Entrevista. Rita da Nova: “Começo a ter uma voz que pode ser importante nos temas de representatividade no mundo editorial”
“As coisas que faltam” é o primeiro romance de Rita da Nova. No podcast “Ponto Final, Parágrafo”, a autora explica como foi o processo de escrita e construção de personagens, o distanciar da realidade e o ultrapassar de bloqueios. A escritora fala ainda sobre como os leitores estão a receber o livro e revela que já tem ideias para uma próxima história. Como jovem mulher publicada, explica que está muito grata pelo apoio da comunidade de leitores.
Magda Cruz: Tiveste a ideia para a primeira frase do teu novo livro quando estavas a tomar banho. Quão cara ficou a conta da água?
Rita da Nova: Não ficou muito cara. Eu tive poucos bloqueios de escrita, podemos dizer assim…
MC: Tiveste só indecisões de onde pôr certas partes no livro.
RdN: Sim, essencialmente. O que acontece é: este livro é todo escrito na primeira pessoa e, por isso, acho que parte do meu processo foi entrar nesta pessoa. Porque ela tem muito pouco a ver comigo. Não vou dizer que não tem nada a ver… Tem pouquíssimo a ver. Então, eu acho que parte dos meus dias foram tentar encaixar-me dentro dessa personagem e encontrar a vossa dela. E sabemos que essas coisas acontecem sempre quando nós estamos em piloto automático, nomeadamente no banho, a conduzir, contextos em que não dá jeito nenhum escrever, não é?
MC: Tinhas de sair do banho, molhar o chão, para apontar a frase…
RdN: Não, não. Eu tenho a sorte de ter boa memória quando são estas coisas. Então, estive no banho a repetir a frase para mim, para não me esquecer. Assim que saí do banho, fui a correr às notas do telemóvel e escrevi. Tive essa ideia de começar o livro ainda numa fase em que o livro não estava a ser escrito. Ele estava a ser estruturado para ser apresentado à editora, estava a fazer a sinopse, a desenvolver o enredo nos seus pontos principais, e soube que queria começar assim. Isso ajudou-me muito. Foi uma boa maneira de…”Se eu sei que esta é a minha primeira frase do livro, então eu sei em que fase da vida desta pessoa é que o livro começa”.
MC: Depois, o fim também já estava bastante claro na tua cabeça desde o início.
RdN: Sim, sim, porque o fim é inspirado num acontecimento da vida da minha família, como muitas outras coisas deste livro. Eu sabia que queria que aquele fosse o fim. Não vou estragar para quem não leu, mas sabia que queria que terminasse dessa forma. A maneira como tinha pensado para a ação se desenrolar foi diferente.
MC: Para o teu livro, “As coisas que faltam”, tiveste também o cuidado de fazer pesquisa e ver a ciência por trás do tema.
RdN: A Ciência e a Psicologia ajudam muito quando estás a querer explorar uma coisa que, mesmo sendo uma verdade universal, não é igual para toda as pessoas. Por isso, a história desta mulher, da Ana Luís, não pretende ser o exemplo de todas as histórias de ausência parental. Ela é um exemplo no meio de várias coisas. E tenho a sorte de muitas mulheres e alguns homens me dizerem “Eu identifiquei-me muito com esta história. Não foi sempre a minha, mas houve aqui pontos em que foi, efetivamente, a minha história.” É bom perceber que o trabalho que fiz não foi em vão, esta pesquisa, esta leitura. Mesmo que, lá está, não tenha conseguido representar, com uma história, todas as vivências porque isso é sempre impossível.
MC: À data a que estamos a gravar, o livro vai na terceira edição. Mas tinhas chegado à segunda edição nem uma semana tinha passado da pré-venda da primeira. A Rita que começou a escrever este livro consegue acreditar nisto?
RdN: Nem a Rita que começou a escrever nem a Rita de hoje. Eu digo sempre isso e as pessoas dizem que é falsa modéstia. Não é. Tenho alguma noção do mercado editorial português e sei que é muito difícil uma autora mulher – infelizmente -, jovem, com o seu primeiro romance estar nos “tops”, chegar a uma terceira edição, ser acarinhado desta forma. É mesmo muito, muito, muito bom que isto esteja a acontecer, mas também sei que isto não é a regra. Sinto-me super honrada por me estar a acontecer e acho que, com muita responsabilidade em cima. Começo a ter uma voz que pode ser importante nestes temas de representatividade no mundo editorial, sobretudo representatividade feminina, jovem. Infelizmente, como sabemos, não é o mercado perfeito para uma jovem autora singrar. E estou muito contente que a comunidade que me acompanha de outros projetos tenha sido uma impulsionadora tão boa disto. E só espero que a qualidade do livro corresponda a todo o “hype” que teve antes de estar cá fora.
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“Ponto Final, Parágrafo” é um podcast sobre literatura, conduzido por Magda Cruz, na ESCS FM em parceria com a Comunidade Cultura e Arte. Já conta com mais de 60 entrevistas a quem escreve e a quem lê. Pode ser ouvido em todas as plataformas de áudio.