A problemática do 2.º lugar

por Cronista convidado,    26 Janeiro, 2021
A problemática do 2.º lugar
Fotografia de Joshua Golde / Unsplash
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Portugal tem a desvirtude de estar a atravessar duas pandemias em simultâneo: a pandemia da Covid19 que até à data já tomou a vida a mais de dez mil portugueses e a pandemia de “impermeabilização política” que levou à ascensão de um candidato da extrema-direita nas recentes eleições presidenciais.  

Ambos estes cenários pandémicos são tão surpreendentes como expectáveis. A realidade é que, em diferenças de número, a Covid19 e a o partido Chega têm muito em comum. Ambos anestesiaram a população portuguesa a ponto de assumir que as nossas atitudes individuais não afetam a sociedade como um todo. Ambos conseguiram fazer isso de uma forma silenciosa e tácita, mas nunca invisível aos olhos e à consciência das pessoas. O aumento de casos de forma exponencial expõe o incumprimento das medidas de precaução determinadas pelas autoridades de saúde pública e a escolha que perto de meio milhão de portugueses fez  quando vota num candidato que pretende acabar com esse mesmo Sistema Nacional de Saúde que, apesar da pressão imensurável que tem sofrido em dez meses da pandemia, ainda nos tem mantido à tona. 

Isto não é culpabilizar todos os portugueses, nem Portugal em si. Até porque apesar do aumento de casos Portugal manteve-se à par da evolução semelhante noutros países europeus. No entanto, ajuda a perceber que a população, compreensivelmente saturada, acabou de forma voluntária ou involuntária por desleixar os mesmos cuidados que vínhamos a ter tanto em relação às medidas contra-Covid19 como nas medidas de sanidade democrática. 

Na pandemia da “impermeabilidade política” atingiu-se um novo máximo. Desde o advento da democracia em 1974 nunca um movimento de um espectro tão extremo como o Chega ganhou o protagonismo que se verifica tanto na esfera social como na esfera política. Era previsível, na verdade os sintomas estavam todos lá. 

Um país que mantém ou acentuou os contrastes entre litoral e interior; uma população urbana e uma população ruralizada; uma população com altos níveis de qualificação e uma população de níveis de escolaridade reduzidos; uma população envelhecida com mais acréscimos para a Segurança Social e uma população adulta cada vez mais sobrecarregada em termos de contribuições fiscais; uma população jovem com prospetos de emigração mais afincados e com grandes taxas de desemprego e/ou trabalho precário. Continuam-se a experienciar em Portugal níveis de corrupção local e nacional que devem ser encarados e erradicados dos centros de decisão política e também a força que os Media têm adquirido quando em muitas ocasiões sensacionalizam e legitimam a demagogia.  

Mais uma vez, Portugal não é o outlier neste universo de movimentos extremistas. A Europa, e mais em sede da União Europeia, tem exemplos práticos dessas mesmas variáveis que afetam a população a adotar sentimentos mais nacionalistas, mas populistas e mais “anti-sistema”.  

O que a História nos indica é que este tipo de imbróglio não é nada de novo e nunca o deixará de ser. O que a História nos ensina é como ver estes discursos preconizadores de divisão e segmentadores por um prisma de racionalidade democrática: sim, estamos perante forças que colocam “uns contra os outros”, mas isso é tanto mais revelador da robustez democrática dos Estados. A História dá-nos ferramentas para responsabilizar esses mesmos discursos separatistas, ou melhor, comprometer quem os evoca. Essa deve ser a maior lição daqui para a frente. A sociedade como um todo não se prende meramente em gritos de discórdia. A sociedade funciona melhor se encararmos os problemas que originam esse tipo de sentimento e temos de assumir que todos somos responsáveis pelo todo e por cada um. 

O candidato do Chega não obteve o segundo lugar na escolha dos eleitores portugueses, mas esteve perto disso. Chegamos ao ponto em que já sabíamos quem ia ganhar e apenas concentramos os nossos esforços em deter a elevação de uma voz que não representa a maioria dos portugueses. Não se enganem, o candidato do Chega não representa a maioria dos portugueses. Essa é a boa notícia. Também num tom mais positivo vimos como de forma concertada a maioria da população demarcou-se deste tipo de personalidade quando Ana Gomes tornou-se a mulher mais votada na história da Presidência da República portuguesa. 

Quanto à pandemia da Covid19 já sabemos que esta quarentena acabará a dada altura e também temos a boa notícia de uma luz ao fundo do túnel com as vacinas que a seu tempo começarão a trazer resultados. Mas sendo eu pessimista por natureza estou ainda mais preocupado com o isolamento político do qual Portugal terá de sair e a necessidade que a classe política tem em desenvolver mecanismos e estratégias que os aproximem aos cidadãos portugueses. Mecanismos estes que logrem reduzir os níveis de abstenção e denunciadores do desinteresse para com quem nos governa.

Crónica de David Pampillo 
O David é licenciado em Relações Internacionais pela Universidade do Minho

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