Uma ciência marginalizada
A Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), entidade pública nacional de apoio à investigação em ciência, tecnologia e inovação, emitiu um regulamento de atribuição de bolsas excepcionais para mitigação de impactos da COVID-19 nas atividades de investigação em Junho deste ano. Este regulamento permitia aos bolseiros de investigação prorrogar as suas bolsas, de forma a que pudesse ser concluído o seu plano de trabalhos afectado pela pandemia. A FCT já teria concedido os meses de Março e Abril de 2020 durante o primeiro confinamento aos bolseiros que usufruíram das suas bolsas. Porém, perante as restrições de acesso aos laboratórios, bem como novos confinamentos, a FCT teria a obrigação de conceder mais tempo automaticamente aos bolseiros, tal como o fizera durante o primeiro confinamento. Havendo uma pressão das diversas entidades, nomeadamente da Associação de Bolseiros de Investigação Cientifica (ABIC), a FCT cedeu e decidiu atribuir bolsas excepcionais através de um requerimento por parte dos bolseiros cuja actividade fora prejudicada pela pandemia. Este requerimento teria que ser altamente justificado, sendo que o período máximo de extensão da bolsa seria de um ano.
A FCT comprometeu-se dar resposta sobre a sua decisão aos bolseiros, cuja bolsa terminasse até ao final do ano, no dia 30 de Setembro de 2021. Muitos destes bolseiros encontravam-se já sem bolsa, esperando meses por uma resposta por parte da FCT que, dado ao elevado número de pedidos, adiou a decisão para o fim de Setembro. O resultado foi que apenas alguns bolseiros receberam tal notificação na data, e muitos ainda se encontram a aguardar resposta. Perante a inexistência de qualquer informação oficial por parte da FCT na sequência da atribuição das bolsas, a ABIC promoveu um questionário com o objectivo de perceber a situação dos bolseiros afectados. De entre os bolseiros inquiridos que solicitaram bolsa excepcional (672), 85.1% continuam sem resposta ao seu pedido. Cerca de 26,3% dos bolseiros inquiridos que solicitaram esta bolsa excepcional terminarão a sua bolsa até ao final deste ano e 17,4% viram a sua bolsa terminar, aguardando ainda pelo resultado. No caso dos investigadores que já não têm bolsa, a larga maioria terminou-a há mais de 4 meses, existindo até quem a tenha terminado há mais de um ano. Adivinhava-se que, dada a quantidade de requerimentos, a divulgação de resultados pudesse ser algo atabalhoada. Porém, seria difícil de imaginar um cenário pior ao que realmente existiu.
Quando em Junho deste ano, numa entrevista em canal aberto, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior diz que os bolseiros têm “regalias, isenções ficais e maior liberdade”, está a marginalizar toda uma classe, colocando-a num estatuto quase clandestino. Quando uma Fundação que diz que vai atribuir bolsas excepcionais, atribui essas bolsas com base em critérios vagos, não cumprindo os prazos no seu todo, facultando menos tempo do que aquele que fora solicitado só porque sim, e dando a conhecer os resultados primeiro a uns do que a outros, acaba de fazer um pleonasmo dessa mesma marginalização. Ao juntar as condições precárias com que os bolseiros vivem, os projectos de investigação com baixas taxas de aprovação, e toda uma conjuntura de critérios obscuros e de incógnitas, dizer que estamos perante uma ciência marginalizada já não se trata de uma figura de retórica, mas sim de uma realidade.
Uma ciência marginalizada, puxada por um grupo de pessoas que são apenas e só meros números, pessoas essas que têm prazos para cumprir, contas para pagar, e muitas delas até filhos para sustentar, nunca poderá chegar perto das máquinas oleadas e organizadas que existem noutros países da Europa e do mundo. Uma ciência que tem um investimento do PIB inferior à média dos países da União Europeia e que oferece condições precárias aos seus trabalhadores, não pode esperar atrair pessoas para trabalhar em ciência. É graças à ciência que temos a tecnologia que hoje conhecemos nas nossas mãos, que temos todo um conhecimento amplo ao acesso de todos e, é também graças à ciência que estamos cada vez mais perto de vencer esta pandemia como os números assim indicam, muito graças às diversas vacinas que foram criadas. Marginalizar a ciência é também marginalizar a própria classe humana cuja subsistência está cada vez mais dependente da mesma. A ciência é quem nos coloca na vanguarda e um país sem ciência, ou com uma ciência marginalizada, será, certamente, um país sem futuro.