‘Viagem a Espanha’, rumo a lado nenhum
A dupla Steve Coogan e Rob Brydon juntou-se novamente para mais uma das suas incursões gastronómicas e culturais por alguns dos destinos europeus mais (re)conhecidos, como já tinha acontecido com Inglaterra em 2010 e Itália em 2014. Agora, o destino escolhido foi Espanha, num percurso da Cantabria à Andaluzia.
Desde sempre que os road movies são o cenário e contexto preferencial para um filme sobre escapismo, sobre a descoberta ou redescoberta do “eu” interior ou da paz que já lá não reside. Atrás do volante não está o actor – ou, se preferirem, a sua personagem -, estamos nós, também a viver aquele momento, a sentir e a absorver as razões que levaram à fuga, a arejar a cabeça, a fugir daquele ponto de partida por tudo o que ele significa, e, por consequência, por tudo aquilo do qual nos queremos afastar – em linha recta ou ziguezagueada, tanto faz. Tudo o que nos corrói fica para trás. Somos nós e a estrada. Metemos a música alto ou simplesmente imergimos no silêncio e não pensamos em absolutamente nada. Ou então pensamos sobre tudo (estamos longe de ser máquinas constantes com hábitos predefinidos; fazemos o que o instinto nos diz para fazer na altura), mas a sensação de liberdade que a estrada nos dá, essa dificilmente temos em qualquer outro contexto.
É por isso que os “road movies“, tantas vezes menosprezados, são na realidade “more than meets the eye” ou, no nosso português, “mais do que aquilo que está à vista”. Crises de meia idade, namoros acabados… as desilusões e os problemas aparecem-nos das mais variadas formas, mas no final da viagem, quando paramos o carro, ou porque pensámos sobre o assunto ou porque não pensámos de todo, já não somos os mesmos, somos pessoas diferentes que escolheram invariavelmente uma forma de enfrentar aquele caminho, aquela estrada.
Se filmes como Sideways, Little Miss Sunshine ou Everything is Illuminated nos marcaram “recentemente” com considerável qualidade e capacidade, sobretudo o primeiro pela fantástica escrita e, porque não dizê-lo, pela forma como desconstruiu o típico preconceito sobre os filmes que abordam a “crise de meia-idade”, já o mesmo não se pode dizer sobre este Viagem a Espanha. De um lado temos um homem carrancudo, amargurado com a vida, interpretado por um Steve Coogan que, mérito lhe seja reconhecido, aceita – e sabe – gozar consigo mesmo como poucos, e do outro temos Rob Brydon, um galês afável, pai de família estável.
Sob o pretexto de voltarem a fazer uma série de críticas gastronómicas, Rob e Steve reinventam a sua vida real (a vida pacata de Rob contra as desilusões amorosas e profissionais de Steve) e embarcam numa nova aventura realizada por Michael Winterbottom. Se as anteriores viagens tinham um traço fresco e as piadas, regadas com bons néctares e comida feita por chefs reconhecidos, esta viagem por Espanha é um chorrilho de momentos bem dispostos, mas rebatidos, usuais, monótonos e que mais parecem desculpas para a dupla se poder sentar mais umas quantas vezes à mesa e usufruir de boa gastronomia. Há uma aura demasiado falsificada de peso extra-viagem que tenha servido como motto para a mesma. Os problemas de um Steve narcisista com o filho ou a namorada aparecem de forma leviana e demasiado repentina para que os consigamos absorver ou eles se consigam, de alguma forma incluir na psique por trás da viagem.
A maior parte do humor é fácil, mas ainda assim agradável, sobretudo com as imitações de ambos os actores sobre personagens ou personalidades famosas como Woody Allen ou intérpretes do 007 ou ainda referências a Monty Python mas exagera, e logo de seguida se leva longe de mais como no momento com a referência a Roger Moore e o que daí advém, próprio de um filme e de um conceito sem nada mais a oferecer.
Se a viagem está (ou estava) a correr bem, há que saber quando a terminar, e Viagem a Espanha foi uma paragem a mais num conceito cansado por quem o criou e esgotou. Para recordar ficam os momentos de sintonia de uma dupla que funciona muito bem em amena cavaqueira e que disfarçam a espaços a falta de inspiração que rodeou o filme, mas que já não tem nada mais para nos dizer, para nos mostrar ou para nos alegrar. Fica a comida e a boa disposição. Insuficientes ainda assim para tornar Viagem a Espanha numa oferta de qualidade no cardápio dos filmes em exibição.