“…Mas a Universidade é Velha”
Comemoram-se os cinquenta anos do ‘Maio de 68’. Universidades, entidades públicas e privadas, organismos do Estado, têm, de uma forma ou de outra, assinalado a data. Entre o discurso oficial sobre o acontecimento, que ensaia um esvaziamento do seu caráter anticapitalista, podemos adicionar a isso um silêncio colossal: a discussão sobre a Universidade como instrumento de transformação social.
Começo pelo fim: 2018 e a Academia continua excludente. Talvez para os mais distraídos cause estranheza que parte da classe que leciona e investiga seja ainda altamente precária, mesmo com décadas dedicadas à causa do Conhecimento. Saltam de bolsa em bolsa, emigram quando o financiamento do seu projeto chega ao fim, orientam estudantes de mestrado e doutoramento, mas não pertencem aos quadros da Universidade, têm contratos semestrais e nunca sabem se no semestre seguinte são despedidos. Por outro lado, os acessos ao Ensino Superior mantêm-se num patamar onde poucos chegam. Dois em cada três jovens portugueses sente que o seu caminho não passa pela faculdade. O nível de abandono escolar no primeiro ano de licenciatura ronda os 12%, Portugal é o país onde o valor das propinas e a média de bolsas de ação social atribuídas é mais acentuado. Será justamente por todas estas verdades envergonharem qualquer Ministro do Ensino Superior e da Ciência e qualquer reitor que o assunto não se discute seriamente? E se 2018 fosse o novo 1968?
O “processo de normalização” do Maio de ‘68 está em curso. Em Portugal, as comemorações centram-se na ideia da nova vaga “individualista” que fez o seu caminho até ao triunfo do neoliberalismo, da liberdade sexual como se de uma alteração hormonal naquela geração se tratasse, desligada de um sentido político contra-cultura que disputava, no espaço da sociedade francesa, uma batalha contra o conservadorismo e o moralismo. Há que desdramatizar e tornar a coisa simpática. Para os capitalistas mais criativos, adeptos do empreendedorismo, até encontrarão nas míticas frases daquele Maio boas estampagens para um qualquer negócio de merchandising.
Em França, os seus agentes políticos da Direita sabem que não é assim. Macron, o novo Napoleão, garantiu que o seu país não comemorasse oficialmente a data. Essa decisão gerou, a adicionar a justos protestos de uma parte considerável da sociedade gaulesa, uma situação sui generis: os cinquenta anos do Maio de ’68 festejaram-se em todos os países vizinhos, mas onde tudo se passou, desta feita ficou de fora. Sarkozy, em 2007, exorcizou em vários discursos de campanha “os espíritos de ‘68” e apelou à liquidação desta herança. Não o fizeram com certeza porque sentiram que o acontecimento tinha chocado o ovo neoliberal, de que os dois se dizem filhos.
Meio século após o epicentro do sismo que abalou Paris e o Mundo ter sido a Universidade, vivemos na “Era do Conhecimento” mas voltamos a não disputar ideias sobre o papel da Academia. O seu acesso, as suas ferramentas, os seus agentes, os seus donos e os seus servos… Será que os inventores da expressão acima citada são quem mais foge desta disputa no campo das ideias e das ações?
“…Mas a Universidade é Velha” foi uma frase pintada numa das faixas que se ergueram aquando da crise académica de 1969, em Coimbra. 2018 e precisamos, outra vez, de alunos que se transformem em estudantes.
Comemoram-se os cinquenta anos do ‘Maio de 68’. Universidades, entidades públicas e privadas, organismos do Estado, têm, de uma forma ou de outra, assinalado a data. Entre o discurso oficial sobre o acontecimento, que ensaia um esvaziamento do seu caráter anticapitalista, podemos adicionar a isso um silêncio colossal: a discussão sobre a Universidade como instrumento de transformação social.
Crónica escrita pelo Deputado do Bloco de Esquerda Luís Monteiro