A minha manhã

por Bernardo Oliveira,    17 Outubro, 2021
A minha manhã
Fotografia de Paulina K / Unsplash
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O despertador toca e o novo dia inicia-se. O relógio marca 6 horas e 28 minutos da madrugada. Não sou daquelas pessoas que acha que as horas devem ser marcadas para números redondos. A tendência seria colocar o despertador para as 6 horas e 30 minutos, mas eu não me deixo levar por essas convencionalidades. Até porque esses dois minutos ajudam o corpo a despertar.

Levanto-me e realizo os meus afazeres. Lá fora ainda é escuro e quase ninguém circula pela rua. Numa ponte lá ao fudo, já circulam vários carros, com os faróis ligados. A vida prossegue em todos os minutos.

Ligo a torradeira e coloco o pão lá dentro, enquanto me visto. Parece mentira, mas há muita beleza num simples pão com manteiga. Uma das coisas boas de nos levantarmos cedo é o silêncio, que acompanha o meu pequeno-almoço. O pão estaladiço com manteiga barrada são, entre as comidas simples, uma das mais proveitosas que existem quando disfrutadas no horário matutino. Experimentem por vocês próprios.

Saio de casa, e o caminho até à paragem de autocarro é algo longo, demorando eu entre quinze e vinte minutos.

Piso a rua, e o céu continua escuro. As luzes dos candeeiros estão ligadas, ao contrário das janelas das casas, onde o escuro impera. Enquanto caminho, avisto alguns copos e garrafas de cerveja no chão, fruto da madrugada que, entretanto, se passou. 

Mais à frente, as senhoras da lavandaria de um Hostel iniciam o seu trabalho, ainda em silêncio. Ao descer essa rua, dois ou três gatos caminham vagarosamente, e quando me aproximo deles, para seguir o meu percurso, eles deslocam-se para debaixo dos carros, provavelmente em busca de algum que ainda esteja quente do ao motor. Prevejo-lhes pouca sorte.

De vez em quando, passam por mim uma ou outra pessoa, que interiormente saúdo pela valentia de se levantarem tão cedo. É bastante difícil acordar cedo e largar a cama rumo ao trabalho. Às vezes, são batalhas titânicas que quase nos derrotam, mas num último impulso, saímos vitoriosos. Honra a todas essas pessoas. Merecem-no.

Continuando o meu caminho, avisto um quiosque já aberto, com as notícias fresquinhas prontas a ser lidas. Passado uns metros, um café liga envergonhadamente as suas luzes, que indicam a presença de funcionários, mas que ainda não estão prontos a servir. Mais à frente, há outro café, desta vez a funcionar em pleno, com uma pequena televisão ligada ao fundo, e duas pessoas fora a conversar enquanto fumam um cigarro. Há pessoas que, qualquer que seja a hora, têm sempre forças para conversar.

Passo pela estação de comboios, e há já algumas pessoas, ainda que poucas, que aguardam o comboio para se dirigirem para os seus trabalhos. Hoje não há greve e, portanto, os seus utentes não sofrem com a supressão de horários e podem-se dirigir aos seus postos de trabalho sabendo que terão transporte de regresso até casa.

Chego finalmente à paragem de autocarro. O autocarro já se encontra parado, e daqui a uns minutos segue viagem. Há sempre duas ou três senhoras que aguardam sentadas, com sacos e de máscara colocada. O motorista apresenta-se sempre bem-disposto, e a sua admirável simpatia ajuda os passageiros a encararem o dia com um novo ânimo.

Entro no autocarro e sento-me. O céu já parece estar a ficar claro. O sol vai aparecendo, e as pessoas na rua vão sendo cada vez mais. Contudo, nem todas se levantaram às 6 horas e 28 minutos, nem testemunharam o silêncio que durante os minutos seguintes se pode testemunhar, e que relaxa a alma. Também não viram as senhoras do Hostel, nem o senhor do quiosque dos jornais, nem os cafés que bem cedo se mostram disponíveis para servir as pessoas. Por isso, a manhã deles não é a mesma. Não quer dizer que seja melhor ou pior. Mas é diferente. E eu gosto da diferença da minha manhã.

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