Jean Piaget, o psicólogo de desenvolvimento

por Lucas Brandão,    9 Agosto, 2016
Jean Piaget, o psicólogo de desenvolvimento

No rescaldo da revolução encetada por Sigmund Freud e na consolidação da psicologia como fusão de ciência com sociedade, surge Jean Piaget. De origem suíça, tentou teorizar o desenvolvimento do ser humano desde os seus primeiros anos de idade. Estruturando a evolução do pensamento a partir de distintas partes cognitivas, construiu um legado que foi aflorado e reforçado pelos seus sucessores nesta relativamente recente ciência social. É na divergência das posturas previamente assumidas que emerge como agente diferenciador e perpetuador de uma nova construção sobre o humano.

Jean William Fritz Piaget nasceu na cidade suíça de Neuchatel a 9 de agosto de 1896. Exibindo desde cedo um interesse peculiar pela Natureza e pelas suas evidências, começou já em criança a realizar estudos sobre os moluscos dos lagos do seu país. Atingindo a sua adolescência, ingressa em diversos cursos, como Matemática, Biologia, Química e Geologia, concretizando o doutoramento em Ciências aos 21 anos. Em simultâneo, cursa Filosofia, Epistemologia e Lógica. Toda esta bagagem académica permitiu a Jean Piaget angariar as condições necessárias para o desenvolvimento de uma perspetiva interdisciplinar e sistémica.

Com isto, dedica-se à psicologia e psiquiatria, cooperando com o francês Alfred Binet na aplicação de testes de inteligência para crianças durante uma década. Esta atividade acabou por fomentar o gosto do suíço por estudar o desenvolvimento intelectual da criança e por lhe conferir dados relevantes para a investigação a desenvolver no futuro. Em 1921, casado e com três filhos, avalia as suas teorias a partir da observação do crescimento dos seus pupilos, o que propicia a construção da perspetiva do desenvolvimento cognitivo. O ponto de partida é o critério qualitativo que norteia a comparação entre diferentes formas de pensar de crianças com idades distintas. Dois anos depois, publica a sua primeira obra A Linguagem e o Pensamento na Criança e, na sucessão do seu lançamento, passa a lecionar Filosofia na universidade da cidade que o viu nascer. A década de 30 chega e, em 1933, passa a ser responsável pelo Instituto Jean-Jacques Rousseau, onde priva com vários investigadores e com quem desenvolve várias obras, tais como a sua compatriota Barbel Inhelder.

Já nos anos 50, cria e administra o Centro Internacional de Epistemologia Genética, sediado em Genebra. Enquanto coordena esta instituição, prossegue ativo num panorama internacional, trabalhando com o Centro Internacional de Educação da UNESCO. Também a docência nunca se divorciou da sua atividade, já que Jean Piaget prosseguiu como professor de Psicologia e de Epistemologia em várias universidades, tais como a parisiense Sorbonne. Aos 85 anos, em 1980, partiu em Genebra, deixando o seu Centro de Epistemologia Genética no ativo e sem problemas de sucessão. Com uma vasta obra, redigiu mais de cinquenta livros e quinhentos artigos, onde explora os diferentes mecanismos do desenvolvimento intelectual da criança. A forma que esta empreende na resolução de problemas, para além da distinção das diferentes operações cognitivas, é sistematizada e estruturada num grupo de estádios de evolução. Alguns dos seus insignes trabalhos são Seis Estudos de Psicologia, A Construção do Real na Criança, O Desenvolvimento da Noção de Tempo na Criança, A Equilibração das Estruturas Cognitivas, Da Lógica da Criança à Lógica do Adolescente e A Epistemologia Genética.

A década que viu Jean Piaget entrar no panorama da psicologia estava dominado por duas posições opostas entre si. De um lado, o gestalismo, que defende a existência de estruturas inatas no cérebro que determinam a organização das experiências e aprendizagens do indivíduo. Do outro, o behaviorismo, que advoga a influência do meio-ambiente na evolução do ser humano. O suíço conhece-as mas afasta-se das mesmas, considerando que eram as ações do sujeito que construíam os seus conhecimentos. Assim, emerge como um interacionista, em que o indivíduo é parte ativa do processo de conhecer e no pendor da inteligência. É este processo que se estrutura em estádios de desenvolvimento, mostrando-se construtivista por essência.

Antes de se considerar as etapas da evolução humana, existem algumas noções a abordar para que se compreenda a proposta de Piaget. Na espinha dorsal da perspetiva, encontra-se o esquema, este que inclui as ações fundamentais do conhecimento, podendo estas ser de cariz físico (p.e. visão ou succção) ou mental (p.e. classificação ou comparação). As novas experiências são assimiladas num esquema, enquanto que um esquema é gerado ou alterado por acomodação. A adaptação reporta para a modificação dos comportamentos associados ao equilíbrio das relações entre o meio e o organismo. Esta advém da assimilação ou da associação. Pela primeira, entende-se como a integração dos novos dados nos esquemas anteriormente compostos, enquanto que a segunda consiste na reformulação das estruturas precedentes perante o surgimento de novas incidências. A inteligência constrói-se, assim, a partir da equilibração entre estes processos. A equilibração permite a adequação da assimilação à acomodação e vice-versa, dando a oportunidade da criança manter uma visão coerente e lúcida do mundo que a rodeia e no qual está inserida.

Passando aos estádios de desenvolvimento, estes são quatro e possuem como elementos identitativos o período de tempo no qual decorrem. O primeiro, o estádio sensório-motor, sucede-se desde o nascimento até aos dois anos. Essencialmente sensorial e reflexa, a inteligência toma como direção a permanência do objeto. Esta premissa sumariza a ocasião na qual a criança procura um objeto escondido por ter a noção de que este existe não obstante não o ver. O segundo passa-se desde os dois até aos seis/sete anos de idade da criança. Emerge neste estádio pré-operatório a função simbólica, esta que possibilita a representação mental de objetos ou acontecimentos através de palavras, gestos ou objetos. Surge nesta etapa uma linguagem que se associa ao pensamento intuitivo, este ainda muito enraizado nos dados sensoriais recolhidos até então. Outra das particularidades deste estado é o egocentrismo, em que a criança é dominada por uma visão unilateral e superficial de uma realidade que se torna unicamente sua. De seguida, dos seis/sete aos onze/doze anos assiste-se ao florescimento do estádio das operações concretas, onde o pensamento começa a adquirir uma base lógica e conceptual e torna-se capaz de resolver problemas autonomamente. Nesta etapa, a criança consegue discernir quanto a variáveis como o espaço, o tempo e número e desenvolve as noções de conservação da matéria, do peso e do volume. Por fim, e no resplandecer de um pensamento formal e abstrato, nasce o estádio das operações formais, que se prolonga desde os onze/doze anos até aos dezasseis. É neste que finda o desenvolvimento da cognição da criança e no qual se proporciona o surgimento do raciocínio hipotético-dedutivo, em que hipóteses são colocadas e as respetivas conclusões deduzidas. Aqui, tal como no segundo estádio, surge um vício egocentrista, sendo este de origem intelectual. Aqui, o já adolescente crê que o seu pensamento é capaz de resolver todos os problemas com os quais se depara, para além de colocar as suas convicções como máximas de toda a existência.

Jean Piaget afirmou-se como um dos principais nomes da psicologia do desenvolvimento. Mesclando o método clínico que incorporou na sua formação científica com a observação naturalista que o acompanhou desde criança, o suíço desenvolveu uma distinta metodologia de investigação. Uma postura ativa e proativa vislumbrou-se como fundamental na atuação e na configuração de respostas para as suas propostas. A sua epistemologia genética apresenta-se como a tentativa de compreender a natureza e a origem do conhecimento, assentando numa nova forma de percecionar a criança no processo da aquisição e da aprendizagem. A correlação entre a genética e o ambiente resultou numa inteligente e sustentada visão da cognição do ser humano. Desde então, o conhecimento e o pensamento nunca mais se dissociaram deste dualismo inevitável. A razão com a natureza, a ciência com o ambiente, a genética com a sociedade. Um novo fôlego, um novo rosto de eternidade para a psicologia. O nome fica no ouvido, no livro e na memória. É Jean Piaget, o psicólogo do desenvolvimento.

 

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