‘Um Homem Chamado Ove’, um filme que aquece o coração
Há certos tipos de filmes que parecem ter uma magia própria dependendo do ambiente que os rodeia. Na altura de Natal lembramo-nos quase imediatamente de um clássico como Sozinho em Casa, ou O Diário de Bridget Jones; filmes que ao longo dos anos nos fomos habituando a ver na televisão, ao domingo à tarde, deitados – ou sentados, conforme a preferência – no sofá, enrolados numa manta, acompanhados de um chocolate quente e com a chuva a bater na janela. Um Homem Chamado Ove é esse tipo de filme. Uma daquelas obras que tem esse condão único de parecer fazer (ainda) mais sentido quando está frio só para que tenhamos o prazer de que ele nos aqueça o coração, independentemente da chuva e vento que que se fazem sentir lá fora. Um Homem Chamado Ove é aquilo a que se pode chamar de típico (não num sentido pejorativo do termo) “feel good” movie.
No entanto, isso em nada lhe retira qualidade, pelo contrário. Não é o género que faz o filme, nem tão pouco sentirmos que esta história já nos foi mostrada noutras obras, ainda que com nuances obviamente diferentes de filme para filme. Será redutor considerá-lo somente pela “capa”. Interessará muito mais analisar e absorver a forma como a história nos é contada e o impacto que a mesma cria em nós. Sinal do seu sucesso será também a grande aprovação que conseguiu no seu país Natal (um dos filmes mais vistos de sempre) assim como a receptividade no mercado dos EUA, tantas vezes reticente a obras europeias. Além disto, Um Homem Chamado Ove foi ainda nomeado para dois Óscares (Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Maquilhagem) e galardoado com o prémio de Melhor Comédia nos European Film Awards de 2016.
A adaptação de Hannes Holm do bestseller de Fredrik Backman traz-nos a história do grande e sisudo Ove (uma grande interpretação de Rolf Lassgard), um homem de quase sessenta anos que vive num bairro sobre o qual faz valer à letra as regras instauradas pela associação de moradores, da qual em tempos fez parte. Ove, inesperadamente, é “convidado” a cessar as suas funções na empresa de caminhos de ferro, onde o seu pai também trabalhou. Depressa também ficamos a saber que Ove perdeu a sua cara-metade, a sua mulher Sonja, faz pouco tempo. Sem ela, e sem emprego, o “bom gigante” tornara-se um ser amargurado que não vê qualquer propósito para continuar a viver.
No entanto, como tipicamente surge nestas histórias, aparece um factor exterior, uma amizade improvável protagonizada pelos novos vizinhos de Ove, sobretudo por Parvaneh (a simpática e luminosa Bahar Pars), uma jovem persa, grávida que juntamente com o seu companheiro (incapaz de praticar qualquer lide doméstica, o que irrita enormemente Ove) e as duas filhas irão dar a companhia de que Ove precisava.
Desengane-se quem pensar que se irá tratar de um filme puramente cómico. Os momentos de comédia serão, maioritariamente, de comédia negra, e o foco será muito mais o dramático. Nesse aspecto, Um Homem Chamado Ove estará muito mais próximo de ser comparado a um Gran Torino na forma como lida com o comportamento de um homem afectado pelo seu passado e como isso se traduz no seu trato social em relação a terceiros, actualmente.
O filme de Hannes Holm deverá ser, sobretudo, analisado pela forma honesta como cria enraizamento emocional em quem o vê. O conteúdo sobre a forma. Recorrendo a flashbacks dos tempos de juventude de Ove e de quando conheceu a sua falecida mulher, vamos conhecendo o background psicológico de uma pessoa na qual, apesar da sua antipatia exterior, reconhecemos um coração, bondade e generosidade enormes, e que apenas se sente só e desamparado pois a pessoa com quem partilhou tudo aquilo que era e é, já cá não está para ele.
Uma história comovente, bem disposta (recorre-se a vários momentos de comédia direccionada também ao público sueco como a teima entre Ove e o seu vizinho sobre carros (preferência pela marca Saab, sempre, e nunca Volvo). Há no filme uma capacidade de explanar de forma simples e comovente assuntos sérios e debates sociais actuais como a sociedade cada vez mais multirracial e multicultural dos tempos de hoje, assim como, obviamente, o luto, e uma maneira simpática de olhar para todas estas questões: a bondade e companhia de quem nos rodeia.
A Man Called Ove, ou Um Homem Chamado Ove foi lançado em DVD pela Alambique estando ainda disponível na plataforma Filmin.