A arte e a cultura são alternativa à estagnação e receitas fundamentais para a liberdade individual
Eu não discuto números. Eu não discuto se o investimento da cultura devia representar 1% do nosso PIB ou 0,5%. O que eu quero discutir é a importância da cultura no desenvolvimento de uma sociedade, incluindo a portuguesa, e como é que olhamos para esta área. Discutir somente números parece-me entrar num ciclo vicioso em que não se discute realmente os problemas. Será que com 1% de investimento na cultura, a nossa sociedade muda ao ponto de todas as organizações e instituições rejuvenescerem como também os próprios espectadores?
É importante fazer um debate sobre o investimento, sim. Mas não nos fixemos em números simbólicos, só porque são a média europeia. Se calhar, até podemos ir mais longe que a média europeia. É importante compreender o desinteresse dos espectadores pelo teatro ou pela dança e porque é que surgiu um boom de festivais de música. A cultura de um país define não só a qualidade da democracia na sociedade como também a diversidade na sociedade. O contrario seria viver num país homogéneo, ignorante e facilmente manipulável. A arte e a cultura são alternativa à estagnação e receitas fundamentais para a liberdade individual.
Num país em que o futebol tem uma importância tão grande que a elite, incluindo os políticos, vão gratuitamente aos jogos de futebol e pertencem a programas de comentários sobre o mesmo, mas não vão ao cinema ou ao teatro regularmente. Portugal é um país praticamente parado no tempo e cujas prioridades estão claramente definidas. Num país que se orgulha de forma egoísta de ter os maiores artistas em várias áreas, mas que continua a dar mais importância a dramas de quarta-feira à noite sobre treinadores ou gestores de equipas cujos argumentos se resumem quase na lógica de “o meu é maior que o teu”, nunca conseguirá progredir nos seus valores ou até manter as suas tradições e patrimónios. Para ser mais claro, em 2016, o agregado familiar reduziu os seus gastos em cultura, comparativamente ao ano de 2011, em 21.2%, segundo dados do INE. Este número coloca-nos, infelizmente, na liga dos últimos, mesmo comparativamente a países mais pobres que nós na União Europeia. Relativamente aos espectadores no cinema, o aumento não foi significativo e não segue a trajectória geral do consumo de eventos culturais, que aumentou em quase 19%, segundo a mesma fonte. Apesar disto, o número de espectadores em produções cinematográficas nacionais diminui. O aumento das visitas aos museus depende em grande medida dos turistas que representam quase metade da totalidade. Sendo assim, facilmente podemos perceber que a distribuição de espectadores em eventos culturais é muito bipolar existindo, assim, em inúmeras áreas mais do que uma simples falência financeira, uma perda de valores e de um palco, algo que é essencial para qualquer artista. Por isso, mais do que um problema de meros números, é um problema social e geracional.
O nome de Camões, de Pessoa ou de Saramago (e outros) não pode prevalecer para sempre num país que esquece grande parte dos seus artistas actuais, mas que, ao mesmo tempo, faz deles os heróis da nação quando ganham um prémio internacional. Os artistas não são meros objectos de regozijo da nossa sociedade. Eles expressam o que um cidadão comum não consegue e esse mesmo cidadão agradece por ser compreendido. Esta relação é complexa, mas quando resulta beneficia ambas as partes.
Obrigado aos artistas que conseguiram sobreviver, porque vocês vão mais além do que a maioria da sociedade pensa e sofrem mais do que a maioria da sociedade quer admitir.