A Tabela que mudou o mundo

por José Malta,    2 Fevereiro, 2017
A Tabela que mudou o mundo
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Hoje, 2 de Fevereiro, assinalam-se os 110 anos do desaparecimento de Dmitri Mendeleev, o químico russo responsável por ter criado aquele que foi e é um dos mais úteis instrumentos na ciência e que ainda hoje é visto como um ícone científico dada a sua importância, organização e até mesmo à sua vertente estética: a Tabela Periódica. À primeira vista até pode parecer fácil desenhar uma tabela onde todos os elementos químicos se encontram, mas primeiro que a Tabela Periódica dos elementos químicos chegasse onde chegou muitas voltas foram dadas e muitas questões foram levantadas: o modo como listar cada elemento, como é que o seu aspecto poderia facilitar a vida na ciência e nas academias, como é que poderia ser montada sem se ter um total conhecimento de todos os elementos existentes… Foram muitas as aventuras e embrulhadas cometidas por aqueles que tiveram a capacidade e a ousadia de melhorar esta tabela, completando as suas lacunas.

Desde o elementar hidrogénio ao ilustre carbono que se liga com tudo, dos metais alcalinos aos alcalino-terrosos, dos halogénios aos metais de transição, dos gases nobres aos elementos radioactivos, muitas e muitas voltas tiveram que ser dadas. Desde Lavoisier, que é considerado o pai da química moderna, ter tido a sua cabeça a rolar depois de uma passagem pela guilhotina, até aos químicos de hoje, os esforços foram muitos para termos uma noção ampla do que realmente é a matéria e, posteriormente, dos elementos representados nesta tabela. Tal como qualquer ideia na ciência há sempre uma história que se assemelha a uma lenda de forma a introduzir o tema e a cativar o interesse do público. Por exemplo, a lenda de que Isaac Newton estava a descansar debaixo de uma macieira e que ao cair uma maçã sob a sua cabeça descobre que existe uma força que faz com que os corpos caiam é sem dúvida fascinante. O mais fascinante é que para a formulação da tabela periódica existe também uma história: numa noite de trabalho exaustivo e após semanas pouco produtivas Mendeleev estava cansado de tanto andar às voltas para encontrar uma maneira de relacionar os elementos químicos, de modo a criar uma ferramenta bem estruturada e de fácil acesso. Tal era o nível de exaustão que Mendeleev acabara por adormecer em cima da sua secretária, só que durante o sono sonhou que existia uma tabela onde todos os elementos estavam devidamente organizados de acordos com as suas propriedades. Quando acordou, não perdeu tempo e começou a tentar fazer uma tabela igual àquela com que tinha sonhado.

Esta história, embora seja com certeza uma lenda, serve também para adocicar a própria essência da Tabela Periódica que teve um processo evolutivo bastante interessante. A primeira proposta, sugerida pelo próprio Dmitri Mendeleev em 1869, teria um aspecto bastante arcaico em relação àquela que conhecemos, tendo só em conta o número de massa do átomo de cada elemento e estando apenas assim ordenado:

Comparativamente à versão actual, cujos elementos estão ordenados pelo seu número atómico e não pelo seu número de massa, esta versão está algo confusa e apenas possui 66 elementos, alguns deles sem nome e outros com massas atómicas pouco precisas. Este era um puzzle que tinha tudo para ser resolvido, porém ainda muitas peças faltavam e teria que haver um maior encaixe entre elas. A evolução dos conhecimentos científicos na configuração electrónica de cada átomo, no modo como os electrões estão dispostos por cada orbital, foi muito importante para que a tabela periódica adquirisse o aspecto que hoje conhecemos, hoje esta está devidamente organizada conforme as orbitais preenchidas e os electrões de valência que os átomos dos elementos possuem. Entretanto, depois desta primeira tentativa, descobriam-se os gases nobres, algo que era desconhecido na altura; cientistas como Pierre e Marie Currie tiveram que fazer vários esforços para descobrirem o Polónio e o Rádio, elementos de elevada radioactividade; vários elementos adicionais tiveram que ser sintetizados de forma a completar a tabela sendo que os últimos entraram na tabela só em 2010… Com isto pode-se concluir que a história da tabela periódica pode ser vista como um enigma que só passado mais de um século apareceu totalmente desvendado, depois de terem sido achadas e devidamente encaixadas todas as peças deste enorme puzzle.

Hoje a tabela periódica possui 118 elementos onde cerca de 26 são de origem sintética. São sete os períodos (embora os lantanídeos e os actinídeos estejam representados em separado) e dezoito os grupos que a compõem, o que faz com que cada elemento químico tenha a sua impressão digital, a sua identidade única, seja ela qual for. Memorizá-la é um processo algo complexo, embora seja possível para aqueles que com ela trabalham arduamente na sua profissão. A única letra que não está presente é a letra J embora na primeira versão haja um elemento que corresponde a esta letra, que hoje actualmente corresponde ao I, o Iodo, devido ao J se ler I em determinadas línguas. Em algumas versões a letra Q também não está presente devido às alterações recentes nos nomes dos compostos sintetizados. Este puzzle parece totalmente completo, sem qualquer lacuna ou falha de informação aparente. No entanto os mistérios da ciência continuam sempre por desvendar e nunca se sabe o que nos espera.

Todas estas histórias e curiosidades são magníficas mas a verdade é que a Tabela Periódica é muito mais do que um símbolo científico, é também um elemento que consegue atingir patamares humanísticos que nos sejam bastante familiares. Na literatura, Primo Levi, o químico que passou pelo inferno dos campos de concentração durante a segunda grande guerra, escreveu um livro intitulado Il Sistema Periodico onde conta as suas inúmeras aventuras com alguns dos elementos químicos, muitas delas passadas em Auschwitz. No pequeno ecrã a ilustre série Breaking Bad, do professor de química que vê a sua vida virada do avesso e para conseguir o dinheiro que precisa escolhe a vida criminal ao sintetizar metanfetaminas, começa com os símbolos químicos do Bromo e do Bário a saírem da respectiva dando as iniciais do nome da série. Na arte vários são aqueles que tentam recriar a tabela periódica à sua maneira até com elementos que substituam os elementos químicos e que também sejam igualmente relacionáveis. No mundo quotidiano são várias as T-Shirts com Tabelas Periódicas e com os seus elementos a formarem frases, são várias as brincadeiras que se fazem com os elementos através de desenhos e ilustrações que são fáceis de ser entendidos mesmo para aqueles que não percebam muito de química. Tudo isto faz com que a Tabela Periódica seja quase como um elemento pop, de fácil acesso a qualquer pessoa. Provavelmente este é o instrumento científico mais acessível que existe, o que torna esta tabela mais do que um ícone representativo da ciência e do conhecimento, mas também um símbolo de inspiração artistica e até mesmo da cultura universal.

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