A luta anti-propinas não morreu (para surpresa de uns, agoiro para outros)
Qualquer aluno no ensino superior sabe que uma das perguntas chave que irá ouvir se precisar de ir aos serviços académicos da sua instituição de ensino é se já pagou as propinas (ou em outras versões da mesma premissa: se a sua conta corrente está regularizada).
A razão e a insistência nesta pergunta deve-se a que um aluno que não tenha as suas prestações de propinas regularizadas não pode aceder a nenhum serviço académico prestado pela Universidade, desde o pagamento de certificados ou mudança de unidades curriculares. Se é ouvido pelos corredores da faculdade piadas ou referências ao pagamento de propinas ou premissas como: “Se já pago propinas porque tenho também de pagar todas as outras taxas” o que numa lógica mercantilista parece razoavelmente válido, como é que a comunidade académica assumiu, ao longo deste anos, uma total passividade em relação ao tema? Como se explica a passividade dos alunos perante as condições a que estão sujeitos no ensino superior público, onde aguentam com a opressão que lhes é imposta no dia-a-dia?
A razão parece estar na ideia implementada ao longo de quase 25 anos em que o regime de propinas vive em Portugal e se adensou, oprimindo o estudante com a ideia de que é um sistema que veio para ficar e que por muitas lutas que se façam não mudará, antes pelo contrário, agrava-se ao longo dos anos. Se na década de ‘90, os estudantes do ensino superior foram apanhados de surpresa pela introdução de propinas e se revoltaram contra as mesmas. Passado um quarto de século, qual é o actual panorama do movimento estudantil?
Apesar da inércia de parte considerável das Federações e Associações Académicas, que servem de tampão à contestação estudantil, a luta anti-propinas floresceu em algumas faculdades. Isso dependeu da irreverência de muitos estudantes que não tiveram medo de se representar a si próprios ao invés de esperar ad eternum pelas “estruturas associativas de peso”.
As condições de vida têm vindo a piorar nos últimos 25 anos, principalmente nos anos de “intervenção externa”. Meio milhão de portugueses emigrou, o desemprego jovem atingiu os 40%, a excepção da precariedade virou regra. A título de exemplo, em 2018, um recém licenciado não só não tem um emprego garantido como pode nunca arranjar trabalho na área que estudou e para sempre viver em regime de precariedade Para além disto, o preço a pagar para frequentar o Ensino Superior força a que muitos estudantes desistam de acabar os seus cursos ou nem sequer se candidatem, o que nos obriga a assumir que antes dos números do abandono escolar do ensino superior, temos os sonhos abandonados por milhares de jovens. As bolsas de Acção Social não são suficientes para o custo de frequência no Ensino Superior e o atraso no seu pagamento adensa ainda mais esta realidade. Receber a bolsa em Fevereiro, para muitos, é sinónimo de desistência em Dezembro.
É necessário agir. Se os estudantes de Coimbra conseguiram aparentemente travar o processo de passagem a regime fundacional da sua Universidade, o que impede o resto da comunidade estudantil de reagir em massa? Que o exemplo de Coimbra, que saiu à rua contra a Fundação, ou do Porto e Lisboa, que exigem o fim das propinas, se tornem virais. Precisamos de um antídoto para contaminar o vírus que invadiu o Ensino Superior.
A luta anti-propinas não morreu (para surpresa de uns, agoiro para outros).
Texto de Sara Azul, linguista e dirigente Estudantil da Associação de Estudantes da Faculdade de Letras da UP