“Buildings Have Feelings Too!”: o betão também chora?
Será que os edifícios também têm sentimentos? Em Buildings Have Feelings Too! a resposta é clara, não é é muito relevante. Quem procurar aqui uma narrativa em volta do sentimentalismo urbano ou um jogo de gestão de cidades desengane-se, pois, apesar de parecer algo desse género, este é definitiva e tecnicamente um jogo de puzzles.
O jogo começa em cerca de 1900 e acompanha transformações nos edifícios vitorianos antigos, que passam a abrigar negócios mais modernos. Cada um tem as suas características, fornece recursos próprios aos vizinhos e exige outros em troca, influenciando um medidor de felicidade (appeal) que vai oscilando conforme a satisfação das necessidades, habilitando melhoramentos. Estas características ligadas à felicidade, no entanto, não correspondem aos sentimentos dos edifícios, mas sim às propriedades do negócio que abrimos neles, o que é contraproducente no universo de jogo pretendido. Os edifícios vão comunicando com o jogador e entre si com diálogos engraçados, mas pouco impressionantes pela sua despretensão constante. Há trocadilhos divertidos e um bom número de falas entre tipos de negócios, mas, regra geral, a funcionalidade da escrita sobrepõe-se a qualquer tentativa de transmitir alguma coisa. A narrativa é, por isso, meramente decorativa e as falas são na grande maioria descartáveis.
O conceito é interessante, a forma como tudo encaixa é genial e vê-se que os puzzles estão à espera da nossa solução, que funciona sempre bem, mesmo havendo múltiplas hipóteses. As missões estão bem interligadas e sequenciadas, permitindo o reaproveitamento do que fizemos antes. A micro-gestão é sólida, mas certos princípios básicos da jogabilidade falham: o dinheiro é bem mais do que suficiente, o sistema de reparação é improfícuo e a penalização de não ter o mínimo de felicidade dos edifícios é devastadora, usando temporização para assustar o jogador, algo que não combina com o jogo. A movimentação em sidescrolling é disfuncional para os puzzles — pôr tudo com uma vista à la SimCity era renegar a pretendida identidade sentimental dos edifícios, e que bom que seria, porque essa parte pouco se faz sentir e nunca justifica a ténue ligação com a jogabilidade. Há ainda perks que se desbloqueiam para os edifícios ao melhorá-los, estes, para além de subaproveitados na estrutura geral do jogo, têm uma probabilidade de serem rejeitados, o que é incompreensível, já que a consequência desse azar é só ter de gastar mais dinheiro para reconstruir e melhorar rapidamente o negócio.
O design é bom no papel, bem pensado nas suas mecânicas e dinâmicas mais profundas, mas obtuso e impenetrável na prática. A transmissão e a apresentação da informação são tão pobres que que se torna difícil estar no controlo. Um dos problemas que encontramos cedo é a enorme complexidade de fatores, pois apesar de as mecânicas serem básicas, as dinâmicas são profundas. É difícil escolher um caminho, como que negócio abrir, que edifício construir, que posição escolher etc., quando cada um exige a verificação de múltiplas informações e a previsão de vários passos à frente, gerando tentáculos de complexidade tão prolíferos que obrigam ao contentamento com a primeira opção razoável que aparecer, visto que ninguém vai querer computar todas as possibilidades para escolher a melhor, muito menos com a necessidade efervescente de verificar, vez após vez, a informação de cada um dos negócios, dos seus melhoramentos, da sua posição e dos outros seis que devem ou não ser colocados ao seu lado naquele instante ou durante as próximas dez construções.
As fontes da dificuldade não são propriamente inocentes, e é aí que entra outro problema: a interface. Os menus perturbam ativamente a rotina da jogabilidade e sem uma memória super-humana teremos de nos arrastar por eles para comparar informações vezes sem conta. Os controlos também poderiam levar uns ajustes, pois a seleção dos locais é fugidia, o número de botões necessários é quase sempre excessivo e a árvore de consulta de negócios é um pesadelo de navegação rápida.
O sistema de dicas torna-se obsoleto muito cedo, já que só nos passa informação já presente nos menus e abstraída de qualquer sentido de estratégia. Há aspetos do jogo que nunca são explicados e têm de ser descobertos pelo jogador, ainda que isso até adicione algum entusiasmo se for numa missão principal. Quanto ao som, os efeitos sonoros têm qualidade e a música acompanha bem a resolução das missões, mas algumas falhas podem deixar duas faixas a tocar ao mesmo tempo ou causar silêncio indesejado.
A arte é boa e as animações cumprem as funções. A cidade, inspirada em Belfast, tem um aspeto simples e cartunesco, garantido a ligeireza que o jogo tanto almeja. Existem alguns bugs e, sobretudo, problemas de desempenho, como congelamentos frequentes ou, mais raramente, alguns crashes, ainda que tanto o início como o final do jogo estejam quase isentos desses problemas. Os tempos de carregamento também são alongados.
A entrega da Blackstaff Games quer ser recompensadora, só que a sua estrutura e o seus problemas de experiência do utilizador promovem o desleixo, tornando esse objetivo num fracasso. Jogar Buildings Have Feelings Too! é como coçar a perna por fora das calças de ganga, nunca dá bem certo e sentimo-nos sempre pouco habilitados para tal. Os adeptos de puzzles trabalhosos e capazes de sugar toda a concentração para o ecrã terão aqui um desafio à medida se quiserem ir pela via da perfeição, caso não queiram, mais vale dedicarem-se a outra coisa, já que haverá pouco a extrair da experiência.