‘Corpo e Alma’: no sonho tudo é perfeito
Parece haver mais do que um filme em Corpo e Alma, a bela surpresa da cineasta húngara Ildikó Enyedi que nos intriga, surpreende e deslumbra com a mais insólita história de amor que recordamos, aqui paredes meias com a dignidade animal. Para já, considerado um dos candidatos aos nomeados ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Talvez a formação em arte e media conceptual da cineasta tenha ajudado à montagem complexa, mas ao mesmo tempo fluída desta história que aflora diferentes narrativas. É um filme feito de pequenos gestos, olhares, mas também uma comunicação onde o onírico se cruza com a realidade da forma mais inesperada e um romance acontece num mundo quase virtual. Tudo isto num meticuloso trabalho de composição e trabalho de câmara. Podemos estar no início do festival, mas este ‘corpo e alma’ fica já pré-selecionado para prémios.
Sim, temos de falar da história, a tal narrativa sinuosa que mistura e combina homens e os bovinos de um matadouro, um microcosmos onde o sangue a jorros convive com um lado bem mais assético, onde a pulsões animais são confrontadas com inibições e emoções por explorar. Há ainda um cenário idílico natural, de um bosque gelado com um lado onde um casal de veados se encontra e tem uma história para contar. É essa a história de um homem e uma mulher solitários que se encontram apenas num sonho que partilham em comum. É isso o corpo e a alma.
A pacatez de um matadouro em Budapeste será abalada com a chegada de uma taciturna e ultra-rigorosa diretora de qualidade que aplica as regras by the book. Aliás, com Mariá, numa notável composição de Alexandra Borbély (recentemente vencedora do prémio de Melhor Atriz do ano, nos European Film Awards), tudo é medido com rigor, até porque o seu cérebro prodigioso regista tudo como se fosse uma máquina. Ele é Endre (o estreante Morcsányi Géza), diretor financeiro e gerente do matadouro, com um braço paralisado que se interessa discretamente pela tímida Mariá.
Nesta cuidadosa auscultação dos sentimentos e instintos mais humanos ou animais, nota-se um tricotar de guião que nos ilude sempre que tentamos antecipar o rumo das personagens. Isto até um climax final que nos atravessa e nos rende ao tema musical de Laura Marlin. Corpo e Alma merece ser partilhado por um público fora dos festivais. Finalmente chega ao nosso país.
(artigo escrito por Paulo Portugal e em parceria com Insider.pt)