Anatomia de um crime
O Boeing 737-800 da Ryanair fazia o voo FR4978 entre Atenas, Grécia, e Vilnius, Lituânia, dois países pertencentes à União Europeia, com 126 passageiros a bordo. Quando voava sobre a Bielorússia e a poucos minutos de entrar em espaço aéreo lituano, o comandante recebeu uma mensagem do Controle de Tráfego Aéreo de Minsk (Bielorussia) informando que havia uma ameaça de segurança (quer dizer, bomba) e que o avião devia aterrar logo que possível. Para o “assistir” nessa manobra tinham enviado um MIG29 equipado com mísseis. Deveriam segui-lo.
Vamos então analisar este acto de pura pirataria aérea.
Em primeiro lugar, os avisos de bomba eram frequentes nos anos 70 e 80 mas depois passaram de moda. Só mesmo na Bielorússia. E passaram de moda porquê? Porque hoje existem métodos para avaliar e validar a ameaça recebida e porque se sabe que, estatísticamente, quando há bomba não há aviso. São pouqíssimos os casos conhecidos em que a ameaça era mesmo para levar a sério. Por outro lado, foram centenas (milhares?) os avisos de bomba feitos só para “chatear”.
Depois, uma vez recebido o alerta devidamente validado, compete ao comandante decidir onde vai aterrar o mais depressa possível. Obviamente, deverá fazê-lo no aeroporto mais próximo desde que este reuna as condições indispensáveis, nomeadamente comprimento de pista adequado ao tipo de avião, serviços de segurança (bombeiros, etc) e equipas especializadas em detecção de explosivos. Neste caso a escolha seria Vilnius, que era também o aeroporto de destino. Só que os bielorussos decidiram que seria Minsk, a capital do país, que ficava bem mais longe que Vilnius, e para que o piloto não tivesse dúvidas mandaram um MIG29 para o escoltar.
Embora estivesse a um par de minutos de entrar em espaço aéreo lituano, o comandante do voo nada mais podia fazer senão obedecer às instruções recebidas. É que em 1983 os russos abateram um Boeing 747 da Korean Air com 269 passageiros a bordo só porque o avião entrou inadvertidamente em espaço aéreo da então União Soviética. Não houve sobreviventes.
Após a aterragem em Minsk logo se percebeu o que estava por trás de toda esta encenação: as autoridades locais queriam apenas “deitar a mão” a um jornalista bielorusso que viajava nesse avião, um jovem conhecido pelas suas posições contrárias ao regime do presidente Lukashenko.
Segundo a Convenção de Chicago da Organização Internacional de Aviação Civil, ICAO, cada país tem total autoridade sobre aviões comerciais que voem dentro do seu espaço aéreo. Mas a mesma Convenção diz também que cada país é responsável pela segurança dos passageiros que viajam nesses aviões. Quer isto dizer que as autoridades bielorussas podiam mandar aterrar o avião se assim o entendessem mas ao invocarem um “aviso de segurança” (bomba) para o fazerem deviam cumprir o que está estipulado: decisão do comandante em relação ao aeroporto mais coneniente. Ao obrigarem o B737 a voar para Minsk, que ficava bem mais longe que Vilnius, estariam a colocar em perigo a vida dos passageiros se houvesse de facto uma bomba a bordo. Depois da inspecção realizada após a aterragem logo se concluiu que, como se esperava, não havia bomba nenhuma a bordo.
Em resumo, estamos perante uma clara violação do Direito Internacional ditada por razões obviamente políticas, facto que não pode deixar de ter consequências.
Acho que o governo bielorusso só sairia disto de forma relativamente airosa se apresentasse ao mundo um pedido de desculpas pelo erro cometido e libertasse o jovem jornalista dissidente, mas receio que isso nunca vá acontecer.
Para terminar, aqui deixo a minha total solidariedade para com os pilotos do Boeing 737 da Ryanair envolvidos neste incidente. Sei bem o que eles fariam se não tivessem o maldito MIG às costas.