeçam a disseminação da infeção por SARS-CoV-2.
Não obstante, ontem, no parlamento, passando algo despercebido, assistiu-se à aprovação da Lei final da Eutanásia num passo de gigante para a sua implementação, tornando Portugal num dos escassos países a permitir a despenalização de tal ato médico. Na verdade, poder-se-á questionar o espaço temporal em que tal discussão final surgiu, preconizando, assumindo esta minha visão paradoxal, que temas que remetam para uma vida ou morte dignas se revestem da máxima relevância, não estando abrangidas por esse mesmo “bom senso temporal”.
Deste modo, sendo a eutanásia um ato médico expressamente consentido pelo doente no decorrer de um quadro, na sua vasta maioria, de patologia tumoral maligna disseminada à distância com múltiplas metástases ganglionares e impossibilidade de ressecar o tumor com quadro de dor intensa e psicossomática, considero, apesar de alguns entraves, na sua generalidade, um avanço civilizacional.
Assim sendo, como futuro médico, por se levantarem questões éticas entre outras relevantes, assumo determinante que haja autorização expressa do doente com o seu consentimento dando-lhe opções sólidas aquando de um quadro dito terminal. Para tal, preconiza-se também a extrema e preponderante impreteribilidade no investimento forte nos cuidados paliativos, sendo esta uma falha clara que de todo não foi colmatada e ponderada na aprovação da presente lei. Acresce que deve constar o direito à objeção de consciência aos médicos que não se revejam neste ato médico. Quanto ao Juramento de Hipócrates, ao qual se compromete o recém-formado médico, nele consta que se deverá salvaguardar respeito máximo pela vida humana. Considero que esse mesmo respeito se estende ao direito de decisão do doente acerca da forma como morre, estando, aquando de patologia dolorosa num quadro terminal sem terapêutica disponível, a distanásia por via da obstinação terapêutica — com recurso a tratamentos desproporcionados, sem corroboração científica e causadores de possível maior sofrimento — fortemente vedada pelo Código Deontológico dos Médicos.
Concluo, enfatizando que se impõe que o doente terminal tenha direito de escolha por via da sua livre e expressa vontade na forma como pretende findar ou passar os últimos momentos de vida, sendo convenientemente informado. A eutanásia é uma opção válida e um avanço muito importante, porém o forte investimento nos cuidados paliativos também se afigura como peça crucial a fim de possibilitar ao doente terminal um maior leque de opções sólidas num momento de extremo sofrimento pessoal e familiar.
Crónica de Luís Bernardo Damasceno Fernandes.
O Luís é estudante da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.