Como os emigrantes portugueses fintam a saudade na quadra natalícia
O Natal é visto por muitos emigrantes portugueses como um momento em que a saudade aperta e a distância é intransponível, admite Maria Gaulês, há 30 anos na Venezuela e que quase não se recorda da sua terra.
Sem visitar a Madeira há quase 30 anos, Maria Gaulês aponta as dificuldades económicas como a principal razão para não ver a localidade de Caniço, onde nasceu há 68 anos.
“Vim de barco, quando tinha apenas 8 anos, numa viagem de quase três semanas que me pareceram muito longas e há quase 30 anos tive de ir a Portugal tratar de uma herança familiar”, disse à Agência Lusa.
Hoje, a tecnologia a aproxima dos familiares na quadra natalícia, “encurtando a distância e minimizando as saudades”. Na sala, colocou uma ‘smart’ TV onde consegue ver vídeos da sua terra e usa o ‘whatsapp’ para falar com familiares da terra.
“Ouvi-los e vê-los (os parentes distantes) no telefone na palma das mãos, é quase como se estivessem aqui”, frisou.
A consoada, essa terá sempre “um pouco de bacalhau que tentamos fazer render. Também preparamos canja de galinha e carne-de-vinho-e-alhos, broas de coco, de mel e manteiga, e bolo com chocolate. Antes comprávamos castanhas e cerejas, mas ficaram tão caras que com o que custam podemos preparar outras coisas”, explicou.
Para a diretora clínica da RUMO, uma plataforma online de saúde mental, que presta apoio em português a quem está longe de Portugal, considera que, “para os que ficam, e gostariam de estar no seu país de origem, com os seus amigos e familiares, é por si só, mais um desafio que esta época promove”.
“Muitas pessoas poderão sentir necessidades associadas a um maior recolhimento, procura de conforto, distração ou segurança. O impacto, em cada pessoa, dependerá de uma série de fatores que a época e contexto amplificam, como por exemplo o desconforto ou mal-estar. Algumas pessoas podem sentir-se com maior tristeza, mais cansadas, onde a fadiga também se associa à “correria do fim do ano”. Outras, sentem mais stresse e tensão, quando pensam em tudo o que não vai acontecer, disse Carolina Oliveira Borges à agência Lusa.
Reconhecendo que possa existir “alguma dor associada a esses momentos”, a psicóloga recomenda: “Podem ser combinados convívios digitais para atenuar a saudade de escutar a voz e vermos aquelas pessoas que tanto gostamos, potenciando momentos de gratidão por podermos continuar em relação com aquelas pessoas e dizer-lhes isso”.
“O uso das tecnologias pode ajudar a diminuir a distância. É importante as pessoas terem consciência de como utilizam as plataformas sociais e qual o objetivo da sua utilização”, indicou.
A este propósito, contou que a RUMO utiliza meios digitais para realizar apoio psicológico desde 2007. Nessa altura, a equipa tinha quatro profissionais da área da psicologia e tinha os seus clientes maioritariamente no Reino Unido e em França. Atualmente contam com mais de 40 profissionais e clientes em mais de 20 países.
Natural do Porto há 72 anos, Fernando Couto, está desde 1991 na África do Sul. “Acabo de chegar de Portugal, tenho lá familiares, embora já não tenha o meu pai e a minha mãe, mas tenho tios e primos, vamos manter-nos em contacto através do Whatsapp ou do Facebook, e aqui, a minha família está cá toda, os meus filhos, netos, e também o meu irmão, e julgo que vamos passar o Natal todos juntos aqui, na casa de um deles, provavelmente será na casa da minha filha mais velha”.
Na África do Sul, apesar da crise, “compra-se o bacalhau aqui no Mediterrâneo, depois há alguns doces de Natal, no dia a seguir, 25, é o farrapo velho ou roupa velha como é conhecido em alguns sítios, e basicamente é isso”, resume.
“A saudade existe sempre, eu adoro muito Portugal como país, é um país maravilhoso, obviamente que a opção de viver fora de Portugal mantém-me afastado e vou muito menos agora a Portugal desde a morte do meu pai, a minha mãe já tinha falecido há mitos anos ainda quando eu estava em Moçambique, mas com a morte do meu Pai tornou-se mais raras as minhas viagens”, explicou.
Já Michael Catanho, 32 anos, nasceu na África do Sul, filho de imigrantes madeirenses oriundos de São Vicente e do Funchal. A família é proprietária do popular restaurante de comida tradicional portuguesa O Vicente, em Bedfordview, sul de Joanesburgo.
“Este ano, a minha mãe, a minha esposa e eu vamos estar na Austrália, de visita às minhas tias, as irmãs da minha mãe, e o pai estará aqui na África do Sul, infelizmente, para tomar conta do negócio, mas geralmente passamos o Natal todos juntos sempre que possível, este ano será um pouco diferente”, explicou.
“Habitualmente usamos o Facebook para comunicar, como a minha irmã está na Madeira e o meu pai aqui, teremos de usar uma das plataformas”, salientou o lusodescendente, justificando a viagem à Austrália.
“A minha mãe quer estar com as irmãs, a minha mulher nunca lá foi e a minha última visita [à Austrália] foi há 11 anos”, recorda, esperando que as tradições se mantenham quase nos antípodas de Portugal.
“Espero que haja bacalhau, não sei o que a família na Austrália planeou [para este Natal], mas julgo que será o caso. São portugueses, e se não for o caso, eu próprio vou levar o bacalhau”, brincou.
Já o pai estará sozinho em Joanesburgo, à distância de uma videochamada: “Pretty much, infelizmente, este ano”