A garraiada e a democracia
“Ao todo, registaram-se 5.638 votos, num universo de cerca de 24 mil estudantes. Os alunos da Universidade de Coimbra decidiram acabar com a garraiada na Queima das Fitas, com o “Não” a registar 70,7% dos votos no referendo”, podia ler-se nos jornais de quarta-feira passada.
Se me perguntarem qual é a minha posição relativamente à garraiada, eu diria que sou contra, porém esse debate já ocorreu e uma posição política foi declarada pelos estudantes da Universidade de Coimbra no dia 13 deste mês. O que agora está em causa é uma polémica relativamente à forma como um grupo de pessoas organizadas, “Coimbra dos Estudantes”, interpretou o resultado do referendo.
A política é algo que faz parte da nossa sociedade, inclusive, e obviamente, num referendo. Com esta nova posição por parte do grupo de estudantes enunciado anteriormente, fico preocupado por duas razões. Claramente foi feita uma interpretação diferente do resultado do referendo e das consequências do mesmo, como também de um entendimento do que é a democracia que, para que fique claro, nunca consegue contentar todos os cidadãos. Acho importante, em termos filosóficos, que a minoria, ainda assim expressiva (26,7%), continue a lutar pelo que defende utilizando a democracia para atingir os seus objectivos. Porém, nunca deve passar por cima do referendo e, acima de tudo, dos valores democráticos que tanto invocam. A outra preocupação, incide na legalidade do hipotético acto. Ao realizarem uma garraiada fora do programa da Queima das Fitas, é importante esclarecerem em que moldes irão fazê-lo e se realmente é de forma independente; e, aí, terão de responder somente perante a lei a que um cidadão comum tem de responder, não como meros estudantes e muito menos estudantes de Coimbra. Mesmo assim, não está só nas mãos das autoridades, mas da sociedade, estudantes e não estudantes, estar atenta aos próximos acontecimentos, porque nunca se tratou de um debate só sobre os estudantes ou a universidade em questão, mas sim da importância das tradições na nossa cultura e da evolução dos nossos valores. Isto, como é óbvio, sem colocar em causa a liberdade das pessoas de realizarem a garraiada, que fique claro.
O argumento da liberdade de expressão costuma ser utilizado nestas situações de uma forma muito perigosa e alienada. A liberdade em democracia, ao contrário do significado que lhe tendemos dar, não significa realmente que a cada cidadão é lhe dada a liberdade total de agir conforme os seus pensamentos ou ideologias. Não faz sentido fazer propaganda ao “sim”, com todo o direito, se após o resultado decidem continuar a realizá-la. Não faz qualquer sentido apoiar um referendo e, por isso, um processo democrático que, teoricamente, serve de barómetro dos sentimentos e posições da população em causa e depois nega-lo e continuar a afirmar que irão continuar a tradição e os valores da Universidade de Coimbra, descredibilizando completamente o sentido de voto da maioria. Para além disto, ao utilizaram como mote “Uma universidade para todos”, leva a crer que se estão a colar à Universidade, o que seria bastante irresponsável e ofensivo até para a maioria dos estudantes que votou a favor da abolição. Percebo que os mesmos queiram continuar a tal tradição, mas, desta forma, conseguiram criar uma verdadeira polémica e criar um fosso entre os que estão a favor e os que estão contra, uma verdadeira divisa. Teria sido mais democrático e justo que este movimento tivesse afirmado a sua posição logo no primeiro dia, mesmo antes do dia do referendo. Por outras palavras, que, independentemente do resultado, isso não os impossibilitava de tentarem realizar a garraiada de outra forma. Assim, foi só pura cobardia dissimulada.
Considero que seja da maior importância saber finalmente qual é o resultado prático do referendo. Por outras palavras, qual vai ser decisão do Conselho de Veteranos; se vão respeitar a decisão da maioria ou ignorá-la o que, só por si, seria um acto político interessante a ter em conta e, assim, espero que os estudantes estejam alerta. Também é de salientar a pequena percentagem de estudantes que foi votar, mas isso já é um sintoma de um problema nacional mais abrangente e que fica para outro dia.