A estreia de Ana Bárbara Pedrosa com “Lisboa, Chão Sagrado”
Quantas vezes não se diz que o âmago de uma relação está na cama? Que é no que há de mais impulsivo e selvagem que se vê o verdadeiro carácter de algo?
No seu primeiro romance, Lisboa, Chão Sagrado, publicado pela Bertrand, Ana Bárbara Pedrosa pretende, precisamente, analisar cinco personagens pelo que as suas relações carnais revelam sobre os seus problemas, as suas angústias, as suas vidas.
Acompanhamos, inicialmente, a relação de Mariana e Eduarda, a primeira com vinte e poucos anos, a segunda na casa dos cinquenta, ambas abismadas por se sentirem mutuamente atraídas, com tal diferença de idades. A relação parece, no entanto, ser sempre mais significativa para Mariana. Eduarda é um mundo que se lhe abre, já tendo passado por tanto ao longo da sua vida. Jornalista, já viveu em vários países diferentes, e a Lisboa que as une cedo se afasta.
Mas, se a cama é o centro do livro, no caso da relação entre Mariana e Eduarda parece haver pouco mais que uma banal relação cujo principal eixo de tensão é a diferença de idades e de vida entre ambas. A relação que oferece algo de contraditório e limite é outra, entre Noé e Matias, o primeiro um rapaz transsexual que de homem só não tem pénis, e o segundo um brasileiro obcecado com mulheres e sexo que vem para Lisboa atrás de Eduarda, por quem se apaixonara no Rio de Janeiro e que descobre, já em Lisboa, ser lésbica, quando esta lhe conta que está com Mariana.
Nenhum deles estivera com um homem antes de estar um com o outro, e se para Matias é muito complicado inicialmente revelar que não tem um pénis, já que tenta ser o mais masculino possível, para Noé, que não olhava para si próprio como gay, o facto de Matias ter ainda uma vagina é uma espécie de negação do seu interesse por homens, possibilitando, de certa forma, que a relação tenha lugar. O abismo intransponível acaba, portanto, por aproximar as personagens.
O problema é que, mesmo no caso de Noé e Matias, a abordagem às personagens acaba por ser sempre francamente superficial. As motivações de cada um são expostas de forma algo simplista e a acção vai decorrendo a ritmo rápido, às vezes com saltos no tempo tão grandes que a situação com que agora nos deparamos é já uma bem diferente daquela que viramos da última vez que estivéramos com aquelas personagens. Várias cenas acabam, portanto, por se precipitar, não lhes sendo dado o tempo para se fixarem na nossa mente e retirando-lhes parte da complexidade e da ambiguidade que poderiam ser lançadas com mais calma. Acabam e, de repente, já estamos noutro espaço, noutro tempo e, muitas vezes, com outras personagens.
Ana Bárbara Pedrosa acaba, no entanto, por exibir a sua flexibilidade discursiva, mudando facilmente do português de Portugal para o português do Brasil (ainda que às vezes de forma demasiado estereotipada), e acaba por se movimentar bem na linguagem visceral do eros que procura, não tendo também medo de abordar os temas de frente. O que poderá o amadurecimento e mais foco trazer-lhe? Estaremos a ver uma das novas vozes da ficção portuguesa? Só o tempo o dirá.