“The Magnificent Trufflepigs”: o desenterrar de uma nova vida
Nos pacíficos campos ingleses, Beth encontrou um brinco valioso com um detetor de metais. Anos depois, numa fase aparentemente pacata da sua vida, ela decide que é altura de tentar achar o segundo brinco do par.
Interpretamos Adam, um “amigo” de Beth que a vai ajudar a encontrar a cobiçada bijuteria. Desde logo se percebe que Beth é a verdadeira protagonista da narrativa, ela contrasta com Adam na interpelação ao não ser nada circunspecta e ao focar todas as atenções em si. A cada peça de tralha que desenterramos vamos descobrir mais sobre as motivações da busca e os eventos em redor da descoberta, ações que revelam um forte desenvolvimento narrativo. The Magnificent Trufflepigs conta desta forma uma história extraordinariamente corajosa, com um design narrativo arriscado que traz frescura nos efeitos conclusivos. No entanto, o entrelaçar dessa narração com a jogabilidade prejudica a estética interativa, manchando a experiência que se extrai do confronto entre jogador e obra.
Focado na história e com a jogabilidade em segundo plano, nota-se que o jogo da Thunkd foi feito por uma das mentes por detrás do místico Everybody’s Gone To The Rapture. Ao contrário do título de 2014, aqui há mais dificuldade em salientar a ambientação do jogo, pelo que a lenta exploração do cenário é seriamente capada em prol de uma apresentação célere e implacável dos blocos de texto. Seria mais equilibrado haver menos texto seguido e mais tempo a sós com o mecanismo de autodescoberta que a interação pode proporcionar. O texto profundo é passível de ser amplamente averiguado, inclusive numa segunda passagem pelo jogo, que, com o conhecimento dos eventos finais, ganha novos sentidos e revela a astuta e subtil minúcia da escrita. O final, arrojado também, é meritório por abrir discussão, mas corta, algo desajeitadamente, parte do envolvimento até ali alcançado, bem como o ritmo do enredo que acabara de finalmente assentar.
No início de cada capítulo temos uma porção de campo por explorar e tudo o que temos de fazer é usar o detetor de metais para encontrar os objetos metálicos e depois apanhá-los, comunicá-los a Beth e ouvir o diálogo referente a cada um. Ouvir o extenso diálogo não permite usar o detetor de metais e diminui a velocidade de deslocação (tal como quando se usa o detetor). Também é possível fotografar certos pontos de interesse no cenário, algo que resulta no mesmo que achar um objeto. Este ciclo aliciante de encontrar tesouros num descampado gera no jogador, provido até de um mapa, uma certa sensação de colecionismo, mas esse fator nunca é aproveitado, é antes rejeitado a favor de uma devoção desproporcional pela narrativa.
A jogabilidade manipuladora retira o sumo à interessante premissa do jogo. Cada descoberta que fazemos é na verdade pré-definida, pelo que o local é irrelevante — achamos sempre os mesmos objetos e pela mesma ordem para espoletar o trecho narrativo correto, sendo eles apenas alternados com um objeto opcional aleatório para dar alguma agência ao jogador. Com isto, nenhum sítio assinalado no mapa como local de tesouro é importante. Adjacentemente, há um truque para ritmar o jogo que consiste no facto de os objetos não estarem logo todos no campo, havendo um temporizador que os faz nascer após certos eventos, ou seja, podemos não achar nada num sítio, voltar atrás e já haver lá qualquer coisa.
Estes dois fatores da jogabilidade servem para habilitar o desenvolvimento narrativo, porém, ultimamente, são também eles que fazem a jogabilidade tão pouco natural e limitada, teleguiada, quase. Falta permitir ao jogador explorar à sua vontade e encontrar todos os tesouros de cada campo ao mesmo tempo que se desenvolve a narrativa. A jogabilidade também dá uma ilusão perfeita de sentido de tempo, mas criando uma não muito saudável urgência para achar o máximo de objetos antes de anoitecer e passarmos ao próximo capítulo. Como achá-los todos é uma conquista impossível na primeira passagem pelo jogo devido ao total domínio da jogabilidade pelo tão fechado guião, há que repetir o jogo para ver os objetos secundários que faltam. É pena que seja tudo tão apertado, que a descoberta de metais seja constantemente interrompida por diálogos mais extensos do que as próprias buscas e que a exploração livre não ofereça muitos mais pontos de interesse para além da deteção de objetos, o que ajudaria a aproveitar o cenário idílico e a integrá-lo nos mecanismos de narração.
Graficamente, o jogo tem um leve aspeto de pintura cartunesca e brilha com o seu visual colorido que culmina numa representação pacífica dos campos. As paisagens dignas de tela são, combinadas com o progredir do entardecer e movimento das sombras das nuvens, um deleite de se admirar, ainda que a sua exploração seja tão limitada. Já no detalhe, enquanto os modelos dos objetos são competentes e as borboletas são impressionantes, as animações deixam a desejar, sobretudo no que diz respeito aos processos de escavação.
No departamento áudio, apesar de a qualidade de gravação oscilar, as prestações vocais de Luci Fish e Arthur Darvill (de Doctor Who) são boas. Dentro do carro as vozes são mais abafadas, uma atenção bem lograda. De resto, os efeitos sonoros são de qualidade e a bela música tem pouco destaque.
A interface cumpre, mas decisões como a apresentação constante dos controlos e o clique para progredir no diálogo ligeiramente mais cedo servem de pouco, ainda que essa quase necessidade de interação ajude a mediar o ritmo dos longos diálogos e a garantir a atenção do jogador. Já o mapa é bonito, mas nunca é realmente necessário durante as cerca de 3h de jogo.
Munida de visuais belos e de uma premissa cativante, The Magnificent Trufflepigs é uma aventura narrativamente arrojada que através de uma exploração hipnótica do mundano se introduz no íntimo da falível psique humana. Um esboço da vida espraiada na sua essência menos ficcional possível. Não será, todavia, adequado para os adeptos de uma jogabilidade articulada, já que esta é constantemente estrangulada pelo guião.