Paris livrólica
Paris é comummente chamada a cidade do amor. Esta crónica é sobre o amor que a cidade me deu, numa tentativa de um guia literário sobre a cidade francesa. Estive dois dias inteiros em Paris, o que não é muito (mas já é bom), o que faz com que as paragens e visitas tenham de ser todas bem pensadas.
Estrategicamente, fui à primeira livraria da viagem, numa tarde de passeio junto ao Sena, depois de ter espreitado a fachada da Notre-Dame. Do outro lado da rua, fica a muito conhecida Livraria “Shakespeare and Company”. Escondida entre algumas árvores, a entrada é muito humilde, com uma fachada verde e creme, com um letreiro em letras garrafais: “Shakespeare”, foto de Shakespeare, “and Company”.
Cá fora estão vários livros em francês e inglês, um banco e uma porta esguia.Do outro lado, o interior guarda muitos anos de história.
Se pesquisarem pelo nome desta livraria, como eu fiz antes de voar para a cidade, há uma pergunta gerada pelo Google: “O que tem de especial a livraria Shakespeare, and Company?”. A livraria independente “Shakespeare and Company” foi fundada pelo amante de livros George Whitman, em 1951, num edifício do século 16, na rue de la Bûcherie 37. Inicialmente chamava-se Le Mistral, em homenagem a uma poetisa chilena e nobel da Literatura, Gabriela Mistral.
Mas onze anos depois, passa a ser Shakespeare and Company, como foi o nome de outra livraria icónica de Paris, frequentada por grandes nomes da literatura. Houve a vontade de ser grande ou tão grande como esta outra fora.
Whitman, o fundador, via os livros como um refúgio e, num artigo antigo que encontrei do Público, lemos que “Mais do que um vendedor de livros, Mr Whitman via-se a si próprio como o patrono de um refúgio literário”, como escreveu a jornalista do The New York Times Marlise Simons, num artigo sobre a morte do livreiro.
Mas e como é a livraria hoje em dia?
O edifício de três pisos tem normalmente fila à porta, mas anda bem e não tarda estamos lá dentro. A primeira ideia que temos é que é tudo um pouco claustrofóbico. As paredes cheias de livros parecem que nos querem engolir. Toda a altura delas é aproveitada para dispor livros.
Logo à entrada, estão livros franceses, sobre lugares de França, em edições lindas e luxuosas. Isto marca o tom para o que vamos ver no resto da livraria. Não vamos encontrar só as edições normais dos livros, mas também as mais recentes, comemorativas e limitadas, incluindo edições próprias desta livraria.
Na “Shakespeare and Company”, os livros são como o nome da livraria: em inglês na sua maioria. Aqui encontramos de tudo e sobre tudo, começando com literatura de A a Z, que ocupa grande parte da entrada, biografia num canto, ficção…E depois, a entrada transforma-se em salas. Uma para cada género. Young Adult, com muita abundância na livraria, ganha um quarto só dela.
Entre as muitas pessoas na loja, senti-me perdida, mas calma porque sabia que estava entre paredes seguras e sábias.
Viajei-me por entre as salas tanto a descobrir como à procura de dois títulos em específico. E de repente, umas escadas. Só uma pessoa cabia nos degraus. Esperei que descessem para pôr o pé no soalho de madeira já a perder o vermelho com que foi pintado.
Num sinal, somos avisados: neste piso não há livros à venda. É um piso só com uma biblioteca pessoal, com uma sala de leitura muito acolhedora, com almofadas para descansar e ensaiar uma leitura de um livro que se tenha trazido do piso de baixo. Foi o que eu fiz, com um livro de Madelline Miller na mão…até que, no canto do olho vi. Era um gato castanho, completamente confortável entre os estranhos que vão e vêm.
Todos estão muito presentes nesta visita. Ninguém vê a livraria pela lente do telemóvel porque as fotografias e vídeos são proibidos aqui dentro. Isso explica como nunca vemos, na internet, qualquer fotografia do interior. Os leitores são pessoas honestas e cumpridoras.
Acabei por pousar o livro que passeei pelas divisões. Estava mais interessada em sair dali com uma edição francesa do “Memorial do Convento”, de Saramago. Dirigi-me ao livreiro em serviço para perguntar onde estava sentado Saramago nas prateleiras. Ele foi rápido a responder que estaria do lado direito, mas entrou em dúvida. Apesar de antiga, a livraria já tem um sistema eletrónico e nele confirmou que não tinha o livro que eu queria.
Saí de mãos a abanar da livraria, mas com a sensação de trazer muitos livros.
Podem visitar o site da livraria, shakespeareandcompany.com, onde podem assinar a newsletter deles e navegar pela oferta de livros, bem como ver um pouco do seu interior no Instagram da Shakespeare and Company.
Ali por perto, já com uma boina francesa na cabeça, também visitei uma livraria portuguesa e brasileira. O nome é simples e diz ao que vem: Librairie Portugaise et Brésilienne. Fica na Rue des Fossés Saint-Jacques 21, desculpem o meu francês, um pouco acima da Shakespeare and Company.
Aí até em português pude falar para voltar a perguntar pela tradução do “Memorial do Convento”. Era dos poucos livros que não tinham.
Das poucas diferenças para uma livraria em Portugal era a maior abundância de livros e autores brasileiros porque de resto parecia uma livraria independente portuguesa: muito Saramago, valter hugo mãe, Ricardo Aráujo Pereira, António Lobo Antunes, Sophia de Mello Breyner…Tinham também muitos dicionários e gramáticas.
A livreira confessou-me que muitos parisienses estão interessados em aprender português e muitos portugueses têm ali o seu gosto da literatura portuguesa.
A livraria também tem site, newsletter e Facebook, para acompanharem as iniciativas deles com autores.
Esta zona da cidade, como me indicou a livreira, está reforçada de livrarias. E realmente vemos livrarias de livros antigos, só e exclusivamente de Banda desenhada, pequenos recantos a ser visitados – nem que seja para praticar o francês, nesta Paris livrólica.