Diferenças são só correntes, subimos todos o mesmo rio
O vácuo de respeito que existe pelo próximo, uma carência de sensibilidade em aceitar e crescer na diferença. Como se todas as nossas raízes, ainda que com um enorme contraste geográfico, não fossem nutrir ao mesmo solo ou dormir debaixo do mesmo céu estrelado. Ensina-se muito sobre territórios mas pouco sobre a terra, demasiados números para tão pouca expressão livre. Nunca foi tão urgente amar, além da sua configuração romântica, a ausência de toque e afeto devia estar a mostrar-nos que o amor é muito mais que um beijo, e o distanciamento o quanto ligados estamos.
A pele é só um tecido com vários tons e texturas, todos sangramos na mesma cor. Defendemos questões diferentes mas atacamos de igual forma. Economicamente distinguidos mas todos precisamos do básico para existir, ar e água. É um facto, a mesma carne, somos todos iguais, a viver a diferentes profundidades. Somos aproximadamente 7,8 biliões de pessoas, ou seja, mais de 7 biliões de perspectivas e universos. Paremos de correr mais rápido que a ansiedade atrás de verdades absolutas. Elas existem, na ciência por exemplo, mas continuamos a medir demasiado a quantidade de sentimentos e empatia que dispomos ao próximo baseado no nosso gosto pessoal, ideologias e outros rótulos.
Já não devia ser uma luta de etnias ou classes sociais, mas de Humanidade. Ser bem ou mal intencionado. Há muito ruído de informação, mais discursos de ódio que opinião. Devia-se sair mais da concha, da zona de conforto, dar de caras com diferentes ambientes e lidar com problemas alheios. Talvez notes que só enfeitamos as nossas caras, cabeças e corpos de maneiras distintas, porque grande parte procura o mesmo mas de um jeito diferente.
Nunca foi tão importante considerar e compreender, elogiar sem avaliar, ajudar sem conhecer. A propaganda terrorista de extrema-direita que tem invadido a democracia de há uns tempos para cá, tem tido também o seu papel em dividir-nos, alimentam-se do medo e desconhecido para cuspir ignorância, e o triste é que muita gente mal informada ou amada, tem vindo a adoptar tais delírios políticos. A vida só faz sentido se existir em todas as suas formas e géneros, se a liberdade de expressão for mútua e a minha não sobrepor a tua. Nenhuma criança nasce racista ou homofóbica, ensinem a verdade às crianças, o Mundo não é justo. A educação não tem de ser toda nos moldes positivos, o nosso carácter sim.
É angustiante ouvir ainda muitas vezes certas piadas sobre os pretos, os gays, as loiras, os alentejanos, as mulheres… A leveza com que ainda se brinca sobre determinadas feridas culturais e sociais deixa-me assoberbado de revolta. Esta condescendência de pormos constantemente a raíz dos problemas para debaixo do tapete. Distinguimos com tanta vaidade a vida inteligente da vida selvagem e no entanto, o preconceito, o ódio, o rancor, a vingança… Só se expressam na espécie Humana. É necessário talvez consciencializar mais com base na responsabilidade do que na consequência, formar pessoas antes de profissionais.
Nunca achei que fossem políticos ou banqueiros a querer mudar o Mundo, mas sempre acreditei muito que esse poder e vontade está ao alcance de designers e artistas. O design na solução de problemas de forma criativa, ecológica e económica. Os artistas com o lado emocional, o equilíbrio da nossa saúde mental, quer seja com dança, fotografia, música, cinema, pintura… Isto só faz sentido juntos, unidos! Já devíamos ter aprendido com os erros da História. Nada cresce do cano de uma pistola, mas a palavra é uma arma.
E mesmo entre tanto antagonismo, caos e desordem, eu escolho continuar a fazer parte da solução e não do problema. Nunca fez tanto sentido o mantra hippie “Paz & Amor”. Recuso-me a ser engolido pelos histerismos, má educação, discursos tóxicos e presenças cinzentas. Não aguardo nenhum milagre religioso, não acho que a vida deva-me alguma felicidade, estou a trabalhar para a merecer. Atravessamos mudanças intensas e há muito trabalho a fazer, é hora de sermos a vantagem e aceitar a dificuldade. Estar atento a silêncios barulhentos, cuidarmos dos mais frágeis e fazer parte de lutas que não são nossas mas que contemplam um “Nós”. Violentamente pacífico, vou continuar a semear porque as folhas mortas caem sozinhas. As nossas diferenças são só correntes, as nossas vidas são duas margens opostas mas que sobem o mesmo rio.
Crónica de João Grilo