A democracia cristã (e não só) em Diogo Freitas do Amaral
Este artigo faz parte de uma série de textos sobre figuras políticas relevantes da sociedade portuguesa. Álvaro Cunhal, Diogo Freitas do Amaral, Francisco Sá Carneiro, Mário Soares, Miguel Portas e Ramalho Eanes foram as figuras escolhidas.
Diogo Freitas do Amaral é uma das referências da pluralidade da democracia portuguesa, em especial no período que logo se sucedeu ao 25 de abril. Fundou um partido – o Centro Democrático Social (CDS) – e, nele, apresentou as suas propostas para o país. Esteve perto de ser Primeiro Ministro e até Presidente da República, mas nunca o foi. Acabaria o seu percurso político no PS, como Ministro dos Negócios Estrangeiros, já bem distante daquilo que o CDS era então. Corriam os meados da primeira década dos 2000 e a sua visão do CDS já estava distante, no tempo, embora a sua influência e os seus preceitos lá perdurassem.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral nasceu a 21 de julho de 1941, na Póvoa de Varzim, falecendo aos 78 anos em Lisboa. Apesar de nascer a norte, dedicou toda a sua vida e o seu trabalho a Lisboa. Estudou no Liceu Pedro Nunes e, aos 18 anos, entrou na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, graduando-se em 1963. A sua atividade associativa começou logo aí, quando colaborou com a Associação Académica da Faculdade e escreveu na sua revista, a Quadrante. O seu longo percurso académico começou aí, completando os estudos em Direito Administrativo – era um dos pupilos de Marcelo Caetano, um dos principais teóricos em Direito Administrativo antes de chefiar o governo do Estado Novo, permanecendo perto do seu “mestre e amigo” até à queda do regime – e tornando-se doutor em Ciências Jurídico-Políticas em 1967 com a defesa da tese “A execução das sentenças dos tribunais administrativos”. Dedicou-se, em simultâneo com a política, ao ensino, tornando-se presidente do Conselho Científico e professor catedrático, para além de ajudar a prestigiar a Faculdade de Direito da Universidade Católica e a da Universidade Nova de Lisboa. Daria a sua última aula em 2007 nesta, que ajudara a fundar, refletindo sobre as alterações e transformações do Direito Administrativo desde 1957. Tornar-se-ia, assim, numa das referências nacionais dessa área, para além de contribuir para o estudo do Direito Público da Economia.
Freitas do Amaral visava, à boa maneira europeia, e a partir de um Estado de Direito, que a democracia no pós-25 de abril sentisse a influência cristã, nomeadamente no sentido ético da justiça e da sociedade. Defendia, assim, um Estado menos centralizado, capaz de ter diferentes órgãos de poder autónomos, que pudessem traduzir a liberdade e a solidariedade cristãs. Eram as bases para uma justiça social que se queria equilibrada, contando com a figura do Estado como regulador da iniciativa individual e privada, embora conservadores em vários aspetos sociais, que a moral e a ética, de certa forma, orientassem. Foi esta proposta que Freitas do Amaral, ao lado de nomes como Adelino Amaro da Costa, Basílio Horta e Victor Sá Machado, levou a cabo até à fundação do Partido do Centro Democrático Social, em julho de 1974. Perante a convulsão que se seguiu à Revolução de Abril, era o único partido mais à direita que ia resistindo, sobrevivendo às investidas de extrema-direita protagonizadas por António de Spínola e assumindo-se como um partido de centro. Foi um partido que conseguiu acolher vários dos membros do anterior regime (exemplo disto é Adriano Moreira, futuro líder do partido e ex-Ministro do Ultramar de Salazar), tendo contribuído para a pacificação do ambiente tenso que se vivia. O CDS defendia a existência de uma democracia liberal, que se fez ouvir no primeiro comício do partido, em 1975, no Palácio de Cristal, no Porto. Era um partido de oposição, que pretendia um novo modelo socioeconómico e a reforma das estruturas militares, que se encontravam imiscuídas no PREC (Processo Revolucionário em Curso).
Tendo Freitas do Amaral sido o seu primeiro líder, presidiu-o até 1982, regressando entre 1988 e 1991. Teria uma palavra a dizer na Constituição da República de 1976, quando foi eleito deputado à Assembleia Constituinte, embora acabasse por votar contra a sua aprovação, dado o teor socialista subjacente ao documento. Como deputado, foi-o até 1983, regressando entre 1991 e 1993. A ocasião em que esteve mais perto de ser primeiro-ministro foi na coligação Aliança Democrática, que venceu as legislativas com maioria absoluta no ano de 1979. Ao lado do Partido Social Democrata, de Francisco Sá Carneiro – seria este o primeiro-ministro dessa legislatura – e do Partido Popular Monárquico, de Gonçalo Ribeiro Teles, Freitas do Amaral tornou-se vice-primeiro-ministro e foi Ministro dos Negócios Estrangeiros até à tragédia de Camarate, que vitimou mortalmente Sá Carneiro. Freitas do Amaral assumiu as rédeas do governo interinamente até à ocasião em que Francisco Pinto Balsemão se tornou primeiro-ministro. Aí, acumulou o cargo de vice-primeiro-ministro com o Ministério da Defesa. Contribuiu, de igual modo, para que houvesse uma revisão constitucional em 1982, procurando mitigar o tom socialista da Constituição, por via da extinção do Conselho da Revolução e da criação do Tribunal Constitucional, que, daí em diante, fiscalizaria o cumprimento da Constituição. O seu papel na importação da democracia cristã em Portugal ajudou-o a que se tornasse presidente da União Europeia das Democracias Cristãs por dois anos; assim como encabeçar uma candidatura à Presidência da República em 1986, perdendo para Mário Soares.
Em 1992, afastar-se-ia da política ativa e do CDS, acabando por assumir a presidência da Assembleia Geral das Nações Unidas três anos depois. Surpreendente seria, uns anos depois, o seu regresso à política nas funções de Ministro dos Negócios Estrangeiros da legislatura chefiada por José Sócrates, líder do Partido Socialista, partido que Freitas do Amaral havia sempre combatido, funções que manteve durante um ano. Permanecia, assim, como alguém com ideias de centro, com valores de direita a contrastar com uma posição progressista e europeísta, opondo-se à invasão do Iraque e até à presença da Troika em Portugal.
“Houve uma primeira fase em que, com o país virado à esquerda, acentuei sobretudo valores de direita. E uma segunda fase em que, julgando eu que o país estava demasiado virado à direita, acentuei sobretudo valores de esquerda”.
Freitas do Amaral foi, assim responsável por trazer a democracia cristã para o panorama democrático e partidário de Portugal. A sua formação em Direito, que fez intenções de lecionar e de legar aos portugueses, e o seu papel como rosto primário do CDS fazem dele um vulto incontornável da sociedade contemporânea nacional. Não obstante, herdou alguns dos princípios marcelistas, que já indiciavam um certo relaxamento na doutrina do regime, embora o procurasse fundir com a base democrática, que não existia no regime anterior. Foi a principal voz contra o radical “social”, embora chegasse a abraçá-lo numa fase tardia da sua carreira. Porém, fica o testemunho de uma voz que se fez ouvir por uma alternativa necessária para zelar a pluralidade tão necessária em qualquer democracia.